Imagens que emergiram na internet poucas horas depois do protesto do dia 9/1, convocado pelo MPL (Movimento Passe Livre) em oposição ao aumento da tarifa do transporte, começam a desmontar as explicações oficiais para a violência contra os manifestantes – 5 mil, segundo contagem da PM, e 30 mil, conforme estimativa do MPL.
Vídeos, fotos e relatos escritos demonstram a sucessão de erros, excessos e abusos cometido pela corporação. Repetindo o fatídico roteiro ocorrido no dia 13/6/13, já denunciado por ONGs de direitos humanos em órgãos internacionais, as forças de segurança dispersaram sem motivo aparente, agrediram e intimidaram manifestantes, prenderam arbitrariamente, investiram contra a imprensa e fizeram uso abusivo de armas menos letais.
Trechos de vídeos reunidos pela Conectas e Artigo 19 mostram com clareza a extensão das violações. As imagens serviram de base para documento encaminhado hoje, em conjunto com a Artigo 19 e o Núcleo Especializado em Direitos Humanos da Defensoria Pública, à Secretaria de Segurança Pública.
No ofício, as entidades mostram que a PM contrariou normas constitucionais, recomendações da ONU e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos). Essas mesmas regras já haviam sido detalhadas em documento enviado à Secretaria pela Conectas e Defensoria em agosto de 2013. Seu sistemático descumprimento motivou ação civil pública da própria Defensoria contra o governo do estado em abril de 2014.
Como deveria ser a operação policial e como realmente foi?
O que dizem as normas | Como a PM agiu | Imagens |
---|---|---|
A PM não deve portar ostensivamente armas de fogo durante manifestações. |
Diversos policiais foram registrados empunhando pistolas indiscriminadamente. |
|
Armas menos letais não devem ser empregadas sem real necessidade. Sua utilização deve partir de ordem legal e respeitar limites de proporcionalidade e razoabilidade. |
Manifestantes foram agredidos gratuitamente. Em diversas cenas é possível verificar o uso indiscriminado de balas de borracha e bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. |
|
A decisão de dispersar só deve ser tomada em situações excepcionais e extremas. Nesses casos, deve partir de ordem legal, contar com aviso prévio claro, rotas seguras e tempo hábil para que os manifestantes possam reagir ao aviso. |
A marcha foi dispersada arbitrariamente, sem aviso prévio ou negociação. Grupos inteiros foram encurralados. A polícia disparou, pelas costas, contra manifestantes que tentavam fugir. Não foram indicadas rotas seguras para dispersão e não se garantiu tempo hábil para que ocorresse de maneira segura. |
|
Nenhum cidadão pode ser impedido de registrar o trabalho de policiais exercendo funções públicas. |
Diversos jornalistas que documentavam o ato foram agredidos pelas forças policiais ou impedidos de registrarem imagens de detenções e violações. |
|
Atos isolados de violência devem ser individualizados e não justificam dispersão e toda a manifestação. |
A polícia afirmou que a repressão conteve atos de vandalismo. Imagens mostram que a manifestação seguia tranquilamente pelo trajeto acordado quando foi atacada. |
|
Policiais precisam estar com identificação visível e clara |
Diversos policiais que acompanhavam a marcha estavam sem identificação ou negaram mostrá-la. |
|
A polícia deve agir para proteger os manifestantes e o direito de protesto. |
A polícia intimidou manifestantes e pessoas que passavam pelo local. |
“As graves violações cometidas pela PM no dia 9/1, documentadas pela Conectas e outras organizações de direitos humanos, devem servir de alerta para uma nova onda de violência e abusos por parte da corporação. Episódios isolados nunca podem justificar a dispersão e a repressão de todos os manifestantes”, afirma Juana Kweitel, diretora da Conectas. “A polícia tem mostrado incapacidade institucional para aprender com os erros do passado e de ouvir a sociedade civil, que há tempos denuncia a falta de compromisso da Secretaria de Segurança Pública com as normas internacionais para o uso da força”, completa.
Na véspera do ato, Conectas, Artigo 19 e Núcleo Especializado em Direitos Humanos da Defensoria Pública repudiaram afirmações do comandante da operação, o major Larry de Almeida Saraiva, que ameaçou ‘envelopar’ e revistar quem passasse pela zona do protesto.
Parâmetros internacionais
O direito à reunião e à liberdade de expressão são descritos pelos artigos 19o e 10o da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e, ainda, pelos artigos 13o e 15o da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Outros parâmetros internacionais regulam a atuação das polícias em contexto de protestos, como é o caso dos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pela ONU em 1979, e dos relatórios sobre Segurança Cidadã e Direitos Humanos (2009) e Situação dos Defensores dos Direitos Humanos nas Américas (2012), ambos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Eles coincidem na proibição do uso de armas letais, no estabelecimento de regras claras para a dispersão, no reforço dos princípios de proporcionalidade e estrita necessidade e na exigência de identificação clara e individual de cada membro da tropa.
Fontes
Veja a íntegra dos vídeos utilizados pela Conectas: