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30/07/2021

Justiça Federal volta a proibir deportação sumária de migrantes vulneráveis

Sentença diz que portarias federais de fronteiras “têm dado margem para o cometimento de ilegalidades por parte da União”

Migrantes chegam em ponto de acolhimento na cidade de Boa Vista (RR). Foto: Operação Acolhida Migrantes chegam em ponto de acolhimento na cidade de Boa Vista (RR). Foto: Operação Acolhida

A Justiça Federal barrou nesta quarta-feira (28) a deportação ou repatriação sumária de migrantes em situação de vulnerabilidade que cruzem as fronteiras brasileiras em Roraima e no Amazonas. A sentença também proíbe o governo brasileiro de voltar a utilizar agentes de segurança pública para invadir e fazer rondas em locais de acolhimento aos migrantes e estabelece, por fim, uma multa de R$500 mil a ser paga pela União a entidades sociais por dano moral coletivo.

Com a justificativa de conter a disseminação da covid-19, o governo brasileiro publicou, desde o início da pandemia, dezenas de portarias interministeriais que restringem a entrada de migrantes no país por fronteiras terrestres. Estas portarias autorizam entre outras coisas, a deportação imediata de pessoas, ainda que elas tenham direito ao refúgio. No dia 24 de junho, uma nova portaria voltou atrás e chegou a restabelecer a possibilidade de acolhimento dos migrantes venezuelanos, os mais afetados pelas medidas federais, no Brasil. O documento, no entanto, impõe limites segundo os “meios disponíveis” de acolhimento destas pessoas e continua utilizando a pandemia como justificativa para uma política discriminatória na prática. 

“Friso que inexiste qualquer correlação entre a política pública sanitária de combate e prevenção à disseminação do SARS-COVID-19 e o pedido de refúgio, sendo incrível até mesmo que aqueles que conceberam e tiveram a coragem de assinar a Portaria tenham nela inserido essa previsão”, diz trecho da sentença, assinada pelo juiz Luiz Felipe Bouzada Flores Viana, da 2ª Vara Cível da Justiça Federal. A decisão responde a uma ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública da União e Ministério Público. 

Em outro trecho, o magistrado afirma que “essas sanções e o tratamento discriminatório conferido aos migrantes, especialmente os venezuelanos […] têm dado margem para o cometimento de ilegalidades por parte da União, que extrai dos dispositivos indicados fundamento para praticar condutas incompatíveis com a legislação e, mais do que isso, atentam contra normas fundantes da Constituição da República, do Direito Internacional dos Refugiados, do Direito Internacional dos Direitos Humanos, do Estatuto dos Refugiados e da Lei de Migração, podendo acarretar a responsabilização internacional do Estado brasileiro por graves violações de direitos humanos.”

Para Camila Asano, diretora de programas da Conectas, “esta é mais uma decisão que reconhece o caráter ilegal e discriminatório das portarias federais e protege os migrantes, refugiados e os serviços humanitários de abusos por parte das forças policiais, situações que se tornaram recorrentes”. Ainda de acordo com Asano, caso o governo federal recorra desta sentença, é importante que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que ficará responsável por julgar o recurso, assegure os direitos dos migrantes, estabelecidos pela legislação brasileira. 

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Em agosto de 2020, a Justiça Federal no Acre também havia impedido a deportação ou repatriação imediata dos migrantes vulneráveis. Já em março de 2021, após a deportação de seis venezuelanos e a invasão de policiais em um local de acolhimento em Roraima, uma liminar também garantiu o direito destas pessoas a permanecerem no Brasil. Contudo, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região atendeu liminarmente ao pedido da União para suspender estas decisões, que seguem aguardando julgamento colegiado. O governo também pode recorrer da sentença desta semana. 

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