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06/06/2014

Repressão sem limites

Primeiro aniversário do 13/6 é marcado por inquérito ilegal, perseguição e mais truculência



Um ano depois do início dos protestos em São Paulo, o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella, está empenhado em afastar definitivamente os manifestantes das ruas. Em recente entrevista à agência Reuters, Grella defendeu o inquérito 1/2013 (Deic), aberto para investigar centenas de pessoas direta ou indiretamente ligadas aos atos e anunciou prisões antes da Copa do Mundo.

“É um policiamento preventivo”, disse o secretário, confirmando as suspeitas de movimentos sociais e organizações de direitos humanos que veem a investigação como ferramenta de controle e perseguição.

Conectas denuncia o cerco aos manifestantes e os abusos cometidos pela polícia desde o ano passado (veja cronologia abaixo). Para a organização, o inquérito conhecido como ‘black bloc’ faz parte de uma articulação entre Executivo, Legislativo e Judiciário para limitar o direito ao protesto.

“Não se faz inquérito para investigar pessoas e, sim, para apurar fatos supostamente criminosos. Se a polícia não é capaz de apontar um fato criminoso, a investigação é ilegal”, afirma Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da Conectas. “Esse tipo de procedimento, próprio de regimes autoritários, tem o fim declarado de coibir protestos.”

O inquérito aberto em outubro de 2013 não define o alvo da investigação, mas centenas de pessoas já foram intimadas a depor – inclusive pais de manifestantes e pessoas que sequer participaram de protestos, segundo relatos. Também chama atenção a aparente intimidade do titular da secretaria com os rumos da investigação. Grella chegou a prever prisões preventivas “nas próximas semanas”, justamente quando os atos devem ser intensificados, evidenciando o controle político do processo.

Dois pesos

O empenho da secretaria de Segurança Pública em criminalizar manifestantes contrasta com o desinteresse das autoridades pelos casos de violência policial durante as marchas. Segundo reportagem publicada no jornal O Estado de S. Paulo no dia 31/5, nenhum PM acusado de violações durante a repressão do 13/6 foi identificado, apesar da profusão de registros audiovisuais do episódio.

Segundo 10 testemunhos reunidos pela Conectas à época, as tropas perseguiram, prenderam e agrediram indiscriminadamente manifestantes, jornalistas e moradores dos bairros por onde o protesto passou.

A secretaria de Segurança Pública é implacável na investigação de manifestantes, mas não emite uma palavra sobre o fracasso na identificação de policiais envolvidos em abusos amplamente divulgados pela imprensa. “Se estamos falando das mesmas corporações, dos mesmos recursos financeiros e humanos, por que não conseguem avançar na identificação e responsabilização desses policiais?”, indaga Custódio.

Um ano nas ruas

Desde o início dos protestos contra o aumento da tarifa, em junho de 2013, Conectas participa do debate cobrando ações das autoridades e denunciando violações cometidas contra manifestantes. Veja a cronologia das ações:

Junho

Conectas recolheu e divulgou 10 testemunhos sobre a ação policial do dia 13/6. Eles sugerem que, em vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersão, os policiais encurralaram milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha, saturado com bombas de gás e granadas de luz e som, ao longo de várias ruas da região central.

Durante os protestos, a organização acionou cinco relatores especiais da ONU através de um Apelo Urgente: Maina Kiai, relatora especial para o Direito de Assembleia e de Associação Pacífica, Frank la Rue, relator especial para Promoção e Proteção do Direito de Opinião e Expressão, Margaret Sekaggya, relatora especial para a Situação dos Defensores de Direitos Humanos, Juan Mendez, relator especial para Tortura e Outros Tratamentos e Punições Cruéis, Desumanas e Degradantes e El Hadji Malick Sow, relator do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária. A denúncia foi atualizada em outubro.

Conectas também demandou a realização de uma audiência pública com o secretário de segurança, Fernando Grella, e com o secretário municipal de direitos humanos, Rogério Sotilli.

Ao lado das ONGs Repórteres sem Fronteiras, Aprendiz, Artigo 19 e Fórum Nacional pela Liberdade de Expressão, Conectas realizou coletiva de imprensa para discutir as violações à liberdade de imprensa e expressão durante os atos.

Agosto

Conectas organizou dois encontros entre jornalistas e policias para discutir agressões à imprensa e segurança dos profissionais de comunicação durante os protestos.

A organização protocolou na Secretaria Estadual de Segurança Pública de São Paulo 8 perguntas para identificar os responsáveis pela ação policial do dia 13 de junho. A intenção era saber de onde partiu a ordem para a repressão e de que forma ela foi transmitida através da cadeia de comando da polícia até ser executada nas ruas. O pedido também se referia à quantidade de munição empregada e a apuração dos abusos cometidos. Até hoje, nenhuma resposta satisfatória foi dada pelas autoridades paulistas.

O Movimento Passe Livre (MPL), Conectas e outras 16 entidades parceiras pediram ao Procurador Geral de Justiça (chefe do Ministério Público paulista) que apurasse a conduta do tenente coronel da Polícia Militar de São Paulo Ben Hur Junqueira Neto que, em declaração gravada por defensores públicos na noite de 13/6, disse que estava prendendo manifestantes para “averiguação”, o que é manifestamente ilegal e pode ainda configurar abuso de poder. A denúncia foi aceita pelo MPE em abril.

Setembro

Conectas, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Escola de Direito da FGV e Instituto Sou da Paz organizaram três aulas públicas sobre desmilitarização. Os debates contaram com especialistas e reuniram centenas de pessoas entre setembro e outubro.

Março

Organizações brasileiras, entre elas a Conectas, apresentaram mais de 200 casos de violência policial durante manifestações em audiência temática na CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos). As autoridades brasileiras presentes na reunião desviaram do assunto, ignoraram perguntas e fizeram propaganda de medidas burocráticas, sem convencer peticionários e membros da Comissão.

Durante a 25a sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, Conectas e CELS (Centro de Estudios Legales y Sociales), da Argentina, enviaram carta aos Estados membros demandando mudanças na proposta de resolução sobre protestos apresentada por Turquia, Costa Rica e Suíça. O texto limitava garantias de direitos humanos a atos considerados pacíficos. O texto foi aprovado sem as alterações propostas pelas entidades.

Abril

Conectas e IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) acionaram o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) com pedido de suspensão da ‘justiça expressa’, uma instância criada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo para julgar manifestantes detidos pela polícia durante protestos. O pedido de suspensão imediata da portaria do TJ foi negado pela desembargadora Deborah Ciocci no dia 2/6.

Maio

Conectas, IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Justiça Global, Artigo 19, IDDH (Instituto de Defensores de Direitos Humanos) e Greenpeace Brasil enviaram aos membros da  CCJ (Comissão de Constituição e Justiça do Senado) parecer técnico recomendando o veto total do PLS 508/2013, de autoria do senador  Armando Monteiro (PTB-PE). O texto, que ainda aguarda votação, aumenta penas para crimes cometidos no contexto de “concentração de pessoas”.

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