Voltar
-
19/02/2013

Segurança: o fracasso da linha-dura e a alternativa cidadã

Revista Sur traz críticas ao endurecimento penal e propõe novos modelos de combate à violência na América Latina

Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo visita novas instalações da Penitenciária Lemos de Brito

Na foto:

Autora: Carol Garcia / AGECOM Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo visita novas instalações da Penitenciária Lemos de Brito Na foto: Autora: Carol Garcia / AGECOM

As cidades latino-americanas testemunham um aumento da população carcerária e o endurecimento da legislação penal. Ao mesmo tempo, a criminalidade continua elevada e a sensação de insegurança permanece. A Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos, publicada pela Conectas em três línguas com contribuições de 36 países, discute em sua 16ª edição alternativas para o impasse e experiências bem sucedidas de segurança pública na América Latina.

As contradições do sistema penitenciário acompanham um aumento da insegurança e do crime nas últimas décadas . Mas as políticas de endurecimento penal em vigor têm se mostrado fracassadas, estimulando um ciclo complexo de violência. Para Gino Costa, presidente da organização Ciudad Nuestra, consultor em segurança pública, ex-ministro do Interior (2002-2003) e colaborador da Revista Sur, o sentimento de insegurança afeta o comportamento cidadão e promove a desconfiança do sistema político democrático. No contexto da América Latina, onde a confiança nas polícias e no Poder Judiciário já é baixa, a percepção de vulnerabilidade à violência mina a tolerância à diferença e o respeito aos direitos humanos. Assim, contribui para a adoção de esquemas penais fortemente repressivos “para exigir das autoridades resultados a qualquer custo, mesmo que isso se traduza em restrição de direitos, aumento de atribuições policiais e, inclusive, violações aos direitos humanos”.

Em artigo publicado na Sur, Gino Costa chama de populismo penal um discurso duro e emotivo contra o crime, que propõe a resolução rápida do problema por meio de penas rigorosas, da criminalização de novos comportamentos e do aumento da população carcerária. De acordo com o autor, o discurso populista tem função política e retorno eleitoral, por responder aos anseios imediatos das vítimas entre a população. No entanto, o autor alerta para as consequências de um sistema prioritariamente punitivo: “À medida que punir o infrator passa a ser o principal objetivo da política de segurança, o populismo penal geralmente é acompanhado por um desdém pela prevenção da violência e do crime e pela reabilitação e reinserção social”.

Outra análise elaborada pelo Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) da Argentina, publicada na mesma edição da Sur, indica que políticas linha-dura não reduziram o crime, mas aumentaram a violência e, em alguns casos, chegaram a ameaçar a governabilidade democrática. Segundo a organização argentina, “os aspectos recorrentes destas políticas linhas-duras incluem delegação do controle sobre a segurança à polícia, aumento das penas, enfraquecimento das garantias legais e políticas de encarceramento em massa com base no amplo uso da prisão preventiva. Os reiterados fracassos dessas políticas têm sido utilizados como justificativa para insistir nas mesmas receitas, em um ciclo irresponsável pelos resultados que geram”.

No Brasil, Conectas apoiou em dezembro de 2012 uma moção de repúdio à criação de novas vagas no sistema prisional, superlotado devido às políticas de encarceramento em massa adotadas pelo Estado. A organização denuncia uma política de fracasso e propõe dez medidas como caminhos alternativos à atual política carcerária nacional. “Os planos do governo não devem ser motivados por reflexos imediatos de medo ou por questões eleitorais de curto prazo. Na última década, o número de presos dobrou e cresceu cerca de quatro vezes mais do que a população do país. Devemos questionar essa política de endurecimento e seus resultados”, afirma Lucia Nader, diretora-executiva da Conectas.

O nó da segurança pública no Brasil reproduz questões presentes em toda América Latina. No entanto, experiências bem sucedidas em países vizinhos têm apontado alternativas para os problemas do sistema de segurança e encarceramento no país.

Polícias sob observação da sociedade civil

Nos últimos dez anos, novas experiências em segurança pública puseram à prova modelos tradicionais vigentes na Argentina. A criação do Acordo em Segurança Democrática (ASD), em dezembro de 2009, marcou o início de esforços em prol de um novo paradigma. A aliança formada por atores políticos e sociais para a solução de problemas de segurança propõe uma polícia profissional, bem remunerada e eficaz na prevenção, uma justiça penal eficiente nos julgamentos, e um sistema penitenciário que assegure condições dignas de encarceramento, com objetivos de ressocialização.

Em 2010, o Acordo recomendou a criação do Ministério de Segurança da Nação, que deu início a uma reforma no sistema de segurança pública argentino, principalmente no que diz respeito à relação entre governo, população e polícia, resgatando dos órgãos policiais o controle civil e governamental da segurança.

O passo seguinte foi a criação de um sistema de participação cidadã em 2011 na cidade autônoma de Buenos Aires, por meio do Plano Nacional de Participação Comunitária em Segurança (PNPCS). Manuel Trufó, pesquisador na Universidade de Buenos Aires e colaborador da 16a edição da Sur, descreve o plano como uma instância de gestão de informação e aplicação de práticas de prevenção, além de um veículo de difusão da “segurança democrática”, em oposição a noções de cunho repressivo, centradas em soluções penais e na criminalização da pobreza.

Dentre os dispositivos de participação está a criação de mesas de bairro, espaços voltados à interação de organizações e entidades não governamentais, coordenadas por funcionários do Ministério, para a criação de planos locais de segurança, prevenção e integração comunitária. Outro dispositivo são as escolas de participação comunitária em segurança, que promovem debates em torno do modelo geral de segurança e outros temas como questões de gênero e direitos humanos.

Apesar da resistência verificada tanto por parte das forças policiais como por alguns setores da sociedade, Trufó avalia positivamente as medidas alternativas de segurança e a sua capacidade de expansão: “a recuperação da participação cidadã aparece neste contexto não somente como uma técnica de governo que aponta para a retomada do controle civil sobre as forças de segurança, mas como o início de um processo de mudança cultural a médio e longo prazo, o qual exigirá obviamente a renovação permanente do apoio político para sustentar os processos participativos até poder instituí-los como política de Estado.”


+ Trechos

Gino Costa

“Os sistemas penitenciários da América são bastante diferentes, mas compartilham a orientação à punição, e não à reabilitação e reinserção social, as más condições de detenção, as altas taxas de consumo de drogas ilícitas entre a população carcerária, a inadequada política de classificação dos detentos e a violência dentro das prisões. Se a isso for adicionada a precariedade e a corrupção dos serviços penitenciários, teremos um quadro perigoso de desgoverno (…)”

Manuel Trufó

“Amplia-se o alcance da concepção de “segurança” e já não se fala simplesmente de prevenção do delito, mas de “prevenção comunitária da violência”. Isso implica a inclusão de outras formas de conflito além do delito, a ênfase nas estratégias multiagenciais e a integração por meio de recursos econômicos, mas também simbólicos e identitários, como a cultura, a arte e o esporte. (…) É incluída como um componente a mais do programa de prevenção comunitária, e embora se contemple a possibilidade de pôr em prática ações de diminuição de oportunidades e aumento do risco para potenciais ofensores, o que se enfatiza é antes a apropriação e uso de espaços públicos por parte da comunidade.”

CELS
“Uma política criminal e de segurança adequada requer: uma polícia preventiva eficaz; alto grau de profissionalismo e remuneração adequada; justiça criminal que investigue e julgue em tempo oportuno aqueles que infringem a lei; garantia do pleno respeito às regras do devido processo e de defesa em juízo; e um sistema penitenciário que garanta condições dignas de encarceramento e execução da pena com vistas à ressocialização.”


Leia mais:

“Nenhuma vaga a mais!”
I Encontro Nacional de Conselhos da Comunidade em Brasília defende novos rumos para as políticas penais brasileiras. Conectas conta atualmente com dois conselheiros na Comarca de São Paulo

10 medidas para que as cadeias deixem de ser medievais
Conectas e ONGs parceiras entregam à Câmara ‘medidas urgentes’ para corrigir uma das maiores vergonhas do Brasil em direitos humanos e agora pedem reunião com governador de São Paulo

Com 4 homicídios por dia, SP sofre com banalização da ‘cultura do confronto’
Para Conectas, o aumento de 96% nas mortes em setembro mostra que a violência e o uso da força letal são o primeiro recurso na solução de impasses em São Paulo

“Novo código penal tem de romper com lógica do encarceramento em massa”, diz advogado da Conectas
Rede de 8 ONGs protocola ‘manifestação crítica’ à reforma no Senado

Informe-se

Receba por e-mail as atualizações da Conectas