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13/05/2021

Entenda os 8 pontos mais problemáticos do projeto de licenciamento ambiental aprovado pela Câmara

Texto-base desmantela legislação que fiscaliza empreendimentos no país e pode gerar diversos problemas socioambientais

Dam in Brumadinho, Minas Gerais. Photo: Vinicius Mendonça/Ibama

Dam in Brumadinho, Minas Gerais. Photo: Vinicius Mendonça/Ibama

Por 300 votos a 122, a Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (13) o texto-base do projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental, permitindo, inclusive, a licença autodeclaratória. A nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 3729/04) segue agora para o Senado.

Para Júlia Neiva, coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas, inúmeros pontos presentes no PL podem causar problemas socioambientais, violações de direitos humanos e prejudicar a imagem internacional do país. “A proteção do Meio Ambiente é um direito humano fundamental que precisa ser garantido através de uma legislação eficaz e coerente.”

Confira a seguir os oito pontos mais problemáticos do projeto, de acordo com organizações da sociedade civil:   

1. Dispensa de licenciamento para atividades econômicas 

O PL dispensa a necessidade de licença ambiental para agricultura, silvicultura e pecuária extensiva, semi-intensiva e intensiva de pequeno porte. Além disso, outros 13 tipos de atividades com impactos ao Meio Ambiente, incluindo sistemas e estações de tratamento de água e esgoto, podem ser realizadas sem o licenciamento, com dispensa, inclusive, à outorga do uso de recursos hídricos para o lançamento do efluente tratado. 

A mineração de grande porte e alto risco devem obedecer a normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) até que seja criada uma lei específica sobre o tema. Já as barragens de pequeno porte para irrigação são dispensadas do licenciamento. Contudo, o texto-base abre brechas para que barragens como as do Rio Doce e de Brumadinho, locais que protagonizaram grandes desastres socioambientais, façam autodeclaração.

2. Guerra fiscal ambiental entre unidades da federação 

O texto permite estados e municípios complementarem as definições da lei e dispensarem atividades impactantes do licenciamento ambiental, gerando insegurança jurídica. Prefeitos e governadores sem comprometimento ambiental, com o endosso das casas legislativas, poderão estabelecer ainda regras de licenciamento menos rígidas do que as de outras unidades da federação para atrair empresas e investidores, criando a possibilidade de uma guerra fiscal ambiental.

Poderá haver também dispensa ao empreendedor da garantia de conformidade com a legislação municipal pertinente, mediante a exclusão da certidão de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, o que tende a gerar conflitos graves com as municipalidades. Isso tornaria possível, por exemplo, que um governador edite decreto determinando que, em um estado específico, a atividade de mineração não tenha exigência de licenciamento ambiental.

 3. A licença autodeclaratória torna-se a regra  

Com exceção de obras classificadas como significativo potencial de impacto ambiental, passa a ser exigido apenas o Licenciamento por Adesão ou Compromisso, conhecido como LAC, emitido automaticamente sem verificação de órgãos ambientais do cumprimento da legislação. A licença autodeclaratória feita pelo empreendedor torna-se, portanto, a regra e o licenciamento, a exceção. Neste contexto, desastres minerários poderiam se tornar realidades cotidianas, como os já citados casos do Rio Doce e de Brumadinho.

4. Restrições à participação popular

Como as mudanças, a participação popular no processo de licenciamento de empreendimentos é enfraquecida. Organizações da sociedade civil e as comunidades diretamente impactadas terão pouco ou nenhuma participação nesses processos, considerando que serão realizados de forma automática.

5. Ameaça aos biomas e às populações indígenas e tradicionais 

A análise de impactos diretos e indiretos e da adoção de medidas para prevenir eventuais danos causados pelos empreendimentos sobre populações indígenas e tradicionais, saúde pública e Meio Ambiente são duas ações excluídas pelo texto-base aprovado. Com isso, terras indígenas e territórios quilombolas em processos de demarcação e titulação, respectivamente, são ameaçados.

6. Menos controle estatal 

Já enfraquecidos por ações do governo federal, importantes órgãos públicos ligados à preservação ambiental e patrimonial perdem participação no licenciamento ambiental. Entre eles estão o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Funai, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), bem como Ministério da Agricultura e Ministério da Saúde

7. Bancos ficam livres das responsabilidades socioambientais  

Instituições de fomento públicas ou privadas, como bancos, passam a ser isentas da responsabilidade por danos socioambientais eventualmente causados pelos empreendimentos que elas financiam de forma direta ou indireta. A única obrigação é exigir o documento de licenciamento ambiental

8. Sem responsabilização de atos passados

Os empreendimentos que já estão operando sem licença ambiental válida no momento da publicação da lei serão dispensados de responsabilização por este ato. Para se regularizarem, basta solicitar espontaneamente o Licenciamento Ambiental Corretivo, que também poderá ser concedido por adesão.

Prejuízos internacionais 

Além dos impactos socioambientais, organizações da sociedade civil ressaltam os prejuízos à imagem internacional do Brasil que o PL 3729/04 causa exatamente no momento em que o país pleiteia sua entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). 

Na quarta-feira (12), 61 entidades da sociedade civil enviaram uma carta ao novo secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, alertando-o sobre o desmantelamento de políticas socioambientais no Brasil, incluindo a desconstrução do licenciamento ambiental, proposta no projeto da Câmara. 

“Essa legislação é um grande empecilho à entrada do Brasil na OCDE e é um contrassenso às promessas que o país vem fazendo para a comunidade internacional de reduzir emissões de carbono e proteger as florestas e suas populações”, afirma Neiva. “Será impossível sustentar a narrativa de responsabilidade ambiental para seus parceiros comerciais cada vez mais preocupados com o impacto do seu consumo.”

Aprovado em 2019, o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia também poderá ser prejudicado. Isso porque ele só entra em vigor se os 27 países do bloco europeu aprovarem o acordo em seus parlamentos. A política ambiental do governo federal e do Congresso Nacional dificultam a entrada no projeto na pauta dos legisladores europeus.

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