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15/05/2020

Qual a importância de rastrear armamentos e munições no Brasil?

Sem esclarecimentos ou consulta pública, Bolsonaro revogou portarias do Exército que estabeleciam a marcação e rastreamento de armas e munições

Obsolete and unusable weapons taken to be destroyed by the Army. Photo: Tânia Rego/Agência Brasil) Obsolete and unusable weapons taken to be destroyed by the Army. Photo: Tânia Rego/Agência Brasil)

Há cerca de um mês, em 17 de abril, o presidente Jair Bolsonaro determinou a revogação de três portarias do Exército Brasileiro que estabeleciam protocolos para a identificação, rastreamento e controle de armas, explosivos e munições fabricadas no país, exportadas ou importadas.

As portarias 46, 60 e 61, haviam sido publicadas em março e abril deste ano, a partir de uma recomendação do MPF (Ministério Público Federal), elaborada em julho de 2018, após investigação sobre a origem dos projéteis usados na execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes.

Uma auditoria realizada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) sobre a fiscalização de produtos controlados pelo Exército também foi decisiva para a formulação das portarias, especialmente a de número 46.

Após questionamento da PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), órgão vinculado ao MPF, o Colog (Comando Logístico do Exército) admitiu que a revogação, a mando do presidente, das medidas criadas para garantir maior controle sobre armas ocorreu para atender pedidos da “administração pública e das mídias sociais”. A Procuradoria Federal investiga violação de direitos fundamentais e retrocesso social ocasionadas pela suspensão das portarias.

Pressão por mais controle

Investigação conduzida pelo Ministério Público Federal apontou que as munições utilizadas em um assalto a uma agência dos Correios da Paraíba, em julho de 2017, eram do mesmo lote (UZZ-18) das balas usadas para matar a vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, em março de 2018. 

Ainda vieram do UZZ-18 as munições usadas em um dos maiores massacres da história de São Paulo, a chacina de Osasco, em que 17 jovens, em sua maioria negros das periferias, dos municípios de Barueri e Osasco foram executados, em agosto de 2015.

Estas descobertas, somadas a pressão do setor bancário preocupado em reduzir o número de ataques a agências e carros-fortes (que usam armas de fogo, munições e explosivos, este último também considerado produto controlado e sujeito à fiscalização do Exército), levaram o Exército a criar um Comitê Técnico para discutir melhorias no sistema. As portarias publicadas em março e revogadas pelo presidente um mês depois são o fruto de cerca de dois anos de trabalho deste grupo.

A portaria 60 determinava a identificação e marcação das armas de fogo fabricadas no país, exportadas ou importadas. Já a medida de número 61 tratava do controle de munições, melhorando a marcação tanto da munição, quanto das embalagens, além de exigir que polícias tivessem um sistema eletrônico para controlar seus estoques de munição).

As portarias também atingiam, ainda que não diretamente os CACs (Colecionador, Atirador e Caçador), melhorando a rastreabilidade das armas e munições destes grupos, inclusive exigindo a marcação de estojos usados em recargas de munição. 

Ambas as portarias foram implementadas após investigações policiais mostrarem que o ex-sargento Ronnie Lessa, apontado como um dos assassinos de Marielle, tinha autorização para comprar armas e munições por possuir o certificado de CAC. Era o mesmo caso do Capitão Adriano, ligado a grupos de milícia e próximo da família Bolsonaro.

Produção sem controle

Durante sua investigação, o Ministério Público Federal apurou que a CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos), fábrica que possui o monopólio da produção de munições no Brasil, estava fabricando lotes com quantidades de projéteis superiores a 30 milhões de cartuchos.

No entanto, resolução do Exército Brasileiro definia como lote padrão máximo até 10 mil munições por lote. O UZZ-18 continha 2,4 milhões de unidades.

De acordo com organizações que atuam no tema, como o Instituto Sou da Paz, a produção de lotes com número de balas acima do que é permitido inviabiliza qualquer tipo de controle e rastreamento.

Aumento do limite para compra

“Além de falhar na fiscalização sobre a produção de munições, o governo federal ainda incentiva sua aquisição e aumenta a demanda, contrariando todos os dados, protocolos e recomendações internacionais sobre o tema”, afirma Juana Kweitel, diretora executiva da Conectas.

Uma semana após a revogação das portarias do Exército, os ministério da Defesa e da Justiça publicaram medida permitindo o aumento dos limites de compra de munição por pessoas físicas.

A partir de abril, o número de munições permitidas para cada pessoa subiu de 200 para 600 por ano. Antes de Bolsonaro assumir a presidência, a quantidade autorizada era de 50 unidades anuais. Um crescimento de 12 vezes, segundo o Sou da Paz.

Investida no Congresso

Na Câmara dos Deputados, foram apresentados sete PDLs (Projeto de Decreto Legislativo) pedindo a suspensão da medida do Ministério da Defesa que revogou as portarias do Exército. Por tratarem exatamente do mesmo tema, seis dos projetos foram anexados ao primeiro, de autoria do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). 

No Senado Federal, também há uma iniciativa nesse sentido, dos senadores do CIDADANIA Alessandro Vieira (SE), Eliziane Gama (MA) e Jorge Kajuru (GO). 

Considerando os sistemas de deliberação remota em uso no Parlamento, em razão do estado de calamidade pública motivado pela pandemia de Coronavírus, os projetos poderiam ser deliberados diretamente pelos Plenários das Casas Legislativas – se assim for acordado pelos líderes partidários.

Ações no STF

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o PDT e o PSOL apresentaram duas ações – ADPFs (Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 681 e 683 – também solicitando a suspensão da decisão presidencial e restaurando os efeitos das portarias originais revogadas. Os partidos alegam que a flexibilização das medidas de rastreamento e marcação de armas facilitaria a ação de atividades criminosas.

As ações estão sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes que determinou a manifestação do Comandante Logístico do Exército, da Advocacia-Geral da União e do Ministério Público Federal antes de se posicionar sobre o pedido.

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