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23/04/2015

Fim da Revista Vexatória: Um ano de mobilização

Mapa aponta cenário na luta contra a prática no Brasil



Com o argumento de impedir a entrada de drogas, armas e celulares nas prisões, autoridades políticas têm perpetuado uma prática tão violenta como ineficiente e perversa: a revista vexatória.

No período de um ano, essa prática ilegal passou a ser conhecida do público brasileiro e discutida por autoridades nos três Poderes. A boa notícia: o País vem registrando avanços para erradicá-la.

A inspeção que envolve desnudamento, agachamento sobre espelho e até toque por agentes do Estado nos genitais de familiares visitantes de presos no Brasil, ficou internacionalmente conhecida a partir do lançamento da campanha  “Pelo Fim da Revista Vexatória”, da Rede Justiça Criminal e Pastoral Carcerária Nacional em 23 de abril de 2014.

Desde então foram registrados mais de 6 mil acessos ao site pelofimdarevistavexatoria.org, recolhidas 3,5 mil assinaturas pedindo a aprovação de projeto de lei federal que acaba com a prática. A divulgação do tema pela mídia foi acompanhada de debates públicos e exposições.


Mapa da revista vexatória lançado hoje apresenta estado da arte sobre o tema no Brasil.


No último ano, o projeto de lei federal que prevê a proibição das revistas vexatórias em todas as unidades prisionais do País foi aprovado por unanimidade no Senado e na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. O texto, que agora tramita como PL 7764/2014, está a poucos passos de se tornar realidade. Ele precisa, contudo, ser aprovado pelas Comissões de Segurança Pública e Constituição e Justiça da Câmara e sancionado pela presidente Dilma Rousseff.

“A revista vexatória deve acabar. Essa é uma prática que viola um dos princípios mais caros à República: a dignidade humana”, explica Juana Kweitel, diretora de Programas da Conectas. “O mapa da revista vexatória demonstra que autoridades públicas têm se conscientizado desse fato e tomado medidas nesse sentido. Mas, é claro, ainda é preciso avançar para que a abolição dessa prática humilhante seja uma realidade nacional”, completa.

Pesquisa realizada pela Rede Justiça Criminal, baseada em documentos oficiais fornecidos pela Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, constatou que apenas 0,03% dos visitantes carregam itens considerados proibidos. Significa dizer que de cada 10 mil procedimentos vexatórios, em apenas três são encontrados objetos proibidos. Segundo o levantamento, em nenhum dos casos houve apreensão de armas.

No último ano, algumas normas locais pretenderam proibir a prática da revista vexatória, como é o caso da Portaria 007/2014, de Manaus. Sua implementação foi sustentada pelos dados do estudo.

Conforme aponta o mapa da revista vexatória, a prática considerada trato cruel, desumano e degradante pela ONU está legalmente proibida em ao menos sete estados brasileiros. “Importante ressaltar que, apesar do avanço que essas normas locais representam, a revista vexatória sempre foi um procedimento ilegal sob a ótica constitucional por sua natureza bárbara e indigna”, afirma Paulo Cesar Malvezzi, coordenador jurídico da Pastoral Carcerária Nacional.


A atriz Denise Fraga lê testemunho de vítima da revista vexatória. O vídeo faz parte da campanha nacional pelo fim do procedimento. Veja todas as peças aqui.


Além das vedações estatais, o mapa contabiliza pelo menos mais três normas vinculantes (leis, portarias, instruções normativas ou decisões judiciais) que proíbem a revista vexatória em municípios pertencentes a estados que ainda não possuem legislação própria sobre o tema. Também foi registrada pelo menos uma proibição em unidade prisional específica. “Essa proliferação de normativas demonstra que o fim da revista vexatória está no caminho de se tornar realidade no País”, conclui Natália Damázio, advogada da Justiça Global.

Apesar dos avanços, no entanto, recentes acontecimentos mostram que a luta continua. No estado do Rio de Janeiro, onde desde 2009 vigora resolução que regulamenta o procedimento de revista, um projeto de lei que proibiria a prática de fato foi aprovado pela Assembleia Legislativa, mas vetado pelo governador Fernando Pezão. “Este revés no Rio de Janeiro apenas reforça a importância da aprovação do projeto de lei federal para que a prática seja abolida em todo território nacional. De qualquer modo, esperamos que os deputados fluminenses derrubem o veto do governador”, completa Raphaela Lopes, advogada do DDH (Instituto de Defensores de Direitos Humanos).

O caso paulista merece destaque nesse cenário.  Uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Geraldo Alckmin  em agosto de 2014 vem sendo francamente ignorada, impedindo a mudança na rotina de inspeções dos familiares nos presídios. O estado que concentra a maior população carcerária do Brasil (cerca de 200 mil presos) ainda continua realizando o procedimento que violenta centenas de milhares de pessoas todos os fins de semana.

“O que existe hoje é uma grande conivência do estado, que tolera uma prática que, além de inconstitucional, também é comprovadamente inócua. A pergunta final é: quem ganha com a continuidade das revistas vexatórias?”, destaca Gabriela Ferraz, coordenadora de advocacy do ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania).
Nesse sentido, as instituições públicas – especialmente os Ministérios Público e as Defensorias Públicas –, as organizações da sociedade civil e os próprios familiares de presos têm papel fundamental no monitoramento da aplicação das normas, na fiscalização da situação nos presídios e na denúncia de violações.

 


O mapa da revista vexatória foi produzido pela Conectas a partir de informações recebidas de parceiros, imprensa, familiares de presos e de suas próprias visitas de inspeção no sistema prisional. A coleta de informações foi seguida de checagem junto aos órgãos públicos responsáveis sobre a vigência das normas mencionadas.

Sua última atualização, em 23 de abril de 2015, contabiliza 24 leis, projetos de leis, portarias, decisões judiciais, entre outras normas, que tratam do tema em todo o Brasil.

Destas, 10 correspondem a proibições absolutas do procedimento que expressamente vedam a nudez total ou parcial e exames genitais, toque ou utilização de espelhos ou outros objetos e não preveem nenhum tipo de exceção.

As demais 14 fazem referência a proibições com exceções ou a regulamentação do procedimento.

O mapa é uma ferramenta em construção permanente e será atualizada na medida em que novas informações chegarem a nosso conhecimento.

 

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