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20/02/2015

‘Tapa na Cara’

Ativista da Guiné Equatorial pede que brasileiros fiquem ao lado de seu povo e não de ditador

Teodoro Obiang has been in power in Equatorial Guinea since 1979 Teodoro Obiang has been in power in Equatorial Guinea since 1979

O enredo deste ano da Beija-Flor, que venceu o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro ao homenagear a Guiné Equatorial, foi recebido por ativistas do país como um verdadeiro ‘tapa na cara’.

O país tem um dos maiores PIBs per capita da África, explicado pela intensa exploração de petróleo desde meados dos anos 1990. O progresso econômico, entretanto, não resultou em avanços sociais significativos. A Guiné Equatorial ocupa apenas a posição 144 entre 187 países no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU e são comuns denúncias de corrupção e violações dos direitos humanos.

Por isso, o desfile da escola carioca, ocorrido em meio a alegações de que teria sido patrocinado pelo governo Obiang, foi considerado “humilhante” por ativistas do país. Tutu Alicante, diretor executivo da EG Justice, entidade que promove os direitos humanos na Guiné Equatorial, falou à Conectas. Acompanhe:

Conectas – Como você reagiu ao desfile da escola de samba Beija Flor que homenageou a Guiné Equatorial?

Tutu Alicante – Foi horrível, humilhante, um tapa na cara das pessoas do meu país. Não tenho nada contra os brasileiros dançarem ou se divertirem, mas fazer isso com o dinheiro de gente pobre, que não tem educação, saúde e nem liberdade para reclamar desta falta não é certo. E pior, passa a imagem de que vai tudo bem no país, quando não vai.

C – Quais os principais problemas?

TA – Temos um ditador, Teodoro Obiang, há mais de três décadas no poder, que reprime com mão de ferro qualquer dissidência, auxiliado pelo dinheiro vindo da exploração recente do petróleo. Para se ter uma ideia, as pessoas dentro do país nem sabem o que aconteceu. Não há praticamente nenhuma menção ao desfile na imprensa local, toda controlada pelo governo.

C – Além da suspensão da pena de morte, outra condição para a entrada da Guiné Equatorial na CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), em 2014, foi uma maior integração da sociedade civil do país nas atividades da entidade. Isso vem ocorrendo?

TA – Nem um pouco. Não há espaço para a sociedade civil trabalhar dentro da Guiné Equatorial (Observação: a EG Justice tem sede nos Estados Unidos porque o trabalho de ONGs de direitos humanos é praticamente impossível dentro do país).

Se, por exemplo, você pede permissão para realizar um pequeno e pacífico protesto, nunca consegue e, caso resolva ir em frente, pode ser detido. Os ativistas lá não podem usar a internet livremente porque ela é censurada e o acesso, limitado. Restam então mensagens de texto e ligações telefônicas.

Quanto à moratória na pena de morte, isso não aconteceu. Nenhum projeto foi sequer apresentado e execuções extraoficiais continuam ocorrendo.

Em resumo, o governo de Obiang está em uma posição confortável demais. Não enfrenta oposição interna como alguns países do Oriente Médio ou pressão real externa.

C – O que esperar em um futuro próximo?

TA – Na verdade, com a enorme quantidade de dinheiro vinda do petróleo recentemente, Obiang tem mais meios de se manter no poder e preparar a transição de poder para seu filho Teodorin que, se nada acontecer, deve ser o próximo presidente.

Ele vem gastando bastante dinheiro tentando transmitir uma imagem positiva no exterior. E na imprensa local, são comuns fotos suas com líderes como Obama ou Dilma.

Por isso é preciso que outros países saibam o que acontece. E o Brasil, como uma potência que apoiou a entrada da Guiné Equatorial na CPLP, pode exercer alguma influência. Não tenho esperanças que a Beija-Flor desista do prêmio conquistado, mas espero que os brasileiros prefiram ficar ao lado do povo do meu país do que de seu governo corrupto e opressor.

 

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