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27/10/2020

STF julga legalidade da revista vexatória; entenda o que está em jogo

Supremo volta a analisar um recurso que define se são válidas as provas obtidas por meio deste procedimento

Entidades da sociedade civil pedem que STF não aceite supostas provas obtidas em revista vexatória (Foto: Ediwirges Nogueira/Agência Brasil) Entidades da sociedade civil pedem que STF não aceite supostas provas obtidas em revista vexatória (Foto: Ediwirges Nogueira/Agência Brasil)

Atualizado em 10 de maio de 2023

O STF (Supremo Tribunal Federal) deve retomar a discussão na sexta-feira (12) sobre a legalidade da revista íntima e vexatória de visitantes em estabelecimentos prisionais, analisando se a prática pode violar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à intimidade, à honra e à imagem do cidadão, bem como se são lícitas provas obtidas por meio deste procedimento. O caso ficará no plenário virtual da Corte até o dia 19 de maio. Até o momento, cinco ministros já votaram, sendo que três deles são favoráveis à tese de que a prática é ilegal.

A questão é objeto do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959620, com repercussão geral e servirá de base para a resolução de, pelo menos, 14 casos semelhantes sobrestados em outras instâncias. O recurso foi interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP-RS) contra decisão do Tribunal de Justiça local (TJ-RS), que absolveu da acusação de tráfico de drogas uma mulher que levava 96 gramas de maconha no corpo para entregar ao irmão, preso no Presídio Central de Porto Alegre (RS). Segundo o TJ-RS, a prova foi produzida de forma ilícita, em desrespeito às garantias constitucionais da vida privada, da honra e da imagem, pois a visitante foi submetida ao procedimento de revista vexatória no momento em que ingressava no sistema para realizar visita ao familiar detido.

A revista vexatória é um procedimento invasivo e degradante ao qual são submetidos familiares de pessoas privadas de liberdade durante visitas a unidades prisionais. Mães, filhas, irmãs e esposas de pessoas presas são obrigadas a se despir completamente, agachar três vezes sobre um espelho, contrair os músculos e abrir com as mãos o ânus e a vagina para que agentes do Estado possam realizar buscas de objetos em suas partes íntimas. 

“A  prática viola direitos fundamentais, como a presunção de inocência e o direito de não ser submetido a tratamentos degradantes. Apesar de proibido por legislações estaduais, este método ainda é realidade em unidades prisionais e em abordagens policiais nas ruas e espaços públicos”, destaca Gabriel Sampaio, diretor de litigância e incidência da Conectas. 

Em seu voto — proferido em 2020, quando o tema estava pautado na Corte –, o ministro Edson Fachin, relator do recurso, assinalou que as provas obtidas a partir de práticas vexatórias, como o desnudamento de pessoas, agachamento e busca em cavidades íntimas, por exemplo, devem ser qualificadas como ilícitas, por violação à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais à integridade, à intimidade e à honra. O ministro observou que, de acordo com a Lei 10.792/2003, que alterou a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) e o Código de Processo Penal, o controle de entrada nas prisões deve ser feito com o uso de equipamentos eletrônicos como detectores de metais, scanners corporais, raquetes e aparelhos de raios-X. A ausência desses equipamentos, para o ministro, não justifica a revista íntima.

Humilhante e injustificada

Além de humilhante, a manutenção da revista vexatória é injustificada. No Estado de São Paulo, de acordo com pesquisa da Defensoria Pública, apenas 0,02% das revistas resultaram em apreensão de objetos. Dados fornecidos pelo estado do Paraná constatam que, em 2018, em apenas 0,18% das revistas íntimas de visitantes foram apreendidas drogas e, em 0,01% foram apreendidos celulares. 

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Já das apreensões informadas pelo Distrito Federal no mesmo ano, apenas 0,2% foram advindas de visitantes. O  número do DF não necessariamente correspondia a objetos perigosos. Entre os materiais, foram encontrados moedas, tinta de caneta para tatuagem, medicação e bilhetes, além de substâncias entorpecentes, cartão de memória e chip de celular. 

Organizações pedem fim do procedimento

As entidades Conectas Direitos Humanos, ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania) e IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) participam do julgamento como amici curiae (amigas da corte) e destacam a ilegalidade do procedimento. As organizações compõem a Rede Justiça Criminal, uma articulação de nove organizações que atua por um sistema de justiça pautado pelos direitos humanos. O coletivo enviou parecer técnico aos ministros e ministras do STF, solicitando que a prática seja considerada inconstitucional.

“O princípio de que a pena não pode ultrapassar a pessoa do condenado está entre os fundamentos mais básicos do direito penal. Mesmo assim, o simples fato de ter vínculos afetivos com pessoas presas faz com que milhares de pessoas passem todas as semanas por um procedimento tão degradante como a revista vexatória”, ressalta Janine Salles, coordenadora executiva da RJC. As organizações peticionárias defendem, portanto, que a Corte considere inconstitucional a prática da revista íntima vexatória e, consequentemente, as provas obtidas ou produzidas a partir dela.

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