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12/08/2013

Veja as recomendações enviadas ao Brasil e órgãos internacionais sobre a crise

Federalização da administração do campo de Brasiléia, envio de relatores da ONU e ação imediata da OEA estão entre as providências sugeridas pela Conectas



A crise instalada na pequena cidade de Brasiléia é grande demais para permanecer sob responsabilidade de um governo local. Nem a presença do governo do Estado ameniza a situação. Em abril, o Governo Federal enviou uma força tarefa e realizou os últimos melhoramentos. De lá para cá, a população do campo de haitianos em Brasiléia explodiu, as saídas diminuíram, a pouca estrutura se perdeu e a situação fugiu de controle.

Conectas também tem manifestado sua preocupação sobre aspectos legais da crise. Em janeiro de 2012, o Brasil anunciou que negaria o “estatuto de refugiado” a todos os cidadãos haitianos que o solicitassem. Em lugar disso, lançou o chamado “visto humanitário”. Pelas informações colhidas pela Conectas, a obtenção deste visto não é fácil. E os entraves para conseguir esse benefício não condizem com um política que se apresenta como “humanitária”.

Na semana passada, estas e outras observações foram feitas oralmente por representantes da organização em reuniões com autoridades do governo estadual, membros do Ministério Público Federal e representantes de ONGs, em Brasiléia e em Rio Branco. A Conectas também enviou uma carta ao governo federal com recomendações em relação à crise vivida pelos haitianos em Brasiléia. Além disso, fez também um Apelo Urgente ao relator especial da ONU sobre os direitos humanos dos migrantes, François Crépeau, e ao especialista independente para os direitos humanos no Haiti, Gustavo Gallón (Apelo Urgente em português e espanhol).

No dia 23/08, Conectas enviou uma extensa documentação à Organização dos Estados Americanos (OEA), juntamente com Missão Paz. Os documentos – carta e formulário – estão disponíveis apenas em espanhol.

Veja os principais pontos:

Recomendações ao Brasil
1. Sobre o visto humanitário: Estabelecer, de fato, um política humanitária de concessão de vistos aos haitianos, considerando que eles são vítimas da violência interna que motivou o engajamento de tropas brasileiras no Haiti, além de vítimas das seguidas catástrofes naturais que assolaram o país, cuja última foi um dos mais devastadores terremotos da história, que deixou mais de 220 mil mortos. Para que a política brasileira de concessão de vistos seja efetivamente humanitária, o Governo deve:

– Esclarecer e anunciar publicamente os critérios para concessão e negação do visto na Embaixada do Brasil em Porto Príncipe, assim como em outras representações diplomáticas brasileiras pelo mundo, especialmente as que estão na rota de viagem dos haitianos até o Brasil. Isso passa por difusão de informação nos meios que efetivamente chegam aos haitianos, em linguagem adequada ao contexto e no idioma correspondente.

– Tomar as medidas necessárias para que os haitianos que buscam o visto humanitário em Porto Príncipe ou demais representações diplomáticas brasileiras não se percam no emaranhado de informações obscuras e desencontradas e nos inúmeros intermediários autonomeados, que compõem uma teia burocrática instransponível, como mostram os relatos colhidos pela Conectas. Empreender esforços para que o contato entre os solicitantes e as autoridades brasileiras seja o mais desimpedido e transparente possível.

– Realize as gestões bilaterais necessárias para que os governo da Bolívia, Equador e Peru, assegurem as condições indispensáveis de segurança e de estrito respeito aos direitos humanos dos haitianos que realizam esta rota como meio de passagem pelos países fronteiriços com o Brasil. Nenhuma ação humanitária em relação aos haitianos será exitosa em território brasileiro se todo o caminho até aqui é repleto de violações.

2. Sobre o campo em Brasiléia:

Deixar de tratar o campo dos haitianos em Brasiléia como uma instalação provisória de trânsito de imigrantes, passando a destinar ao local a logística, os recursos e os funcionários habilitados e em quantidade suficiente para gerir um campo onde se desenrolam todos os problemas próprios de um campo de refugiados, ainda que o governo use outra terminologia. Realizar imediatamente melhorias na infra estrutura do campo, como:

– Ampliação da capacidade do campo, realização de testes frequentes na potabilidade da água consumida, adaptação da dieta em função dos hábitos, cultura e do clima do local, drenagem da área alagada entre as latrinas e os chuveiros, reparos na rede de esgoto do campo, distribuição regular de materiais de higiene pessoal, disseminação de hábitos de higiene e saúde, melhoria nos leitos ocupados pelos haitianos para dormir, bem como no sistema de ventilação, reparos no assoalho de madeira por onde se acumulam restos de alimentos favorecendo a proliferação de moscas e outros animais, orientação clara por meio de distribuição de senhas e senhalética apropriada nos locais de aglomeração e fila, indicação de local apropriado para guarda de bens pessoais e emprego de tradutores capacitados no campo e no serviço de saúde, além de tomar todas as atitudes já sugeridas pelo Ministério Público Federal.

3. Sobre ‘federalização’ da crise no campo em Brasiléia: a dimensão da crise deixa claro que a gestão do campo e a condução das políticas voltadas aos haitianos não deve recair sobre o governo municipal de Brasiléia ou estadual do Acre. Assim, o governo federal deve:

– Retomar o repasse de orçamento para atender de forma adequada as necessidades do campo e designar uma coordenação com experiência em situações de crise humanitária para gerir o campo em Brasiléia.

4. Sobre precariedade da política nacional para migrações: o improviso como o Brasil tem recebido os haitianos e as consequentes falhas observadas na missão da Conectas ao Acre são um indicativo de que a questão migratória carece de tratamento adequado no País. É urgente que o governo brasileiro:

– Ratifique com hierarquia constitucional (Art. 5º, parágrafo III da Constituição Federal), a Convenção das Nações Unidas sobre Diretos dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias.

– Aprove uma política migratória nacional baseada na gramática dos direitos humano, sobretudo na Convenção das Nações Unidas sobre Direitos dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias.

Recomendações no âmbito da OEA
Realização de uma audiência temática na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) para tratar da situação do campo de Brasiléia, da concessão do “visto humanitário” pelo Brasil e da responsabilidade regional por esta crise que envolve, no mínimo, cinco países: Brasil, Haiti, Bolívia, Equador e Peru.

Recomendações no âmbito da ONU
Envio dos relatores independentes para o Haiti e para Migrantes para Brasiléia e demais locais notoriamente parte da rota de migração haitiana na América do Sul, com a intuito de levantar informações in loco e questionar os países da região sobre a gestão da crise. Entender a crise em Brasiléia como um reflexo direto da situação humanitária no Haiti e empreender os esforços necessários para que a mesma abordagem – do ponto de vista humanitário – seja aplicada no Acre.


Nos dias que se seguiram à visita, Conectas trocou correspondências com o Governo do Estado do Acre. De maneira a garantir a transparência, a organização publica abaixo as missivas:

Ofício do Governo do Estado do Acre, de 19 de agosto

Segundo Ofício do Estado do Acre, de 19 de agosto

Documento do Estado do Acre sobre migração ilegal

Resposta da Conectas, de 21 de agosto


Brasil esconde emergência humanitária no Acre

Campo de ‘refugiados’ abriga mais de 800 haitianos em condições desumanas. Para Conectas, Brasil maquia crise internacional e deve articular solução urgente no âmbito da ONU e da OEA

Conectas recolhe 20 depoimentos em Brasiléia

Vivendo em condições insalubres, eles relatam a tortuosa viagem do Haiti ao Brasil, passando por extorsões, prisões e roubos de dinheiro e documentos, até desembarcarem num campo superlotado no Acre

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