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21/12/2023

Retrospectiva 2023: Novo governo federal e os desafios para fazer valer as políticas públicas em direitos humanos

Depois de quatro anos de intensos retrocessos nas políticas públicas de direitos humanos, governo iniciado em 2023 garante mais estabilidade, mas traz novos desafios

Documento emitido pela ONU em 1949, ano seguinte da adoção na Assembleia Geral das Nações Unidas da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foto: Dimitar DILKOFF / AFP Documento emitido pela ONU em 1949, ano seguinte da adoção na Assembleia Geral das Nações Unidas da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foto: Dimitar DILKOFF / AFP

O Brasil começou o ano de 2023 testemunhando o início de um novo governo federal. No entanto, as forças extremistas e anti-direitos permaneceram ativas. Os ataques às sedes dos três poderes em 8 de janeiro é um exemplo simbólico disso. O fenômeno é global. Por isso, a Conectas realizou trocas com parceiros internacionais que enfrentaram a ascensão da extrema direita na tentativa de pensar modos de garantir os direitos humanos em qualquer contexto. 

A defesa dos direitos humanos não deixou de ser uma luta constante, ainda que a administração central tenha sido eleita com compromissos para elaborar políticas públicas capazes de enfrentar as desigualdades sociais e econômicas.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e outros tribunais foram frequentemente demandados para atuar em favor desses direitos. Conectas participou de julgamentos importantes ao longo do ano. Entre eles, a ADPF das Vidas Negras, RE Perfilamento Racial, ADPF do Estado de Coisas Inconstitucional no sistema carcerário brasileiro, ADPF do Aborto, além dos casos da chamada Pauta Verde. 

No Congresso, a batalha, como sempre, foi dura, demonstrando as dificuldades do governo federal em relação às pautas de direitos humanos e socioambientais, bandeiras que projetam internacionalmente o Brasil. A aprovação do marco temporal para terras indígenas está entre as “boiadas” que seguem passando. A aprovação de matérias de justiça criminal como a nova lei orgânica das polícia militar também preocupa. 

No âmbito do combate ao racismo, destaca-se algumas medidas tomadas pelo Ministério da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. A sociedade civil, contudo, seguiu cobrando para que esses programas sejam efetivos. A presença de mães de vítimas da violência letal do Estado em Brasília (DF) para demandar o fim da violência contra pessoas negras e da periferia, sobretudo, é um exemplo de como os movimentos sociais e as organizações de direitos humanos estão comprometidos com as mudanças estruturais. 

O país enfrentou um alarmante quadro de violência policial, especialmente com altos índices de mortes causadas por policiais em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Problemas históricos e o legado negativo do governo anterior persistiram, como a desintegração das políticas de combate à violência institucional, evidenciada pela Operação Escudo e a recusa do uso de câmeras corporais.

O ano também foi marcado pelo assassinato da yalorixá Bernadete Pacífico, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares (BA) e da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), e pela morte da liderança Tymbektodem Arara. Ambos, figuras importantes na luta pelos direitos dos povos tradicionais e originários. 

Destacando-se internacionalmente, a Conectas conquistou registro na Organização dos Estados Americanos (OEA) e na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Acompanhou as revisões do Estado brasileiro em Comitês de Tratados, e demandou o Brasil pela primeira vez no Comitê contra a Tortura (CAT). A organização também esteve em fóruns internacionais especializados nas discussões climáticas, com a Cúpula da Amazônia e a COP28. Nesses momentos, defendeu uma transição energética justa sem violações dos direitos socioambientais. 

No cenário mundial, guerras e conflitos colocaram em xeque consensos em direitos humanos e demandam ações em conjunto de organizações de direitos humanos na defesa da vida de todas as pessoas. Entre vitórias e desafios, foi preciso trabalhar muito para assegurar a consolidação de políticas inclusivas e o fortalecimento das garantias fundamentais no âmbito internacional e doméstico.

Veja os destaques da Retrospectiva 2023 da Conectas: 

Direitos indígenas e política do clima

Já no dia 1o de janeiro, em seu primeiro dia de governo, uma das medidas de destaque do presidente Lula foi a recuperação de programas de financiamento ao meio ambiente, como o Fundo Amazônia e o FNMA (Fundo Nacional do Meio Ambiente), o mais antigo fundo ambiental da América Latina. Além disso, Lula também anunciou a proibição da mineração artesanal em terras indígenas. 

Ainda em janeiro, o presidente visitou as terras indígenas yanomami, um dia depois de o Ministério da Saúde declarar emergência de saúde pública por falta de assistência sanitária às populações do local. Com isso, Lula reforçou a ideia de que os direitos indígenas seriam pautas prioritárias em sua gestão. 

As violência contra esses povos, no entanto, não deixaram de acontecer. Em junho, a Polícia Militar de São Paulo reprimiu violentamente um ato pacífico promovido pelo povo Guarani da Terra Indígena Jaraguá contra o PL (Projeto de Lei) 490/2007 (Marco Legal). Defensorias Públicas da União e do estado de São Paulo, Conectas Direitos Humanos e outras organizações exigiram informações e providências após a repressão. 

Em setembro, durante a 54ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, ao lado do Instituto Maíra e da Associação Indígena do Povo Arara da Cachoeira Seca – KOWIT, a Conectas denunciou as violação dos direitos indígenas no Brasil, especialmente a situação da Terra Indígena (TI) Cachoeira Seca, no Pará.

Após retornar da missão à ONU, em outubro, morreu a liderança indígena Tymbektodem Arara, uma figura notável e inspiradora, da Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará. Tymbektodem partiu deixando um legado inestimável para o povo Arara, de recente contato, e para toda a comunidade indígena do Brasil. Devido a falta de transparência nas circunstâncias da morte, Associação Indígena do Povo Arara da Cachoeira Seca – KOWIT, em conjunto com o Instituto Maíra e a Conectas Direitos Humanos, reforçaram o pedido, para que a Polícia Federal no Pará conduzisse uma investigação célere e completa sobre o caso, ainda sem respostas.  

Política de migração e refúgio

Em janeiro, o Brasil comunicou oficialmente sua reintegração ao Pacto Global para Migração. O país havia se retirado do acordo, no início do governo Bolsonaro, alegando que ele representava uma ameaça à soberania nacional. A decisão foi amplamente criticada pela Conectas, na época.

Em junho, foram publicadas as conclusões da pesquisa inédita “Opiniões sobre Migrações”, realizada pelo Datafolha junto à Conectas. Segundo o levantamento, 61% dos brasileiros pensam que o governo nacional deveria ter mais políticas e ações para migrantes em situação vulnerável. Entre outros dados, a maioria dos brasileiros acredita que pessoas migrantes são bem recebidas no Brasil, mas a qualidade da recepção depende sobretudo da cor, raça ou etnia dos migrantes.

Em setembro, 38 organizações, incluindo a Conectas, assinaram um abaixo assinado expressando sua preocupação com uma nova regra do governo, a Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 42, que limita o direito de migração e busca de proteção internacional. A nova regra vai contra medidas importantes tomadas pelo governo sobre esse assunto, especialmente em relação à situação difícil no Afeganistão.

Controle de armas

Além da recuperação de programas de financiamento ao meio ambiente, em seu primeiro dia de governo, Lula também extinguiu políticas que flexibilizavam a posse de armas. Dados do último Anuário de Segurança do Fórum Brasileiro de Segurança Pública registraram que, sob o governo Bolsonaro, houve um aumento de 473% no número de pessoas com licenças para armas de fogo. 

Em julho, trinta organizações da sociedade civil, incluindo a Conectas, celebraram a publicação de um decreto que estabelece uma nova regulamentação para o controle de armas e munições. Entre as novas regras, estão a redução do limite de armas por pessoa, a restrição do acesso a armamentos de maior calibre e o retorno do controle do Estado sobre esses arsenais privados.

8 de janeiro

A Conectas condenou e cobrou a responsabilização pela invasão ao Palácio do Planalto, ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso Nacional, no dia 8 de janeiro. Além da organização, mais de 40 governos estrangeiros, organismos e observadores internacionais se manifestaram em repúdio aos ataques. António Guterres, Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), também condenou “o assalto às instituições democráticas do Brasil”. O representante reforçou que “a vontade do povo brasileiro e as instituições democráticas devem ser respeitadas”.

Descriminalização do aborto no Brasil

Em janeiro, o Ministério da Saúde revogou seis portarias assinadas pelo governo Jair Bolsonaro que, de acordo com a pasta, contrariavam diretrizes do SUS (Sistema Único de Saúde). Entre as portarias revogadas, está a que previa (Portaria nº 2.561) a necessidade da equipe médica notificar a autoridade policial em caso de aborto por estupro. Além disso, o governo brasileiro se desligou da Declaração do Consenso de Genebra sobre Saúde da Mulher e Fortalecimento da Família”, uma aliança ultraconservadora, a qual defende um conceito restritivo de família e é contra o direito ao aborto, inclusive nos casos legais.

Em setembro, antes de se aposentar, a ministra Rosa Weber incluiu na pauta de julgamento virtual a ação que pede descriminalização do aborto no Brasil. A ação, protocolada em 2017 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), com suporte técnico da Anis – Instituto de Bioética, pede que o aborto realizado por vontade da pessoa gestante deixe de ser um crime até a 12ª semana de gestação. Weber votou pela descriminalização, e seu voto se mantém válido mesmo após a aposentadoria. O atual presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, afirmou, no entanto, que não tem planos de retomar o julgamentoDurante a 54ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, cinco organizações da sociedade civil, dentre elas a Conectas, realizaram um discurso em favor da aprovação da ADPF.

Crimes militares na justiça comum

Em fevereiro, o STF voltou a analisar se agentes das Forças Armadas que cometem crimes contra civis em atividades de segurança pública devem ser julgados pela Justiça Comum. A ação, no âmbito da ADI 5032 (Ação Direta de Inconstitucionalidade), apresentada, em 2013, pela PGR (Procuradoria Geral da República), pede que a Suprema Corte considere inconstitucionais trechos de uma legislação (Lei Complementar nº 136/2010) que aumenta a competência da Justiça Militar, permitindo que os próprios militares julguem colegas causadores de crimes contra a vida de civis. Conectas, assim como Grupo Tortura Nunca Mais, Defensoria Pública da União e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, foram admitidos como amicus curie na ação. 

Revista vexatória

Em fevereiro, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) voltou a analisar uma ação civil pública, proposta pela Conectas em 2014, que pedia a condenação do Estado paulista por danos morais pela realização de revista íntima de caráter vexatório em familiares de pessoas presas durante visitas nos Centros de Detenção Provisória I e II de Guarulhos, entre os anos de 2011 e 2013. O Tribunal reconheceu a prática como ilegal e determinou que a ação retornasse à primeira instância para julgamento do caso.

Em novembro, a Conectas e a Amparar (Associação de Familiares e Amigos de Presos e Internos da Fundação Casa) lançaram a cartilha “Grades Invisíveis”, reforçando o caráter criminoso da violência de Estado contra familiares e visitantes de pessoas presas no Brasil.

Lançamento da Revista Sur

“Futuros possíveis: Existe um novo normal?” foi o tema da edição da Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos, editada pela Conectas e lançada em fevereiro. A 32ª edição da publicação reúne reflexões sobre o movimento de direitos humanos num cenário de crise política, econômica e sanitária global. Em abril, a Conectas promoveu uma roda de conversa com autores e autoras da revista, sobre os temas abordados na mesma. . 

Precarização do trabalho

No início do ano, o resgate de 207 homens em situação análoga à escravidão, em uma vinícola gaúcha lançou luz sobre o racismo e a precarização do trabalho no Brasil. Em março, durante a 52ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Conectas, Adere-MG (Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais), Business Human Rights Resource Center e Oxfam Brasil pediram que a comunidade internacional rejeitasse a produção oriunda de trabalho análogo ao escravo no país, apresentando dados do documento “Desmontes e retrocessos no sistema de combate ao trabalho escravo no Brasil”, elaborado pelas entidades, em 2022.

Erradicação da tortura

A atuação do estado brasileiro no combate à tortura foi tema de denúncia feita pela Conectas, na ONU, em março. Durante a 52ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a organização apontou o enfraquecimento do SNPCT (Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), durante o governo de Jair Bolsonaro. 

Em abril, o  Comitê Contra Tortura (CAT) realizou uma revisão do Brasil em relação às medidas adotadas para combater a prática da tortura no país – medida realizada periodicamente aos signatários da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura. A revisão contou com análise de relatórios enviados pelo governo e por entidades da sociedade civil brasileira, incluindo a Conectas. A última revisão brasileira tinha sido feita há 20 anos por atraso do Estado em submeter seus relatórios.

Em maio, o CAT divulgou suas conclusões sobre a revisão, apresentando medidas que devem ser tomadas para combater a tortura no país. O relatório apontou que violações do tipo são comuns no Brasil, especialmente em prisões e áreas periféricas urbanas e rurais, sendo pessoas negras, quilombolas, indígenas, mulheres e LGBTI+ as principais vítimas. O Comitê solicitou ao Brasil que forneça, até 12 de maio de 2024, informações sobre as medidas adotadas perante suas recomendações. A Conectas também acompanhou inspeções realizadas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura em instituições de privação de liberdade de São Paulo. Durante as visitas, foram encontradas diversas violações de direitos humanos. 

Brasil rejeita recomendações anti-LGBTQIA+

O Brasil rejeitou recomendações realizadas por outros estados membros da ONU no 4º ciclo da Revisão Periódica Universal, em sessão realizada no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em março. As recomendações limitavam a definição de família e discriminavam pessoas LGBTQIA+. “As políticas públicas nacionais do Brasil são dirigidas a todas as formas de família, sem qualquer tipo de discriminação”, explicou o embaixador Tovar da Silva Nunes. A Conectas participou do 4º Ciclo da RPU com o envio de relatórios temáticos sobre a situação dos direitos humanos no país. A organização também faz parte do Coletivo RPU, uma coalizão de entidades da sociedade civil que acompanha e incide neste mecanismo de revisão.

Perfilamento racial

Em março, o STF iniciou o julgamento em plenário de um habeas corpus com dimensão coletiva sobre abordagens policiais feitas sem critérios objetivos ou baseadas apenas na cor da pele, o chamado perfilamento racial. Para reforçar a análise dos ministros, oito organizações, incluindo a Conectas, protocolaram um memorial com petição argumentando que a prática, da forma como acontece hoje, é discriminatória. 

Em um artigo para a Folha de S.Paulo, assinado pela filósofa Sueli Carneiro, coordenadora-executiva do Geledés e integrante do conselho da Conectas, Gabriel Sampaio, diretor de litigância e incidência da Conectas, e Theo Dias, presidente do conselho deliberativo da Conectas, afirmaram que “foi sintomática a referida sessão de julgamento na qual advogadas negras e advogados negros denunciavam da tribuna o racismo nas práticas policiais em uma corte integrada por nove ministros brancos e duas ministras brancas”. Ainda em março, a Conectas denunciou, na ONU, o perfilamento racial, cobrando urgência do Brasil no combate ao racismo estrutural e institucional. O julgamento foi suspenso no STF. 

Definição de terrorismo

Em março, seis ONGs brasileiras, incluindo a Conectas, pediram que o Conselho de Direitos Humanos da ONU questionasse o Brasil sobre projetos de lei que buscam ampliar a definição de terrorismo. É exemplo o PL 3283/2021, aprovado em maio no Senado Federal e enviado à Câmera dos Deputados. De acordo com as entidades, essa ampliação pode ser usada para criminalizar ações legítimas de protesto e manifestação pacífica. Um documento também foi enviado a parlamentares, afirmando que “a excessiva abrangência da expressão ‘distúrbios civis’ [no projeto] contraria os padrões internacionais de direitos humanos e implica, necessariamente, na flexibilização de direitos e garantias constitucionais”.

Conectas na OEA e na UNFCCC

Em abril, a Conectas se tornou uma organização registrada na OEA (Organização dos Estados Americanos). A partir de então, a Conectas pode levar o posicionamento da sociedade civil brasileira às reuniões do Conselho Permanente e do Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral, além de contribuir com resoluções que influenciam as políticas regionais em direitos humanos durante a Assembleia Geral do órgão.

A Conectas também foi admitida como organização observadora da UNFCCC (Convenção-Quadro de Mudanças Climáticas). Com isso, pode continuar o trabalho de incidência internacional nas negociações climáticas, inclusive apoiando outras organizações.

Tortura no Sistema Prisional

Em abril, ao lado do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a Conectas protocolou uma denúncia na ONU, alertando sobre o “grave quadro de crise humanitária” ao qual estão submetidas as pessoas privadas de liberdade no sistema prisional do Rio Grande do Norte. O documento mostrou relatos de prática sistemática de tortura e castigos como choques elétricos nos pés, tendo sido constatadas lesões na pele em diversas pessoas na penitenciária de Alcaçuz.

Já na 53ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em junho, a Conectas chamou a atenção novamente da comunidade internacional para as mortes ocorridas em prisões brasileiras e a violação do direito de memória, justiça e verdade dos familiares das vítimas de violência no país. 

Em julho, a Defensoria Pública de São Paulo e a Conectas apresentaram outra denúncia,  desta vez no Comitê Contra Tortura (CAT) da ONU. A acusação, que foi admitida em setembro, foi feita contra o Brasil, por tortura e outras violações de direitos humanos cometidas por policiais penais do Grupo de Intervenção Rápida (GIR) contra pessoas presas em Presidente Prudente (SP). Trata-se do primeiro caso brasileiro admitido pelo CAT.

Ainda em setembro, o STF reconheceu o estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro e determinou que o governo federal elaborasse um plano de ação para resolver a situação de violações generalizada de direitos fundamentais nas prisões do país.

A organização também fez parte da Missão do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura, realizada no estado de São Paulo. 

Vítimas da violência letal do Estado

Em parceria com o Movimento Independente Mães de Maio e o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo (CAAF/UNIFESP), a Conectas lançou um projeto – que recebeu apoio do Fundo das Nações Unidas para a Democracia (UNDEF) – para fortalecer a luta por justiça e memória das vítimas da violência estatal no Brasil

Ainda sobre esse tema, em junho, mães de diferentes estados brasileiros que lutam contra a violência letal do Estado estiveram em Brasília em uma comitiva que agregou diversos movimentos e organizações. Na capital federal, elas se encontram com representantes do governo federal e outras autoridades. Reivindicaram, entre outras coisas, ações para reduzir a violência em territórios de periferia e contra a população negra e políticas de atendimento às vítimas, incluindo familiares da violência letal. 

Combate à desinformação 

Em abril, organizações da sociedade civil, incluindo a Conectas, divulgaram o documento “A regulação das plataformas digitais no Brasil: posicionamento de organizações da sociedade civil e entidades acadêmicas”, que defende a necessidade da implementação de um novo marco regulatório das plataformas digitais no Brasil. Faz parte dos pontos defendidos pelas entidades a criação de um novo órgão regulador independente e autônomo. Além disso, em junho, a SAD (Sala de Articulação contra a Desinformação), iniciativa que reúne organizações como a Conectas, lançou um novo documento de consensos com relação ao PL das Fakes News (PL 2630/2020). No texto, o grupo considera que a responsabilidade por conteúdo impulsionado, transparência e a constituição de órgão regulador devem ser preservados na proposta para a obtenção de regulação mais apropriada das plataformas digitais no Brasil.

Caso Vinícius Júnior

Em maio, entidades da sociedade civil entregaram uma carta à Delegação da União Europeia (UE) no Brasil, em resposta a um novo incidente de racismo contra o jogador Vinícius Júnior, do Real Madrid, da Espanha — nação membro da UE. Mais de 160 organizações, entre elas a Conectas, instaram a adoção de medidas para combater o racismo não apenas no contexto do futebol, mas em toda a sociedade, com foco especial nos países do bloco.

Transição energética justa

Em maio, ao lado da Organização Construindo Poder Popular, o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, o Instituto Terramar e a Conectas, a Articulação Povos de Luta (ARPOLU), que reúne comunidades costeiras do Ceará, denunciou a violação de leis por parte do Estado, na primeira audiência pública sobre a construção de projetos de energia eólica offshore — que preveem usinas construídas em alto mar, desrespeitando o conceito de transição energética justa. Durante a audiência, lideranças e organizações da sociedade civil denunciaram violações envolvendo desrespeito a procedimentos de licenciamento ambiental, falta de consulta e consentimento livre, prévio e informado e dinâmicas de racismo ambiental.

Defesa do espaço de atuação da sociedade civil

Em junho, a Conectas promoveu, na sede da ONU em Genebra (Suíça), um evento paralelo em conjunto com a entidade Terra de Direitos para dialogar com Clément Voule, relator especial das Nações Unidas sobre os direitos à liberdade de assembleia e de associação. As organizações discutiram o relatório que Voule elaborou sobre o Brasil, a partir de visita realizada em 2022, as recomendações apresentadas ao Estado e outros pontos a serem considerados para a proteção da sociedade civil.

Morte de defensores dos direitos humanos

Em agosto, o país foi surpreendido com o brutal assassinato da yalorixá Bernadete Pacífico, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares (BA) e da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq). Junto à Conaq, a Conectas exigiu das autoridades investigações imediatas e responsabilização das pessoas envolvidas no caso. A morte da liderança religiosa aponta, tanto para uma constante de violência contra mulheres negras e lideranças quilombolas, como para o racismo religioso, reflexo do racismo estrutural e da ainda hegemonia do cristianismo no país. país. O tema é debatido por e-book lançado pelas organizações Criola, Conectas e Portal Catarinas, com o apoio de Synergia. 

Outra morte que chocou o Brasil foi a da liderança Tymbektodem Arara, em outubro. O professor, estudioso da língua Arara, era presidente da associação Kowit, da Terra Indígena Cachoeira Seca, no Pará. Ao lado de outras entidades, a Conectas reforçou o pedido para que a Polícia Federal no Pará conduzisse uma investigação célere e completa sobre o caso.

Cúpula da Amazônia

Em agosto, aconteceu em Belém, no Pará, a Cúpula da Amazônia, evento que precedeu a COP28. Na ocasião, o presidente Lula deu uma prévia do tom adotado pelo Brasil e outros países detentores de florestas tropicais nas negociações climáticas. “Nós vamos para a COP28 com o objetivo de dizer ao mundo rico que se quiserem preservar efetivamente o que existe de floresta é preciso colocar dinheiro não apenas para cuidar da copa da floresta, mas para cuidar do povo que mora lá embaixo”, disse o mandatário. 

A COP28, por sua vez, foi realidade em dezembro, nos Emirados Árabes Unidos. Conectas e outras organizações da sociedade civil brasileira marcaram presença. Entras as demandas apresentadas, está a realização de uma transição energética justa, que respeite os direitos humanos e socioambientais. 

Marco Temporal 

O ano de 2023 marcou a decisão histórica do STF de derrubar a tese do “marco temporal”. Em setembro, nove dos 11 ministros consideraram a tese inconstitucional. 

Em outubro, o mesmo tema — que também tramitava como PL 2903 e visava a transformação da tese em Lei — foi aprovado pelo Congresso. Onze organizações, incluindo a Conectas, enviaram à ONU um apelo urgente contra a medida. O pedido, que denunciava a inconstitucionalidade do projeto de lei, também foi enviado à Presidência da República e a outros ministérios. O presidente Lula sancionou a medida, tornando-a a primeira lei ordinária do país sobre a demarcação de Terras Indígenas, mas vetou vários pontos do projeto, incluindo a tese do marco temporal. Apesar da mobilização indígena, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial no início de dezembro. 

Operação Escudo

Em setembro, a Conectas e o Movimento Mães de Maio apresentaram uma denúncia ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, sobre as violações ocorridas durante a Operação Escudo, na Baixada Santista (SP). A ação foi deflagrada em resposta à morte de um policial militar, e deixou pelo menos 28 pessoas mortas em 40 dias. Ainda em setembro, a Defensoria Pública de São Paulo e a Conectas ingressaram com uma ação civil pública pedindo que a Justiça obrigue o Governo de São Paulo a instalar câmeras corporais nos policiais que atuam na operação. 

Apesar de pesquisas demonstrarem que as câmeras são importantes para preservar a vida dos agentes e da população, o TJSP decidiu em dezembro que policiais militares não são obrigados a usar câmeras. 

Em parceria com pesquisadores e pesquisadoras majoritariamente negros, a sociedade civil e o Consulado da Alemanha, a Conectas desenvolveu uma série de estudos sobre uso de câmeras por agentes do Estado, evidenciando de um lado, a importância da política pública para preservação da vida e, de outro, diversas lacunas de controle e segurança do uso da tecnologia.

Paridade de Gênero Judicial

Em setembro, por maioria, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou um ato normativo para a implementação de um sistema de alternância de gênero no preenchimento de vagas em tribunais de segunda instância da Justiça brasileira. Os tribunais passam a ter de abrir editais alternando a criação de listas mistas e exclusivas até que seja atingida a paridade entre homens e mulheres. Em sua sustentação oral, Gabriel Sampaio, diretor de incidência e litígio da Conectas, afirmou que o compromisso com a igualdade deve ser assumido radicalmente. 

Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU

Em outubro, oito meses depois de o governo brasileiro apresentar sua candidatura para voltar a ser membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o país foi eleito para um mandato de três anos. A Conectas, que tem uma longa tradição de acompanhar o processo eleitoral, participou da sabatina. Ressaltando que abortos inseguros são uma das principais causas de mortalidade materna no Brasil e as principais vítimas são mulheres e meninas negras, a organização quis saber como o governo brasileiro pretende garantir o cumprimento das recomendações do Comitê da ONU contra a Tortura, que sugerem a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez. A delegação respondeu que o Estado já tem três possibilidades de aborto legal, mas que o tema é de alta prioridade para o Brasil, reconhecendo que mulheres negras são mais afetadas pelas desigualdades estruturais.

Lei de cotas: 10 anos

Depois de pouco mais de 10 anos, em novembro deste ano, a Lei de Cotas foi revisada e recebeu a sanção do presidente Lula. A Conectas listou algumas das mudanças que entraram em vigor com a revisão, como a inclusão de pessoas quilombolas na política pela reserva de vagas. Além disso, estudantes que optarem pelas cotas e se encontrarem em situação de vulnerabilidade social terão prioridade para receber o auxílio estudantil. Outra mudança prevê que as universidades federais deverão ampliar as políticas de ação afirmativa para a pós-graduação. A revisão estabelece ainda que, a cada 10 anos, os ministérios responsáveis deverão reavaliar o programa de cotas. 

Guerra e situação humanitária em Gaza

Em outubro, líderes de alto escalão das Nações Unidas instaram ao imediato cessar da escalada do conflito entre o Hamas e Israel. Através de discursos e declarações à imprensa, autoridades expressaram preocupação tanto em relação ao nível de violência quanto às múltiplas violações dos direitos humanos e do direito internacional humanitário que têm se intensificado. A Conectas reforçou os chamados das autoridades da ONU pela proteção de civis e a solução do conflito e se juntou a outras organizações globais para pedir que não sejam fornecidas armas ao Exército israelense. 

Feiras de Ideias: um encontro da sociedade civil 

A Conectas e o Sesc 24 de Maio promoveram nos dias 2 e 3 de dezembro a 7ª Feira de Ideias, evento realizado para marcar o Dia Internacional dos Direitos Humanos, celebrado no dia 10 de dezembro. A Feira de trouxe 20 projetos focados em temas como equidade de gênero, direitos LGBTQIA+, pobreza menstrual e antirracismo. A proposta foi reunir ativistas, coletivos, pesquisadores e jornalistas para compartilharem experiências e metodologias que contribuam para a efetivação dos direitos humanos.

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