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07/10/2020

Agentes de proteção a povos indígenas relatam descasos do governo no combate a Covid-19

Questão que atravessa diversas gestões, processo de demarcação de terras piora em tempos de isolamento social



“A gente vem dizendo há tempos, se o mundo não parou para escutar os alertas que a terra vinha dando, a terra parou o mundo para se fazer escutar. E é exatamente esse momento que a gente está nessa pandemia”, afirma Sônia Guajajara, coordenadora da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).

Ao Brasil de Fato, a liderança indígena vê com desdém a ausência do Estado no combate ao coronavírus em aldeias.

Por conta disso, a entidade tem de buscar por conta própria alguns parceiros para proteger os povos originários.

A Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) registra atualmente 380 óbitos entre indígenas pela Covid-19, além de 23.178 casos confirmados.   Os dados mostram que a mortalidade pelo vírus entre indígenas chega a 9,6%, superando a média da população nacional, de 5,6%.

Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da APIB, analisa que foi preciso uma ação do STF (Supremo Tribunal Federal) para que o governo Bolsonaro adotasse medidas urgentes para conter o avanço da pandemia nas aldeias. 

Em uma vitória histórica dos povos indígenas no judiciário brasileiro, ficou determinado que o governo federal deve adotar medidas urgentes para reduzir o impacto da pandemia nestas populações.

Descaso político 

O julgamento favorável na suprema corte, no entanto, ocorreu apenas depois de muita pressão. Antes disso, o presidente Jair Bolsonaro havia editado uma medida que desobrigava as autoridades públicas de fornecer acesso à água potável, materiais de higiene e limpeza, cestas básicas e instalação de internet nas comunidades. 

Tentativas como essa, que representam o descaso com a saúde, com o bem-estar e com a garantia de direitos de povos indígenas, são comuns nos mais diversos governos.

A interrupção do processo de demarcação de terras, assim como a flexibilização das regras de proteção e fiscalização ambientais, são problemas que perduram por anos.

Segundo Cléber Buzatto, secretário-adjunto do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) os povos indígenas são os que mais sofrem ao verem programas como a Funai cada vez mais sucateados. 

Dentre os problemas ligados a terras demarcadas, um dos mais recentes é a instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Em julho de 2018, foram desmatados 756 hectares de floresta na terra Ituna/Itatá. 

Além disso, a obra prometia bases de proteção que não foram implementadas, o que ocasionou um desmatamento de 1.096 hectares no interior da área de Cachoeira Seca do Iriri no 1°semestre de 2018 – terra indígena mais desmatada nos últimos anos. 

Tamanho do território indígena 

Segundo levantamento do ISA (Instituto Socioambiental), no Brasil existem atualmente 722 terras indígenas em fases diferentes do processo de demarcação. Dessas, 488 já são homologadas pela Presidência da República.

Enquanto outros povos indígenas aguardam a demarcação de suas terras e  mais segurança no controle do coronavírus, a pandemia traz mais um alerta. 

De acordo com dom Roque Paloschi, presidente do CIMI, o período de isolamento social tem ajudado no avanço de grileiros e garimpeiros em terras já demarcadas, sobretudo na região da Amazônia. 

Segundo Paloschi, “[garimpeiros e grileiros] aproveitam a falta de fiscalização e de gestão política e administrativa no país para continuar com as ações ilícitas nas terras indígenas.”

Apesar da quarentena dom Roque lembra que outros fatores colaboram para agravamento da crise como os frequentes discursos do governo atual incentivando invasões, além de projetos de lei.

“Outra grande preocupação são os projetos de emenda constitucional e projetos de lei, como o PL 191/20, que regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas”, complementa o religioso. 

De acordo com a Funai (Fundação Nacional do Índio), até o início de agosto de 2020, mais de 383 mil cestas de alimentos foram destinadas a famílias durante a pandemia. A Fundação também garante que foram investidos 16,1 milhões de reais para fiscalização das terras nos últimos 12 meses.

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