Voltar
-
31/03/2015

Termina a 28ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU

Embora tenha liderado importantes iniciativas sobre drogas e privacidade, abstenções do Brasil em resoluções sobre Síria e Irã preocupam

Brazil sponsored the resolution that determines the participation of human rights bodies in the drug debate in 2016 Brazil sponsored the resolution that determines the participation of human rights bodies in the drug debate in 2016

A atuação do Brasil na 28ª sessão do CDH (Conselho de Direitos Humanos) da ONU, concluída nesta sexta-feira (27) em Genebra, mostra como o País ainda oscila entre capacidade de liderança na agenda global de direitos humanos e posicionamentos que suscitam dúvidas sobre o comprometimento da política externa brasileira com o tema.

O Brasil foi um dos patrocinadores de resolução que determinou que instâncias de direitos humanos devem participar ativamente de debate global sobre drogas previsto para 2016. Esta posição era defendida por diversas entidades da sociedade civil que consideram a Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU (UNGASS, na sigla em inglês) sobre o problema mundial das drogas, no próximo ano, fundamental para mudar a forma como vários países lidam com a questão.

“A resolução é um passo importante na preparação para a UNGASS 2016, sessão que tem a oportunidade de levar à adoção de um modelo global melhor para a questão das drogas. O atual é insustentável por ser perverso, ineficiente e prejudicial às sociedades sob inúmeros aspectos”, afirma Rafael Custódio, coordenador de Justiça da Conectas. “No Brasil, por exemplo, essa política de drogas proibicionista funciona como um instrumento de criminalização da pobreza, levando ao encarceramento em massa dos mais vulneráveis, sem representar solução alguma para o problema”, completa.

Também sob liderança positiva do Brasil, foi aprovada por consenso uma resolução que prevê a criação da Relatoria Especial sobre Direito à Privacidade, que deverá monitorar, investigar e relatar tópicos sobre privacidade e violações desse direito em todo o mundo, incluindo os desafios trazidos pela era digital e novas tecnologias. Essa iniciativa é o desenvolvimento mais recente de um movimento internacional de debate sobre o tema, iniciada com as revelações de Edward Snowden sobre as atividades de vigilância em massa da Agência Nacional de Segurança norte-americana.

“Essas relevantes contribuições do Brasil, no entanto, contrastam com posições não condizentes com um País cuja Constituição determina que deve haver prevalência dos direitos humanos na condução de sua política externa”, diz Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas, ao avaliar a participação brasileira. “Graves violações no Brasil foram denunciadas na ONU durante a sessão do CDH e o silêncio que se seguiu por parte do governo brasileiro é preocupante”, completa Camila.

Baseada em estudo lançado recentemente, Conectas pronunciou-se na plenária da ONU que, entre os casos analisados, agentes públicos são menos responsabilizados por cometerem tortura do que agentes privados e que a tortura ainda é uma prática comum como método de investigação policial. Ainda, Conectas e Aliança pela Água denunciaram que a crise hídrica de São Paulo é consequência de décadas de políticas equivocadas na gestão e conservação da água, prejudicando a plena garantia do direito à água da população da região.

Com relação ao trabalho escravo, foi denunciada uma decisão liminar do Supremo Tribunal Federal, um verdadeiro retrocesso, que suspendeu a chamada “lista suja”. O documento impedia a concessão de crédito ou subsídio público a empresas flagradas utilizando mão de obra escrava. “Espera-se que o País seja mais construtivo diante de denúncias levadas aos mecanismos internacionais e que não só se comprometa internacionalmente com o fim dessas violações, mas que busque implementar medidas concretas no plano nacional”, avalia Asano.

As abstenções do Brasil nas votações de resoluções que versam sobre a situação de direitos humanos no Irã e na Síria também são motivo de preocupação.

Veja as justificativas do Brasil para as abstenções

No caso da Síria, o governo brasileiro optou por não apoiar texto que renovou o mandado da Comissão de Inquérito do Conselho de Direitos Humanos, presidida pelo brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro e que tem sido fundamental para documentar as violações dos direitos humanos e direito internacional humanitário que ocorrem no país desde o início do conflito.

Após apoiar por quatro anos consecutivos a adoção de resolução do Conselho de Direitos Humanos sobre direitos humanos no Irã, o Brasil absteve-se em votação realizada nesta sexta, 27. Um dos objetivos da resolução é renovar o mandato do relator especial para o Irã, um importante instrumento para monitorar o que de fato acontece no país.

“O texto adotado é similar aos anteriores que contaram com apoio brasileiro, sendo que o quadro de violações no Irã não apresentou avanços significativos que justificam essa mudança de posição brasileira”, critica Camila.

“A situação de direitos humanos no Irã permanece em estado crítico e a votação hoje em Genebra reafirmou esta situação terrível. No entanto, a abstenção do Brasil foi bastante decepcionante. O governo iraniano não tem promovido melhorias suficientes nem tem cooperado com o Conselho de Direitos Humanos. A decisão do governo brasileiro de abster-se não é justificável tendo em vista a situação no terreno no Irã”, diz Hadi Ghaemi, Diretor Executivo da entidade Campanha Internacional pelos Direitos Humanos no Irã (ICHRI, na sigla em inglês).

Para Mani Mostofi, diretor da ONG Impact Iran, “o Brasil tem sido voz destacada no Conselho de Direitos Humanos e, portanto, é decepcionante vê-lo em silêncio diante das graves violações verificadas no Irã. A explicação de voto do Brasil também foi bastante confusa. O Brasil reconheceu que a situação dos direitos humanos continua ruim. Então por que a mudança do voto? Um dos motivos alegados foi a cooperação do Irã com a Revisão Periódica Universal (UPR, na sigla inglesa). O Irã, porém, apenas ‘aceitou parcialmente’ as três recomendações feitas pelo Brasil, não oferecendo qualquer indicação real sobre quais aspectos estava de acordo e quais não estava. Adicionalmente, o governo brasileiro sabe absolutamente que nenhuma de suas recomendações feitas na UPR passada foram implementadas no Irã. O fato é que as Nações Unidas precisam de olhos adicionais para monitorar se a UPR do Irã ocasiona melhorias reais de direitos humanos. Esses olhos pertencem ao Relator Especial”.

A abstenção brasileira também gerou críticas de Shirin Ebadi, iraniana vencedora do Prêmio Nobel da Paz. Ebadi diz estar muito feliz de ver que o mandato para o Irã foi renovado pelo Conselho de Direitos Humanos. “Isso mostra que a comunidade internacional reconhece que, basicamente, não houve melhora real na situação do país e é preciso constante atenção. Ainda assim, muitos defensores iranianos de direitos humanos e eu estamos surpresos com a abstenção do Brasil e a postura de silêncio sobre o tema, especialmente quando o Irã ainda mantém centenas de prisioneiros de consciência atrás das grades, minorias religiosas enfrentam sistemática perseguição, sindicatos são suprimidos, além das autoridades estarem preparando a ampliação de leis discriminatória de mulheres. Onde estava a forte liderança que a Presidenta Dilma mostrou no passado?”, questiona.

A Nobel da Paz conclui dizendo que “esperamos que Dilma, como Presidenta, preste atenção à situação de discriminação contra as mulheres no Irã e fique ciente que, neste país, de acordo com as leis, um homem pode ter quatro esposas, o testemunho judicial de duas mulheres equivalem ao testemunho de um homem e, se uma mulher insistir em ir ao ginásio assistir a um jogo de vôlei, como foi o caso de Ghonchen Ghavami, elas poderão ser presas e multadas”

Para Camila Asano, “a justificativa dada pelo Brasil para explicar sua abstenção em Genebra não é suficiente”. “Uma mudança de voto como essa deveria ser embasada em mudanças práticas já ocorridas que aliviem o sofrimento das vítimas das violações no Irã, e não apenas palavras e promessas.  A liderança do Brasil na agenda internacional de direitos humanos depende de posições consistentes e que não levantem dúvidas sobre o papel que os direitos humanos ocupam em sua política externa”, finaliza.

Outros destaques

Esta foi a primeira sessão do CDH desde a revelação das violações contidas no estudo feito pelo Senado americano a respeito das técnicas de interrogatório usadas pela CIA (Agência de Inteligência dos EUA) durante a “Guerra ao Terror”. No dia 17 de março, entidades de vários países pediram que o CDH discuta o tema, além de reforçar que o relatório deve ser publicado na íntegra e os responsáveis, levados à Justiça.

Nessa sessão foi escolhido o novo membro latino-americano do Grupo de Trabalho sobre Empresas e Direitos Humanos. Conectas e organizações parceiras enviaram carta com critérios para essa seleção para fortalecer a independência, a imparcialidade e a legitimidade do Grupo de Trabalho. Ainda, enviaram quatro perguntas aos candidatos sobre possíveis conflito de interesses, seus pontos de vista sobre o campo e medidas para melhorar o trabalho do Grupo de Trabalho.

Apesar da iminência da execução de mais um brasileiro na Indonésia ocupar espaço importante na agenda externa brasileira desde o início do ano e de ter gerado tensões diplomáticas entre os dois países, o caso não mereceu nenhuma linha no discurso feito pela embaixadora brasileira no dia 4/3. O pronunciamento foi feito durante painel sobre a pena de morte.

Conectas ainda assinou carta pedindo o estabelecimento de um mecanismo de investigação independente para analisar as graves e sistemáticas violações de direitos humanos na Líbia.

Informe-se

Receba por e-mail as atualizações da Conectas