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12/08/2020

Entrevista: Os impactos da decisão do STF para a proteção de terras indígenas

A Apib foi reconhecida pelo STF como entidade com legitimidade nacional para apresentar esta ação



O início de agosto foi marcado por uma vitória histórica dos povos indígenas no judiciário brasileiro. O plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) referendou uma decisão liminar do ministro Luis Roberto Barroso que obriga o governo federal a adotar medidas urgentes para conter o avanço da pandemia nos territórios indígenas.

De autoria da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), em conjunto com os partidos PSB, PCdoB, PSOL, PT, REDE e PDT, a ADPF (Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental) 709 reivindica que o Judiciário determine imediatamente a adoção pelo governo de ações para garantir proteção aos povos indígenas no contexto de grave crise epidemiológica. O simples fato da Apib, uma entidade indígena, ter sido reconhecida pelo STF como legítima para apresentar esta ação é uma conquista significativa.

Em entrevista para a Conectas, Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Apib, explica o impacto da decisão da Suprema Corte, conta a relevância da ação para as populações indígenas e sobre o novo desafio que deverão enfrentar, desta vez, para que o governo Bolsonaro acate a ordem do STF e implemente as medidas. Confira:

Conectas – Qual o impacto da decisão do STF para os povos indígenas?

Luiz Eloy Terena – Há duas dimensões. O primeiro impacto é do ponto processual, que reconheceu a legitimidade da Apib para atuarmos no âmbito do que nós chamamos da jurisdição constitucional, ou seja, reconhecendo a legitimidade da Apib de propor a ADPF direto no Supremo Tribunal Federal. Isso é um marco no direito constitucional brasileiro e também na história do movimento indígena brasileiro.

Outro aspecto é em relação ao conteúdo dessa decisão. De fato, o Supremo não deferiu tudo que nós pedimos, mas deferiu boa parte. Especialmente ao determinar a elaboração do plano de colocação de barreiras nas 31 terras indígenas que têm presença de povos isolados e de recente contato. Determinou a elaboração de um plano de enfrentamento para os povos indígenas em geral e determinou que o governo brasileiro atenda a todos os povos indígenas de forma indiscriminada ao fato de estarem ou não em terras homologadas. Isso também é muito forte para nós porque enfrentou essa atitude negacionista da identidade cultural dos povos indígenas e até, de certo ponto, uma atitude racista por parte do governo brasileiro de entender que somente devem ser atendidos os indígenas que estão em áreas homologadas. Ou seja, o governo não homologa as terras indígenas, não conclui o processo demarcatório e ainda faz com que os povos indígenas fiquem renegados a estes outros direitos sociais, como o atendimento à saúde, acesso à água potável e educação, inclusive.

Conectas – A Apib foi reconhecida como entidade legítima para propor este tipo de ação no STF. O que isto representa?

Luiz Eloy Terena – Representa um rompimento do obstáculo jurídico que existia antes. Durante muito tempo, os povos indígenas não foram tidos como sujeitos de direitos, não podiam falar por si só, não podiam acessar o judiciário em nome próprio; sempre tinham que depender de alguém. Então, isto tem um significado muito grande na superação da tutela, na superação da colonialidade do direito e também na reafirmação desse sujeito de direito que são os povos indígenas. Isso é fundamental.

Conectas – Qual a expectativa em relação ao cumprimento da decisão pelo governo do presidente Jair Bolsonaro?

Luiz Eloy Terena – Esse é um outro desafio que a gente está lidando neste momento. Não está sendo fácil porque não bastasse o governo Bolsonaro ter um posicionamento muito diferente daquele dos povos indígenas. na verdade, é um governo anti-indígenas. Mas nós estamos percebendo que neste âmbito, tanto na sala de situação quanto no grupo de trabalho que está elaborando o plano de enfrentamento, até do ponto de vista técnico, as pessoas são pessoas muito difíceis de entender a especificidade dos povos indígenas e, até certo ponto, entender como o que está posto ali depende muito mais do aprimoramento científico do que de um posicionamento ideológico. Então, o que a gente está percebendo é esta dificuldade. Porque até mesmo o corpo técnico que integra o governo Bolsonaro: eles são de algum aspecto negacionistas e têm essa dificuldade em colocar como  pressupostos fundamentais para elaboração de planos as recomendações sanitárias, as recomendações dos especialistas da área de saúde, então, tem sido um grande desafio e não está sendo fácil.

Conetas – Um importante pedido da ação, que diz respeito a expulsão de invasores de sete terras indígenas, gerou divergências entre os ministros. Qual a importância de o STF chegar a um entendimento sobre esta questão?

Luiz Eloy Terena – Este é um ponto muito negativo na decisão do Supremo. Muito embora os ministros tenham reconhecido a invasão que existe nestas terras indígenas e tenham reconhecido o quanto  isso é grave, não enfrentaram o problema.

O ministro Barroso até falou em “ônus político”. Nós sabemos que existe ônus político porque uma decisão dessas vai afetar os interesses políticos e econômicos. Do garimpo, dos madeireiros e, com certeza, tem políticos locais envolvidos nisso, os representantes da elite agrária do país. Então, a pergunta que eu faço é: se o Supremo, que é a mais alta corte do país, e, em certo ponto não teve a coragem de peitar esta situação, a quem nós, povos indígenas, poderemos recorrer? Eu não sei. De fato, eu não sei. Porque nós recorremos ao Supremo porque sabemos, de fato, que esta é uma situação política e econômica e que se perdura há muito tempo, sendo uma violação gravíssima dos direitos dos povos indígenas. Já tem até decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos determinando a expulsão desses invasores e agora a gente sabe que o Supremo também não está enfrentando esta situação. Mas nós entendemos que ainda é um ponto que está pendente de análise do Supremo e que pode ser apreciado em momento posterior. Então, nós, advogados do movimento indígena, vamos continuar trabalhando, monitorando estas situações de violações e nós não descartamos que o Supremo possa, ainda, novamente voltar a se debruçar sobre este ponto específico da intrusão destes invasores. 

O ministro Alexandre de Moraes argumentou que estava preocupado com as criancinhas, com as famílias, mas não se trata de posseiros de boa fé. Isso são terras demarcadas e homologadas desde o início da década de 1990. As pessoas que estão lá são garimpeiros, são criminosos, são invasores. Não são famílias, posseiras de boa fé. Não tem criancinha lá. O que há lá são criminosos. Então, o Supremo ficou ainda devendo para os povos indígenas no que tange à expulsão dos invasores que estão ilegalmente nestas terras da União.

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