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Brasil é o país que mais mata ativistas pela terra, de acordo com relatório da Global Witness

País registra 342 mortes de ativistas e defensores do meio ambiente em dez anos; entre os homicídios brasileiros, um a cada três foi de indígenas ou negros

A execução de dez trabalhadores rurais em 24 de maio de 2017 em Pau D’Arco (PA) foi a maior chacina no campo desde o massacre de Eldorados dos Carajás (PA), em 1996 (Foto: Repórter Brasil)
A execução de dez trabalhadores rurais em 24 de maio de 2017 em Pau D’Arco (PA) foi a maior chacina no campo desde o massacre de Eldorados dos Carajás (PA), em 1996 (Foto: Repórter Brasil)

O militante camponês Fernando Araújo dos Santos, membro do Movimento Sem Terra, foi sobrevivente do maior massacre de trabalhadores rurais do Brasil em 25 anos: o Massacre de Pau D’Arco. Na ocasião, 16 policiais civis e militares tiraram a vida de dez pessoas que ocupavam a fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco, no Pará, em 2017. Apesar de resistir à brutalidade dos agentes, no entanto, em janeiro de 2021, Araújo, que guardava os detalhes mais ricos da chacina, foi morto em sua própria casa. 

“Eu sinto que tá vindo coisa pesada pra nós aqui na [fazenda] Santa Lúcia”, previu ele, em uma entrevista à Repórter Brasil, duas semanas antes de receber um tiro na nuca. Na conversa, Santos já havia informado que estava sendo procurado pelos agentes envolvidos para mudar seu depoimento à justiça. “Os policiais estão pensando em vir aqui dar um jeito de não haver mais testemunha antes do julgamento. Não há testemunha, não há julgamento.” 

Apesar de aguardar julgamento por júri popular, em 2022, os 16 agentes continuam soltos e realizando atividade nas corporações.

A história de Araújo integra o relatório da organização britânica Global Witness, que monitora crimes contra defensores de direitos humanos, especialmente ativistas pelo direito à terra e pela defesa ambiental. No recente documento, a entidade contabiliza o número de vítimas globais em 2021, além de resumir os homicídios da última década.

Com um total de 200 mortes em 2021 — sendo 68% somente na América Latina —, o relatório aponta para a necessidade de se criar mecanismos de defesa para aqueles que lutam pela terra e pelo meio ambiente, considerando o contexto de crise climática no qual os índices de devastação Amazônica só aumentam. Não à toa no Brasil, Peru e Venezuela, 78% dos ataques ocorreram na Amazônia.

Desigualdade fundiária

De acordo com o relatório, os conflitos envolvendo o uso e o controle de terras são uma questão central na maioria dos países onde as ameaças contra os defensores das questões ambientais estão presentes. “Grande parte da crescente violência, assassinatos e repressão contra os defensores está ligada a esses conflitos e à busca do crescimento econômico baseado na extração de recursos naturais”, aponta o documento. 

“O problema é agravado pela extrema desigualdade na propriedade da terra, que também é um dos principais impulsionadores da desigualdade social e econômica, principalmente na América Latina.” Como lembra a entidade, o processo de colonização na região deixou profundas marcas de violência histórica. 

Desde 2012, ano em que a organização começou a fazer a contabilização, foram compiladas, no mundo, 1.733 mortes violentas de defensores, sendo 39% indígenas.

Situação brasileira 

Só no Brasil foram 342 ataques letais, tornando o país o lugar que mais mata ativistas pela terra. Colômbia, Filipinas, México e Honduras surgem em seguida no ranking, com 322, 270, 154 e 117 mortes, respectivamente. Entre os homicídios brasileiros, um a cada três foi de indígenas ou negros. 

“Os dados do relatório são preocupantes, especialmente por evidenciarem que indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais são os grupos mais afetados pela violência letal que persegue os defensores da terra e do meio ambiente”, aponta Júlia Mello Neiva, coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas. 

No caso dos povos indígenas, pesquisa publicada na Nature indica que eles representam menos de 5% da população mundial, porém são responsáveis pela proteção e preservação de 80% da biodiversidade no planeta. “Essas pessoas vivem de suas terras e, de um modo geral, são responsáveis pela proteção dessas áreas, colaborando, inclusive, para o enfrentamento à crise climática. Retomar e fortalecer mecanismos de proteção aos defensores do meio ambiente são ações urgentes para garantir a preservação da vida humana e do meio ambiente.”

Como escreveu a cientista e ativista Vandana Shiva, no relatório, são as pessoas que lutam pela terra e pelo meio ambiente aquelas que melhor entendem como o destino da humanidade está entrelaçado com o destino dos lugares que elas defendem. Por isso, elas merecem proteção. “Todos nós devemos seguir expondo essas histórias, não apenas para lembrar aqueles que caíram, mas para continuar seu trabalho, tão urgente e necessário, dizendo ao mundo exatamente por que eles foram mortos.”


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