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22/12/2021

Cúpula pela Democracia: 9 compromissos assumidos pelo Brasil que exigem uma mudança na postura de Bolsonaro

Para a comunidade internacional, governo federal, mais uma vez, distorce a realidade e mostra um Brasil supostamente defensor da democracia e dos direitos humanos

Discurso presidencial e compromissos assumidos pelo governo na Cúpula pela Democracia apresentam um Brasil supostamente defensor dos direitos humanos. Foto: Reprodução/TV Brasil Discurso presidencial e compromissos assumidos pelo governo na Cúpula pela Democracia apresentam um Brasil supostamente defensor dos direitos humanos. Foto: Reprodução/TV Brasil

A Cúpula Internacional pela Democracia reuniu, de forma virtual no início deste mês, membros da sociedade civil, jornalistas, empresários e mais de cem governantes, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, que em seu discurso afirmou defender e promover os direitos humanos e a democracia no Brasil. 

A posição de Bolsonaro no evento promovido pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, deu base ao documento “Compromissos Voluntários” do governo Brasil, que reúne os compromissos comuns que os países assumiram depois da Cúpula.

Compreendendo o âmbito doméstico e internacional, a carta brasileira é composta por 18 compromissos nas áreas de Fortalecimento da Democracia, Avanço nos Direitos Humanos e Combate à Corrupção. O documento, no entanto, cita ações e assume compromissos bem distantes daquilo que se observou durante o mandato de Bolsonaro. 

“O documento apresenta dois grandes problemas: o primeiro é uma espécie de deturpação dos conceitos que sustentam os direitos humanos. Por exemplo, o governo federal valoriza em seus compromissos o trabalho do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, considerado um instrumento importante de efetivação de direitos. Mas, na prática, o ministério tem atuado fortemente contra os direitos sexuais e reprodutivos, esvaziado mecanismos de combate à tortura, entre outras questões”, diz Gustavo Huppes, assessor de advocacy internacional da Conectas. “O segundo grande problema é a defesa da democracia por um governo notoriamente autoritário, com ações e sinais que mostram como a democracia está sob ataque”. 

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Ainda de acordo com Huppes, a postura autoritária do governo brasileiro já é conhecida no cenário internacional. “Para cumprir os compromissos assumidos na cúpula, Bolsonaro  terá que realizar uma inflexão total em suas ações no próximo ano, o que não parece se sustentar com base no histórico de seu governo”. 

A Conectas comenta 9 compromissos assumidos pelo Brasil na Cúpula pela Democracia. Veja:  

Compromisso: Garantir eleições livres e justas

Realidade: O presidente Bolsonaro e seus aliados intensificaram neste ano uma campanha contra a urna eletrônica, alegando possibilidade de fraudes e gerando dúvidas sobre a lisura do sistema eleitoral brasileiro. Em uma transmissão pela internet, o presidente apresentou várias notícias falsas e descontextualizadas para “provar” as possibilidades em fraudar as urnas brasileiras. Ainda que não tenha conseguido, gerou instabilidade e incentivou seus apoiadores a atacar, mais uma vez, outras autoridades, entre elas, os ministros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), responsáveis por organizar e fiscalizar as eleições.

Compromisso: Engajar-se em iniciativas, nos níveis regional e internacional, visando a promover globalmente o respeito ao Estado de Direito e aos princípios democráticos

Realidade: De ataques à imprensa a discursos de raiz golpista, as ofensivas anti-democráticas lideradas por Jair Bolsonaro são quase diárias e teve seu ápice na convocação de sua base de apoiadores para os atos para o 7 de setembro, Dia da Independência do Brasil, com mensagens de ameaça ao STF. A participação social, essencial no Estado de Direito, também foi alvo do governo desde seu início, em 2019. Decretos, medidas provisórias, portarias ou licitações tentaram barrar, espionar ou aniquilar a sociedade civil. O uso da extinta Lei de Segurança Nacional para perseguir opositores e as tentativas de contratar um sistema de espionagem utilizado por governos autoritários para invadir celulares de opositores dão conta de explicar como Bolsonaro não tem compromisso com os valores democráticos.  

Compromisso: Continuar a proteger o direito à vida, à liberdade e à segurança individual

Realidade: A pandemia de covid-19 é um grande exemplo de como o governo federal não tem compromisso com o direito à vida dos brasileiros. Como demonstrou a CPI da Covid no Senado – com base em documentos, testemunhas e estudos – Bolsonaro, ministros e aliados barraram sistematicamente ações para conter a disseminação do vírus, defendendo a chamada imunidade coletiva e o tratamento com medicamentos ineficazes para a covid. 

Neste compromisso assumido, é citada a defesa da vida do nascituro, que em outras palavras, significa atacar os direitos sexuais e reprodutivos, incluindo aqueles já garantidos na legislação. Além disso, o que está por trás do direito à liberdade e segurança individual é uma política de ampliação do acesso a armas de fogo, apesar dos altos índices de violência armada no país, que afetam, especialmente, jovens negros e pobres. 

Compromisso: Proteger os direitos dos povos indígenas, em consonância com os compromissos internacionais do Brasil

Realidade: Os ataques aos direitos dos povos indígenas faz parte da administração federal. Bolsonaro, por exemplo, já manifestou sua posição favorável à tese do marco temporal, que ignora as violações históricas sofridas pelos povos indígenas no acesso aos seus territórios. Soma-se a isso o descaso com estes povos durante a pandemia de covid-19, tema que foi parar no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma ação obrigando o governo federal a prestar assistência a comunidades indígenas durante a crise sanitária. 

Além disso, a base governista no Congresso Nacional está apoiando projetos de leis com viés de destruição ambiental e sem compromissos com as mudanças climáticas, tentando, assim, abrir brechas para a redução de áreas protegidas e expansão do garimpo e da agropecuária ilegais, atividades que prejudicam os povos indígenas. 

Compromisso: Redobrar esforços para combater o racismo, a discriminação, a xenofobia e formas correlatas de intolerância, incluindo o antissemitismo

Realidade: Ainda que o governo fale em “redobrar esforços” no combate ao racismo, ações federais de impacto neste tema não são conhecidas. Pelo contrário, a ocupação da Fundação Palmares por Sérgio Camargo, que ataca os principais símbolos da cultura negra no Brasil, é um exemplo da falta de compromisso com a pauta antirracista. Ainda mais problemática é a inércia federal diante da violência e outros dramas sociais que afetam diretamente a população negra e pobre, como o desemprego, a fome, a torutra e o trabalho análogo ao escravo. 

Com a desculpa de controlar a pandemia, o governo federal emitiu diversas portarias proibindo a entrada de pessoas refugiadas e migrantes, especialmente venezuelanos e outros grupos que entram pelas fronteiras terrestres. Enquanto isso, turistas seguiam entrando pelos aeroportos. As medidas injustificáveis e discriminatórias contradizem recomendações de especialistas em saúde e direitos humanos, que mostram ser possível receber as pessoas adotando protocolos sanitários, deixando evidente que o combate à xenofobia também não é uma de suas prioridades. 

Compromisso: Adotar e implementar medidas para fortalecer e proteger as famílias

Realidade: Constantemente, Bolsonaro ignora as diversas composições familiares da sociedade brasileira para valorizar uma suposta família tradicional. O presidente se esquece, no entanto, que milhões de lares brasileiros são formados, por exemplo, por mães solos e por famílias LGBTQIA+. Falas que valorizam uma suposta família tradicional servem apenas para estimular a violência contra grupos minoritários, o que se torna ainda mais grave em um governo que não realiza políticas públicas para proteger tais minorias. 

Compromisso: Tomar medidas de promoção da transparência, responsabilidade e acesso a informações públicas

Realidade: Os mecanismos de acesso à informações públicas também foram alvo do governo Bolsonaro. Em março de 2020, por meio da Medida Provisória 928, que apresentava medidas para o enfrentamento da pandemia de covid-19, incluía um artigo que, na prática, suspendia o atendimento a pedidos de acesso à informação, interferindo, assim, no pleno funcionamento da LAI (Lei de Acesso à Informação), em vigor desde 2012. Em abril de 2020, partidos políticos e OAB pediram ao Supremo Tribunal Federal a derrubada da MP. Os peticionários foram atendidos pelos ministros do Supremo, que consideraram, por unanimidade, o caráter inconstitucional da medida violadora da LAI.  O Congresso, por sua vez, não analisou a MP dentro do prazo de 120 dias, como determina a legislação, e, com isso, o texto perdeu a efetividade. 

Compromisso: Garantir o direito à liberdade de reunião pacífica e associação, como parte integrante do engajamento público na vida democrática

Realidade: Apresentado pelo deputado bolsonarista Victor Hugo (PSL/GO), o projeto de lei 1595/2019, que dispõe sobre “ações contraterroristas” e em tramitação na Câmara, mostra como Bolsonaro e seus aliados não querem garantir a liberdade de reunião pacífica e associação. O texto prevê, entre outras coisas, a criação de uma “polícia política” sob comando direto do presidente da República, abre brecha para criminalizar protestos e torna crime “atos preparatórios”, ou seja, cria formas de intervenção policial sem ter a concretude do ato e, sendo assim, meras intenções poderão se tornar crimes. 

Compromisso: Tomar medidas adicionais para garantir e promover os direitos humanos das mulheres 

A forte atuação do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos para retroceder na agenda de gênero e dos direitos sexuais e reprodutivos demonstram a falta de compromisso do governo federal com os direitos humanos das mulheres. Na política externa, a pasta vem encampando uma espécie de paradiplomacia da defesa dessa agenda conservadora, tentando trazer uma liderança para o Brasil nesse campo, como mostra o relatório “Ofensivas antigênero no Brasil: políticas de Estado, legislação, mobilização social”, elaborado com apoio da Conectas. É dentro deste contexto que o documento do Brasil na Cúpula pela Democracia cita a defesa da vida do nascituro, quando fala em defesa da vida. 

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