Voltar
-
07/11/2022

Tragédia em Mariana: Sem acordo com pessoas atingidas, empresas sofrem pressão de investidores internacionais

Tentativa de acordo foi formalmente encerrada em 2022, enquanto investidores internacionais exercem pressão

Para Mônica Santos, o ideal seria que os direitos das pessoas atingidas fossem concedidos imediatamente, apesar de saber que algumas coisas jamais poderão ser recuperadas (Foto: Marcela Nicolas e Guilherme Gandolfi/Cáritas MG.) Para Mônica Santos, o ideal seria que os direitos das pessoas atingidas fossem concedidos imediatamente, apesar de saber que algumas coisas jamais poderão ser recuperadas (Foto: Marcela Nicolas e Guilherme Gandolfi/Cáritas MG.)

Sete anos depois do rompimento da barragem da Samarco — mineradora controlada pela brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton —, as pessoas afetadas pelos 62 milhões de metros cúbicos de lama em um dos maiores crimes socioambientais do país continuam sem reparação. Depois de disputas na justiça, as casas prometidas para os atingidos não têm sequer um prazo de entrega.

Para Mônica dos Santos, liderança que faz parte da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), a demora acontece por falta de interesse das empresas. “É incompetência”, garante ela, à Conectas. “Além de estarem causando/violando mais direitos, eles não querem resolver o problema. Até as coisas mais simples conseguem agravar. Muitos estão ganhando dinheiro com o atraso. Só quem não ganha são os atingidos, que estão morrendo sem serem indenizados.”

Desde que as obras começaram, 47 pessoas já morreram sem conseguir ver suas casas construídas. 

Para aprender a lidar com as negociações das empresas, Mônica dos Santos decidiu cursar direito, graduando-se em abril de 2022. “Apesar de ter feito cinco anos do curso sem acreditar na justiça, aprendi a compreender muita coisa. Mostrou o quanto eu posso ser resiliente, diante de tantas audiências que acompanhei” acredita ela, pontuando que não quer ter o mesmo destino dos companheiros que se foram. 

“Estamos todos em grande maioria adoecidos e com muito medo de acontecer o que aconteceu com 47 moradores que morreram nesses sete anos. As pessoas estão com depressão, síndrome do pânico, muitas já tentaram suicídio, sem contar o medo de não alcançar sua moradia.”

O ônus da mora

Em setembro de 2022, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, ao lado do Ministério Público e das Defensorias Públicas, encerraram formalmente as negociações de indenização pela tragédia sem chegar a um resultado. A tentativa de acordo conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não avançou porque a Samarco, a Vale e a BHP Billiton não se propuseram a pagar os valores requeridos no prazo pedido. 

Enquanto a ação dos governos pede R$ 214 bilhões, a proposta das empresas é de R$ 110 bilhões, sendo quase metade a ser paga em 16 anos. De acordo com o ofício governamental enviado ao CNJ: “A aceitação de tais prazos significaria transferir o ônus da mora àqueles que mais necessitam das medidas”.

As empresas também não aceitaram pagar a indenização de danos futuros do desastre, aqueles que ainda não puderam ser avaliados. Depois de 250 reuniões, as partes continuaram em um impasse. Além disso, os atrasos em indenizações e na execução de programas prometidos pela Fundação Renova, responsável por cuidar da reparação aos atingidos, renderam mais de 85 mil processos judiciais.

Vida interrompida

Alguns destes problemas puderam ser acompanhados de perto por Doug McMurdo, presidente do LAPFF (Local Authority Pension Fund Forum), fundo britânico que administra US$ 630 bilhões, e representa cerca de 40 investidores da mineradora BHP. 

Há tempos, a BHP é pressionada por investidores a acelerar o processo de reparação do rompimento da barragem da Samarco. Mas, em uma visita entre os dias 11 de agosto e seis de setembro de 2022, McMurdo percebeu que essas reparações não estavam aceleradas o suficiente. 

Além disso, apesar de se encontrar com representantes da Vale, os representantes da BHP recusaram o convite de encontro, fazendo McMurdo questionar as competências da empresa. “Ser ignorado por uma razão completamente incompreensível atinge um nervo muito sensível”, afirmou em entrevista, ao jornal The Sunday Morning Herald. “Isso também levanta muitas questões para os membros da LAPFF e outros investidores, em relação à eficácia da liderança e governança corporativa de uma empresa se recusa a responder perguntas razoáveis ​​– e, na opinião da LAPFF, importantes e necessárias – dos investidores.”

Na opinião de McMurdo, as empresas devem eliminar intermediários nas negociações. “Parece à LAPFF que a Fundação Renova deve ser dissolvida e que a BHP e a Vale precisam assumir o controle e a responsabilidade diretos pelas atividades restantes de limpeza e reparação, incluindo um envolvimento efetivo e significativo com os membros da comunidade afetada e outras partes interessadas.”

Para Mônica Santos, o ideal seria que os direitos das pessoas atingidas fossem concedidos imediatamente, apesar de saber que algumas coisas jamais poderão ser recuperadas. “Sinto falta de absolutamente tudo, mas em especial da foto do meu pai, que faleceu quando eu tinha sete anos. Para lembrar da fisionomia dele, eu costumava olhar para as fotos que, infelizmente, foram todas levadas pela lama”, recorda ela. “A expectativa é de devolverem o nosso cantinho para podermos seguir a nossa vida, que foi interrompida no dia 5 de novembro de 2015.”

Leia também: Tragédia em Mariana: Sete anos depois, atingidos continuam sem reparação

Informe-se

Receba por e-mail as atualizações da Conectas