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18/07/2023

Qual o papel de organizações de direitos humanos nas negociações climáticas

Discussões sobre o meio ambiente que não incluem as pessoas mais atingidas pelas catástrofes são respostas ineficientes à emergência climática

Conferência de Bonn, realizada em junho deste ano. Foto: UN Climate Change Conferência de Bonn, realizada em junho deste ano. Foto: UN Climate Change

Para contrapor o termo “desenvolvimento”, o pensador quilombola Nego Bispo usa a palavra “envolvimento”. “A humanidade é contra o envolvimento, é contra vivermos envolvidos com as árvores, com a terra, com as matas. Desenvolvimento é sinônimo de desconectar, tirar do cosmo, quebrar a originalidade”, escreveu ele em “A terra dá, a terra quer” (ed. Ubu). “Relacionar-se de forma original, para o eurocristão, é pecado. Eles tentam humanizar e tornar sintético tudo o que é original.”

Se estivesse presente na Conferência de Bonn sobre Mudanças Climáticas (SB58), realizada em junho, na Alemanha, e em outras reuniões mundiais que tratam do tema,  Nego Bispo veria seus conceitos ganhando forma. O evento — que reuniu 196 países e foi projetado para analisar o andamento das negociações climáticas antes da COP28, que acontecerá nos Emirados Árabes Unidos, em dezembro —, foi marcado pelo triunfo do “desenvolvimento” sobre o “envolvimento”, em uma evidente falta da conexão do tema dos direitos humanos com as questões do clima. 

Como aponta Claudio Angelo, coordenador de Comunicação e Política Climática do Observatório do Clima, os conflitos políticos entraram pela porta da frente em Bonn. “Eles se instalaram de uma maneira como eu nunca tinha visto em intersessionais desde o pré-Copenhague”, observou. “O que deveria ter sido um encontro técnico e de baixíssimo perfil foi sequestrado pelo conflito de sempre entre países emergentes que não querem cortar emissões e países desenvolvidos que não querem pagar sua dívida histórica de financiamento climático.” 

Para Angelo, o clima de desconfiança entre as partes presentes na conferência manda um sinal muito negativo para a COP28, a qual, segundo ele, “já não inspira confiança devido à sua presidência, muito questionada internacionalmente”. “Um sucesso em Dubai seria uma surpresa para mim”, diz. Isso porque, além de acontecer nos Emirados Árabes, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, o evento será presidido pelo CEO da companhia nacional de petróleo, Sultan Ahmed al-Jaber. 

Convenção de combustíveis fósseis?

No primeiro dia da conferência de Bonn, um grupo de cerca de 20 mulheres da política e ativistas do clima publicaram uma carta aberta pedindo a nomeação de uma copresidente para a COP28. A ideia é trazer equilíbrio de poder e garantir presença nos diálogos, considerando que, desde a primeira COP, em 1995, a presidência do evento só foi comandada por mulheres em cinco ocasiões. 

Essa assimetria é preocupante porque, como apontou um relatório da ONU, publicado em 2022, as mulheres sofrem 14 vezes mais risco de morrer em catástrofes climáticas do que  homens. “As mulheres são as primeiras vítimas da desregulação climática. Ainda assim, elas estão completamente ausentes da mesa de negociações”, afirmou à agência RFI a ambientalista francesa Elise Buckle, que coordenou a formulação da carta. “Se quisermos lutar juntos contra as mudanças climáticas e não transformar as negociações sobre o clima em uma convenção sobre os combustíveis fósseis, comecemos por dar prioridade às pessoas mais atingidas, e não àquelas que aproveitam de um status quo e de uma falta de coragem sobre as energias fósseis.”

Segundo Emanuelle Góes, observadora da SB58, epidemiologista, pesquisadora e líder da linha de pesquisa “Equidade e Justiça de Gênero”, da Associação de Pesquisa Iyaleta, as discussões sobre o tema foram tímidas. “Foram apresentadas iniciativas locais com medidas realizadas por alguns países e agências das Nações Unidas, a exemplo de PNUD, UNFPA e ONUMulheres”, explica. “O que refletiu nas discussões foi sobre governança (participação das mulheres no centro das decisões) e planejamento inclusivo com financiamento e políticas integradas. Isso chama a atenção para a necessidade de expertises que pensem sobre mudanças climáticas e gênero, e mudanças climáticas e saúde reprodutiva, por exemplo.” 

Além da participação das mulheres, as contribuições indígenas nas discussões sobre o clima se tornam cada vez mais inevitáveis para o enfrentamento de um colapso global. Nesse sentido, foi notável a participação da delegação do Brasil, que contou com importantes lideranças. “Depois de anos de trabalhos e articulações para tornar acessível e inclusiva a participação dos brasileiros, principalmente na SB56 e na COP27, este ano, a delegação conseguiu tecer contribuições técnicas precisas ao trabalho da Plataforma nas áreas de adaptação, Balanço Global, às atividades em planejamento para a COP28, em Dubai, e no novo plano de trabalho 2025-2027”, explica Andreia Fanzeres, da Operação Amazônia Nativa (OPAN). 

Para Gabriel Mantelli, assessor do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas, “os fóruns internacionais que discutem clima e meio ambiente e os tomadores de decisão precisam sublinhar que excluir das discussões as pessoas mais afetadas pelas catástrofes ambientais e climáticas só ajuda a intensificar o problema da emergência climática”. Por essa razão, organizações de direitos humanos, como a Conectas, tem defendido a aplicação de uma linguagem de direitos humanos nas decisões de clima. Segundo Mantelli, “os embates sobre a linguagem não só não podem ser tratados como pontos menores, mas, também, precisam ser dirimidas a partir do regime internacional dos direitos humanos em diálogo com as demandas das populações mais vulnerabilizadas pela crise climática”.  

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