Voltar
-
09/11/2012

Na Conectas, relator da ONU para o direito à Saúde defende descriminalização das drogas

Anand Grover vê na política de guerra às drogas "um retrocesso que já se mostrou fracassado"

Anand Grover vê na política de guerra às drogas Anand Grover vê na política de guerra às drogas "um retrocesso que já se mostrou fracassado"

O indiano Anand Grover, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à saúde, reuniu-se no dia 23, na sede da Conectas, em São Paulo, com representantes de oito ONGs. Além de apresentar seu trabalho nas Nações Unidas e colher informações para um relatório temático sobre os desafios para o acesso a medicamentos e à saúde em diversas partes do mundo, em entrevista para a Conectas Grover também falou do que ele interpreta como um “fracasso da política de guerras às drogas”, no momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) pode pôr em pauta votação sobre o tema no Brasil. “A estratégia da guerra contra as drogas, iniciada pelos Estados Unidos, infelizmente fracassou completamente”, disse Grover, que exerce a função de relator especial da ONU desde agosto de 2008 e é diretor do Lawyers Collective, organização criada na Índia em 1998. “É hora da sociedade brasileira realizar este debate de forma madura. A política atual de drogas precisa ser revista com urgência para evitar mais injustiças”, disse Juana Kweitel, diretora de Programas da Conectas, organização que, junto com outras ONGs, levou ao STF um pedido para fazer parte, como Amicus Curiae, da votação sobre o Recurso que discute a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que tipifica como delito o porte de drogas para consumo pessoal. Entre os participantes do encontro, na Conectas, estavam a Relatoria do Direito Humano à Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma Dhesca Brasil (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), Médicos Sem Fronteiras (MSF), Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rebrip (Rede Brasileira Pela Integração dos Povos), Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids – ABIA, Grupo Esperança (Hepatite C), Associação de Chagásticos de Campinas e Região e Findichagas (Federação Internacional de Pessoas Afetadas Pela Doença de Chagas). Leia o Relatório de Anand Grover sobre criminalização de consumo de drogas. Leia o Amicus apresentado pela Conectas, Pastoral Carcerária, Sou da Paz e ITTC.


+ Vídeo

                          Transcrição: “Acredito que a origem desse pecado, como era, está nas raízes culturais do cristianismo e do islamismo porque o consumo de certas drogas… Álcool, você pode beber tanto quanto quiser, você pode matar por acidente… A relação direta entre ingerir álcool e matar pessoas nas ruas, mas isso tudo é permitido, isso é legal. Fumar. Há uma convenção internacional de que você deve educar, mas se você usar um narcótico, por exemplo, ou uma substância psicotrópica, como chamamos… Pode ser a folha de coca que você masca na Bolívia, ou pode ser a cannabis, que é tradicionalmente usada em um dia em especial para celebrar um deus, o Deus Shiva, entende?  Tem o dia chamado “Maha Shivatri” na Índia, quando todos os religiosos bebem o “bhang”, que contém cannabis, incluindo o meu sogro, que faleceu recentemente. Eu falei sobre isso na Assembleia Geral da ONU e disse: “Perguntei ao meu sogro porque ele tomava bhang, que é feito à base de cannabis.”.  Ele disse: “Eu gosto desse doce indiano chamado ‘rashgullas’ ”. E ele ama esses doces, amava, porque não está mais entre nós. E ele disse: “Normalmente, eu só consigo comer dois. Se eu como quatro, tenho indigestão, mas se eu bebo o ‘bhang’, consigo comer vinte e não tenho nenhum problema”. Agora, isso não é permitido porque as pessoas que vieram do ocidente disseram: “Isso não é uma boa ideia”. E, no início, elas o comercializavam. Então, os britânicos comercializavam ópio, enviavam-no para a China. Três guerras foram travadas para permitir o acúmulo de capital. Algumas pessoas importantes da Índia, incluindo capitalistas, comercializavam-no, ganharam muito dinheiro e acumularam capital, mas, hoje, ele é criminalizado. Primeiramente, é um ponto de vista cultural. Em segundo lugar, a criminalização não impede as pessoas de usar drogas. As drogas recreativas estão aumentando. A criminalização delas, na verdade, aumentou o consumo de drogas. O tráfico aumentou. Você vê os resultados disso, não apenas no México, mas também na Colômbia, nessa região. As áreas são controladas pelos criminosos. Então, o que vocês fizeram? Vocês aumentaram o número de pessoas que usam drogas. Elas não têm ideia de como cuidar de uma overdose porque vocês não disponibilizaram essa informação para o público. Elas não percebem a diferença entre beber uma taça de vinho e beber uma garrafa inteira todos os dias. É a mesma coisa. Você pode usar um pouco de cannabis e usá-la por toda a sua vida sem nenhuma consequência nociva, assim como com o álcool. Elas não sabem a diferença entre dependência e ingestão ocasional, como era. Então, elas não podem tratar da dependência, que é um problema de saúde, e, em vez disso, essas pessoas são criminalizadas e presas. Não está funcionando. A estratégia da guerra contra as drogas, iniciada pelos Estados Unidos, infelizmente fracassou completamente e eu disse isso. Agora, qual é a melhor saída razoável? A saída foi demonstrada por Portugal, por exemplo. Eles descriminalizaram a posse. O crime aumentou? Não. Na verdade, ele diminuiu de forma significativa. Então, se você tem um exemplo, mas não quer segui-lo porque acredita no dogma de que as drogas fazem mal, você trata cada droga da mesma forma.   Você tem suas próprias preferências, então, a coisa toda é uma grande estupidez, mas tem consequências muito sérias em termos de tirar a vida das pessoas. Acho que é necessário parar com isso.”

Informe-se

Receba por e-mail as atualizações da Conectas