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09/01/2015

Vozes da República Dominicana

Entidades de dentro e fora do país tentam evitar duplo retrocesso

A maioria dos haitianos que vivem na República Dominicana mora e trabalha em zonas rurais A maioria dos haitianos que vivem na República Dominicana mora e trabalha em zonas rurais

A sociedade civil dominicana começa o ano de 2015 com o desafio de evitar um duplo e grave retrocesso em matéria de direitos humanos. Em duas sentenças, uma de setembro de 2013 e outra de novembro de 2014, a Corte Suprema do país eliminou direitos de nacionalidade de mais de 200 mil pessoas (TC-0168-13) e colocou em xeque a autoridade da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) (TC-0256-14). Ambas vêm sendo questionadas por várias entidades e organismos nacionais e internacionais de defesa de direitos.
A primeira sentença determina que estão indevidamente registradas pessoas nascidas de pais estrangeiros a partir de 1929 e que não possam comprovar sua condição de imigrantes regulares. Na prática, a decisão cassou a nacionalidade de centenas de milhares, em sua imensa maioria haitianos – que representam 85% dos imigrantes no país. Agora, eles estão impedidos de trabalhar regularmente, votar e frequentar escolas. A sentença do tribunal dominicano foi condenada pela CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), que pediu, entre outras medidas, sua revogação imediata.
Em clara resposta à condenação da Comissão, a justiça dominicana, por meio da sentença TC-0256-14, considerou inconstitucional a aceitação pelo governo dominicano da competência da Corte Interamericana – fato ocorrido há 15 anos.
Criticada pela CIDH, a nova decisão contraria não só a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, como viola princípios fundamentais do próprio Direito Internacional. Além disso, bloquearia o acesso de toda a população dominicana ao mais importante órgão regional de proteção, o que a torna mais vulnerável a violações.
“Existe uma real ameaça de a República Dominicana se desvincular definitivamente da Convenção Americana, o que acarretaria na saída da jurisdição da Corte Interamericana e o consequente enfraquecimento do sistema de proteção de direitos humanos na região”, afirma Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas. “O Brasil e os países da região deveriam se posicionar em defesa da Corte para frear qualquer indício de retrocesso, especialmente no tema de migrações, tão fundamental para a região”, afirma.
Em fevereiro de 2014, durante o processo de Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Conectas e a organização dominicana Mesa Nacional para as Migrações e Refugiados (MENAMIRD) chamaram a atenção para o tema da desnacionalização. À época, uma carta foi enviada ao Estado brasileiro que, em seu discurso durante a revisão, mostrou-se preocupado com a crise.
Muitas outras cartas e manifestos foram apresentados em solidariedade aos migrantes. Mais de 50 organizações regionais, entre elas a Conectas, assinaram manifesto condenando a sentença da Corte dominicana. Outro documento foi enviado às autoridades presentes na Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos e Chancelarias do Mercosul e Estados Associados, realizada em novembro de 2014. Cerca de 40 entidades dominicanas também publicaram carta aberta às autoridades do país demonstrando preocupação com a postura do tribunal.
Para entender melhor os reflexos dessas medidas tomadas pelo Estado dominicano, conversamos com William Charpantier, coordenador geral da Mesa Nacional para as Migrações e Refugiados e participante do XIII Colóquio da Conectas em 2013.
Conectas – Quais são os grupos mais afetados pela decisão de não acatar a determinação da Corte Interamericana que pediu a revogação da lei 168-13?
William Charpantier – A decisão da República Dominicana em questionar a competência da Corte Interamericana não afeta apenas os imigrantes mas toda a população dominicana que pode vir a não ter um Tribunal Internacional regional que proteja seus direitos humanos uma vez que esgotem os processos internos. Afeta, principalmente, a todos os que não têm voz, a população mais vulnerável.
C – De forma mais específica, como a decisão do Tribunal Constitucional da República Dominicana impacta as pessoas? Elas podem ter sua nacionalidade restituída?
WC – Especificamente, a decisão do Tribunal Constitucional cria a Lei de Habitação e Naturalização e afeta dois grupos de pessoas que perderam sua nacionalidade e, por causa disso, a vida destas pessoas está paralisada, pois não elas não podem estudar, trabalhar e muito menos acessar os serviços públicos ou fazer um
a transação legal.
O primeiro grupo são as pessoas nascidas que se encontram inscritas no livro civil e que já têm documentos e exercem direitos civis e políticos. A lei estabelece para estas pessoas a possibilidade de restituírem sua nacionalidade. Este processo de restituição deveria ser simples, mas na realidade o organismo estatal encarregado em aplicar esta medida não está aplicando a lei como ela manda e agora atende uma quantidade muito limitada de pessoas sem restituir sua nacionalidade.
O segundo grupo está composto por aquelas pessoas nascidas na República Dominicana, mas que são filhas de imigrantes, que nunca foram registradas pelos seus pais porque eles não tinham documentos. Esta nova lei diz que para estas pessoas restituírem sua nacionalidade, deve ser solicitada uma certidão de nascim
ento no hospital em que nasceu e apresenta-lo no Ministério do Interior e na Polícia. Com isto em mãos, poderá ser dado entrada no pedido de Certidão de Nascimento de Estrangeiro e, posteriormente, mediante um processo legal de naturalização, esta pessoa poderá ter a nacionalidade dominicana.
Ou seja, em ambos os casos, uma pessoa simplesmente por ser filho de imigrante, mesmo nascendo em território dominicano, tem que ser considerada estrangeira na própria terra em que nasceu.
Além do mais, este processo é muito lento e as mulheres haitianas são as mais prejudicadas já que a maioria não tem documentos de seu país de origem e os custos para conseguir os documentos são muito altos. Definitivamente não há vontade política para resolver a situação.

C – Como foi a reação da sociedade?

WC – A maioria dos especialistas e advogados questiona a decisão do Tribunal Constitucional dominicano. Diferentes organizações de direitos humanos e sociais rechaçam a decisão. O presidente teve que nomear um grupo de constitucionalistas para que eles avaliem o que fazer, por isso ainda aguardamos uma decisão final do poder executivo.

C – O que a sociedade civil organizada está fazendo sobre este tema?

WC – Estamos nos unindo em um movimento que vai mobilizar a comunidade internacional, que é nossa principal aliada. A partir de janeiro retornaremos a mobilização, denunciando o Estado dominicano nacional e internacionalmente.

 

 

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