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25/09/2023

Em vitória dos povos indígenas, STF rejeita tese do marco temporal

Maioria da Corte entende que demarcação de terras indígenas é direito constitucional e não deve seguir marco temporal da Constituição de 1988

Fotos da Marcha indígena em Brasília, contra a aprovação do Marco Temporal no STF em junho de 2023. Foram 3 dias de marcha e os povos originários caminharam em frente aos ministérios, congresso e, no dia da votação, em frente ao STF. Foto: Gabriel Guerra/Conectas

Fotos da Marcha indígena em Brasília, contra a aprovação do Marco Temporal no STF em junho de 2023. Foram 3 dias de marcha e os povos originários caminharam em frente aos ministérios, congresso e, no dia da votação, em frente ao STF. Foto: Gabriel Guerra/Conectas

Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou na quinta-feira (21) a  tese do “marco temporal” por uma maioria de votos,  representando uma vitória para os povos indígenas do Brasil.  Nove dos 11 ministros consideraram inconstitucional  a ideia de é existe um marco de tempo para demarcação de terras indígenas.  

Defendida por ruralistas, a tese limita o reconhecimento de terras indígenas apenas àquelas que estavam sob ocupação ou reivindicação pelos povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Agora, essa ideia é considerada inconstitucional pela maioria dos ministros do STF.

Relator do caso, o ministro Edson Fachin foi o primeiro a votar, ainda em 2021. Afirmou em seu voto que a teoria do marco temporal desconsidera a classificação dos direitos indígenas como fundamentais, ou seja, cláusulas pétreas que não podem ser suprimidas por emendas à Constituição. 

Para Fachin, a proteção constitucional aos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” não depende da existência de um marco nem da configuração do esbulho renitente com conflito físico ou de controvérsia judicial persistente na data da promulgação da Constituição.

“O Supremo garantiu a aplicação dos valores constitucionais e a defesa dos direitos dos povos indígenas. Afastar o marco temporal, assegura o reconhecimento do direito ao território e das obrigações do Estado em demarcá-los e protegê-los”, afirma Gabriel Sampaio, diretor de litigância e incidência da Conectas. A Conectas participou do julgamento na condição de amicus curiae e demonstrou no processo que a tese ignora violações históricas sofridas pelos povos indígenas, incluindo deslocamentos forçados. 

Caso sobre povo Xokleng

O STF julgou o RE (Recurso Extraordinário) 1.017.365, que é um processo que discute  um pedido de reintegração de posse movido pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Funai e indígenas do povo Xokleng. O caso chegou na Corte em 2016. No julgamento, os ministros decidiram que casos judiciais envolvendo demarcações de terras indígenas não devem seguir a tese do marco temporal.

O julgamento se encerra em uma semana marcada por uma coincidência simbólica: no dia 22 de setembro, sexta-feira, o contato forçado do povo Xokleng completa 109 anos. De acordo com CIMI (Conselho Indigenista Missionário), foi nesta data, em 1914, que os líderes Kovi Pathé e Vomblé Kuzu partiram de um acampamento Xokleng para se encontrarem com os funcionários enviados pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), fundado apenas quatro anos antes pelo Marechal Cândido Rondon.

Repercussão geral 

Em decisão do dia 11 de abril de 2019, o plenário do STF reconheceu por unanimidade a “repercussão geral” do julgamento. Isso significa que a decisão desse caso servirá para fixar uma tese de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias do Judiciário.

Há muitos casos de demarcação de terras e disputas possessórias sobre TIs que se encontram, atualmente, judicializados. Também há muitas medidas legislativas que visam retirar ou relativizar os direitos constitucionais dos povos indígenas. Entre eles, o PL (Projeto de Lei) 2903, que tramita no Senado e  visa a transformação da tese do marco temporal em lei. Ao admitir a repercussão geral, o STF reconhece, também, que há necessidade de uma definição sobre o tema.

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