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11/07/2014

Termina a 26a sessão do Conselho de Direitos Humanos

Países avançam na responsabilização de empresas violadoras; direitos sexuais sofrem grave retrocesso

A general view at a 26th session of the Human Rights Council. 26 June 2014. UN Photo / Jean-Marc Ferré A general view at a 26th session of the Human Rights Council. 26 June 2014. UN Photo / Jean-Marc Ferré

O debate sobre a responsabilização de empresas que violam direitos humanos ganhou grande força durante a 26a sessão do CDH (Conselho de Direitos Humanos da ONU), realizada entre os dias 10 e 27 de junho em Genebra, na Suíça. Após uma série de negociações extremamente polarizadas, o resultado foi a aprovação de duas resoluções diferentes sobre o tema, apesar das tentativas de consenso.

A primeira delas aposta no início imediato da negociação, por meio de um grupo de trabalho intergovernamental, de um instrumento internacional vinculante capaz de garantir a responsabilização de atores privados transnacionais. A segunda resolução renova o mandato do Grupo de Trabalho do CDH sobre o tema. Para Conectas, os dois processos são complementares e apontam para uma necessidade inadiável de alcançar avanços reais na matéria.

Os sinais positivos na área de empresas e direitos humanos foram contrapostos a graves retrocessos nos debates sobre orientação sexual e identidade de gênero. Durante a sessão, foi adotada uma resolução que não reconhece as mais diversas formas de família – contrariando os mais altos padrões internacionais de direitos humanos. Em seu voto, o Brasil se absteve. A decisão foi repudiada pela sociedade civil brasileira, que cobrou explicações formais.

Veja abaixo um resumo dos destaques da sessão:

Empresas e Direitos Humanos

Ao longo da sessão, foram adotadas duas resoluções diferentes sobre empresas e direitos humanos. A primeira, liderada por Noruega, Argentina, Gana e Rússia, renovou, por consenso, o mandato do Grupo de Trabalho das Nações Unidas (GT) sobre o tema e solicitou que o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, em parceria com o GT, realize um estudo sobre as “opções legais e medidas práticas para aprimorar o acesso a remédios judiciais” para vítimas de violações de direitos humanos cometidas por empresas.

Conectas e organizações parceiras publicaram carta analisando os três anos de atuação do Grupo e destacando suas principais deficiências. Essas fragilidades já haviam sido discutidas com próprio GT durante pronunciamento oral nessa mesma sessão.

Alguns avanços foram identificados no texto, como a menção aos desafios na área de remédios judiciais efetivos. Eles também serão alvo de um estudo e de um novo item no próximo Fórum de Empresas e Direitos Humanos.

Ainda que a resolução faça referência à jurisprudência dos órgãos de tratados da ONU, os Estados falharam ao não incluir uma menção expressa à Declaração dos Povos Indígenas e à jurisprudência da Corte Interamericana – o que contribuiria com a adoção dos mais altos padrões de direitos pelo GT. Tampouco se conseguiu avançar na linguagem sobre defensores de direitos humanos, na definição das instituições financeiras públicas como alvo prioritário do GT e na melhora de seus métodos de trabalho – uma das mais importantes demandas do Observatório do GT, do qual Conectas faz parte.

segunda resolução, liderada por Equador e África do Sul, foi aprovada com 20 votos a favor, 14 abstenções (entre as quais a do Brasil) e 13 votos contra. Criou um grupo de trabalho intergovernamental para a elaboração de um instrumento vinculante sobre empresas transnacionais e outras empresas comerciais – atendendo demanda explicitada em 2013 por 500 organizações de todo o mundo, incluindo a Conectas.

Como manifestou o Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos da Red-DESC, da qual Conectas faz parte, essa aprovação traz perspectivas de avanço na proteção dos direitos humanos, mas impõe algumas dificuldades iniciais. Um exemplo é a limitação do futuro acordo a empresas de caráter transnacional. A restrição foi incluída no texto pouco antes de seu envio à plenária.

Resolução de Proteção à Família

Ameaça antiga no CDH, a resolução sobre família, foi aprovada no Conselho nessa sessão, com 26 votos a favor, 6 abstenções (incluindo a do Brasil) e 14 contra.

A resolução afirma que “a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade”. Embora essa perspectiva encontre eco nos mais importantes tratados internacionais, a prática jurisprudencial já aprimorou sua interpretação e reconheceu as mais diversas formas de família.

Por conta disso, países como Chile e França propuseram uma emenda reconhecendo tal diversidade. Um movimento estratégico da Federação Russa, no entanto, impediu que a sugestão sequer fosse discutida. Os diplomatas russos valeram-se de uma moção de não-ação, aprovada por 22 votos a favor, 4 abstenções e 20 votos contrários.

Um retrocesso ainda maior, no entanto, conseguiu ser evitado: a Arábia Saudita retirou da discussão uma emenda que definia família como núcleo formado por um homem e uma mulher.

O Brasil, embora tenha votado contra a moção de não-ação e feito uma justificativa de voto condizente com seus compromissos internacionais, absteve-se na votação final. Diante disso, Conectas e organizações parceiras enviaram carta solicitando explicações formais aos diplomatas.

Para as entidades, a abstenção “está em franco desacordo com o compromisso assumido pelo Estado brasileiro em relação ao Programa de Ação da Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, reafirmada de maneira sólida no Consenso de Montevideo, (…) e sobretudo contrasta abertamente com a realidade sócio demográfica das estruturas familiares na sociedade brasileira, assim como com as normas jurídicas estabelecidas sobre a matéria.”

Ações da Conectas

Além de monitorar os debates e os votos do governo brasileiro, Conectas levou à 26a sessão do Conselho diversas denúncias sobre as persistentes violações aos direitos humanos no País. Em pronunciamento oral, a organização, juntamente com o Centro de Estudios Legales y Sociales (Argentina), falou sobre a urgente necessidade do país desenvolver uma política migratória consistente e respeitosa dos direitos humanos, aprovar uma nova lei migratória que traga a perspectiva de direitos e ratificar a Convenção da ONU para Trabalhadores Migrantes, indo na mesma direção de medidas aprovadas por outros países da região.

Com o apoio de organizações parceiras, Conectas também denunciou os retrocessos à liberdade de expressão no País em outro pronunciamento oral e durante evento paralelo organizado pela coalização INCLO. Ainda, trouxe para o debate geral sobre direitos humanos as violações decorrentes da realização da Copa do Mundo.

Veja aqui a íntegra de todos os pronunciamentos orais feitos pela Conectas em Genebra.

Além das denúncias, Conectas e parceiros organizaram um debate sobre a influência das ONGs na política externa de seus países. No evento foi lançada edição 19 da Revista SUR. Diplomatas discutiram com ativistas estratégias e boas práticas na relação entre Estados e organizações antes, durante e depois de reuniões multilaterais – como é o caso das sessões do CDH.

Também foi possível apresentar e debater as experiências da organização no trabalho com relações internacionais em evento organizado pelo Commonwealth Human Rights Initiative, onde apontou-se a necessidade de democratizar da política externa.

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