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08/03/2022

O que motiva a violência política contra mulheres no Brasil

No Dia Internacional da Mulher, Conectas mostra as barreiras que candidatas e eleitas enfrentam na política institucional

Em ano eleitoral, sociedade civil deve ficar atenta para impedir e denunciar a violência política contra mulheres candidatas (Foto: Mídia NINJA)

Em ano eleitoral, sociedade civil deve ficar atenta para impedir e denunciar a violência política contra mulheres candidatas (Foto: Mídia NINJA)

Como se já não bastasse a sub-representação feminina nos espaços de poder, as mulheres que decidem ocupar cargos eletivos são, com frequência, vítimas da violência política motivada pelo gênero. Em muitos casos, essa violência é articulada com o racismo e a LGBTfobia. 

De acordo com a lei brasileira, violência política contra a mulher é toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher. Ameaças, ofensas, agressões, assédios, tentativas de homicídio e assassinatos são algumas formas de atentar contra os direitos humanos das mulheres candidatas e eleitas. Todas as mulheres são vítimas destes ataques, mas negras, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais são alvos preferenciais por interseccionarem outros marcadores sociais.  

Uma pesquisa realizada pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que, no ano de 2020, 75% das candidatas a prefeitas em capitais sofreram algum tipo de violência. Das 50 candidatas que participaram do levantamento, 88% afirmam ter sofrido violência política de gênero nas eleições de 2020 e 72,3% acreditam que os episódios prejudicaram a campanha. A violência psicológica é a mais recorrente (97,7%) e a internet é o espaço onde as mulheres são mais atacadas (78%), seguida da campanha de rua (50%). 

Com isso, apesar de as mulheres representarem a maioria do eleitorado (52,5%), o percentual de candidaturas femininas nas eleições municipais de 2020 foi de 33,5%, de acordo com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Em números absolutos, dos 556.033 pedidos de candidatura na última eleição realizada no país, 186.144 foram de mulheres. 

Atentado contra a democracia 

O cenário político dominado por homens, especialmente brancos e cisgêneros, produz ainda violências sutis contra mulheres dentro dos partidos, das casas legislativas e dos gabinetes do Poder Executivo. A roupa, o comportamento social, a cor da pele, o peso e o estado civil de uma mulher são alguns dos motivos utilizados para atacá-la. Assim, as mulheres enfrentam desde dificuldades financeiras para colocar suas campanhas na rua a feminicídios políticos, como o da vereadora carioca Marielle Franco, em março de 2018. 

Para Raissa Belintani, coordenadora do programa de Fortalecimento do Espaço Democrático da Conectas, o caminho de candidatas e eleitas é tortuoso, muitas vezes doloroso, e repleto de violências concretas e simbólicas. “Toda violência política contra uma mulher é um atentado à democracia. O problema é que instituições brasileiras ainda não dão a este tema o tratamento adequado. É preciso cumprir no âmbito da política institucional o valor constitucional de que todas as pessoas têm direitos iguais em todos os âmbitos de atuação social”, afirma. 

Enfrentando a estrutura 

Os problemas começam antes mesmo das candidaturas. Geralmente, são homens brancos, cisgêneros e heterossexuais que ocupam cargos decisórios nos partidos, o que impede que representantes de grupos minoritários fluam com facilidade nas estruturas partidárias. De acordo com o relatório “Violência política de gênero e raça no Brasil 2021”, do IMF (Instituto Marielle Franco), “a violência em forma de descrédito do partido aparece, inclusive na escolha de quais cargos essas mulheres podem disputar, segundo as lideranças partidárias.”

Existem partidos que apresentam setoriais ou comissões para discutir machismo e racismo e outras formas de discriminação. Algumas legendas possuem, inclusive, militantes históricos que lutam pela equidade. “ Mas há também”, de acordo com Belintani, situações que estas frentes são formadas de modo superficial, apenas para atender elementos do marketing político, ignorando por completo as potencialidades e contribuições das mulheres para os partidos.”

Raça, identidade de gênero e classe 

Como mostra a pesquisa “Violência política no Brasil: panorama das violações de direitos humanos de 2016 a 2020”, das organizações Terra de Direitos e Justiça Global, “a violência é utilizada para garantir o controle de um grupo hegemônico sobre o sistema político – no caso brasileiro, homens, brancos, cristãos, de classe alta, que se identificam como heterossexuais”. Sendo assim, são as mulheres negras, pessoas trans e travestis e pessoas pobres as que mais incomodam quem quer manter a estrutura excludente. 

Apesar dos percalços, nas últimas eleições cresceram os números de mulheres, pessoas trans e travestis candidatas e eleitas em diferentes locais. Os cargos eletivos, no entanto, não as protegem das violências. Segundo o documento do IMF, ainda que a visibilidade dê uma certa proteção, a violência destinada a esses corpos, e, principalmente, às lutas que eles representam, não cessam. “A violência se sofistica e se irradia para aqueles que estão próximos, sendo os ataques direcionados também às equipes dos mandatos ou mesmo aos familiares dessas parlamentares. Portanto, a violência política é um fenômeno que atinge não apenas as mandatárias, mas todos os assessores, os ativistas e a rede envolvida naquele mandato.”

Eleições 2022

Em agosto do ano passado entrou em vigor a lei 14.192/21, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de direitos políticos e de funções públicas. Pelo texto, fica proibida a propaganda partidária que deprecie a condição de mulher ou estimule sua discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou etnia. As eleições de 2022 serão as primeiras com esta lei. Na avaliação de Belintani, cabe a organizações da sociedade civil acompanharem a aplicação deste marco legal e ficarem atentas para denunciar as possíveis violações contra os direitos humanos das mulheres nas próximas eleições.

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