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20/04/2018

O que o Brasil pode aprender com a militarização do México

Rio de Janeiro - Armed Forces on the streets in Vila Kennedy, in the west side of the city (Tânia Rêgo/Agência Brasil) Rio de Janeiro - Armed Forces on the streets in Vila Kennedy, in the west side of the city (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Em 2006, o México começou a adotar uma política de segurança nacional fortemente focada na “guerra às drogas”. Sob a prerrogativa de combate à criminalidade, as Forças Armadas foram convocadas para fazer o papel da polícia e, doze anos depois, centenas de pessoas morreram em confrontos e outras milhares seguem desaparecidas.

O caso mexicano guarda semelhanças com o que vem sendo feito no Brasil com as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs) e, mais recentemente, com a intervenção federal com caráter militar na segurança pública do Rio de Janeiro. Tanto no México como aqui no Brasil, militares têm assumido funções que não são de sua competência e, em caso de cometimento de crimes dolosos contra a vida de civis, serão julgados por tribunais militares.

Olga Guzmán Vergara, Diretora de Incidência Nacional e Internacional da CMDPDH (Foto: Reprodução)

Olga Guzmán Vergara, Diretora da CMDPDH

Dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro mostram que, no primeiro mês de atuação dos militares, os principais índices que medem a violência no Estado pioraram e houve uma diminuição significativa do índice de atividades policiais, como apreensão de armas e drogas.

Para entender um pouco mais sobre como o Brasil pode aprender com a experiência mexicana, a Conectas conversou com Olga Guzmán Vergara, Diretora de Incidência Nacional e Internacional da CMDPDH (Comisión Mexicana de Defensa y Promoción de los Derechos Humanos), uma das organizações que monitora e denuncia violações de direitos humanos no México. Leia a entrevista:

O tema da segurança no México tem ganhado destaque na mídia internacional por conta da violência do crime organizado. A resposta do Estado foi ampliar o uso do Exército, sobretudo a partir de 2017. Você pode nos contar o histórico desta política?

A LSI (Lei de Segurança Interna) [aprovada em 2017] autoriza a atuação de militares em funções de segurança cidadã. Essa lei contraria inúmeras recomendações do Alto Comissariado das Nações Unidas, da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), de especialistas internacionais, de organizações internacionais, universidade e sociedade civil, que fizeram um chamado para que a lei não fosse aprovada e que não houvesse a militarização da segurança pública, pois isso viola a Constituição do México e também tratados internacionais.

De forma muito perigosa, a LSI concede poderes e dá autonomia às Forças Armadas para realizar atividades correspondentes àquelas de responsabilidade de autoridades civis, como atividades de investigação criminal policial. É importante ressaltar que o conceito de segurança interna é definido de forma ambígua e relaxada, o que gera insegurança jurídica e facilita abusos. Além disso, a LSI tem uma regulação inadequada sobre o uso da força, o que põe em risco direitos como à vida e à integridade pessoal.

Em resumo, além de ser contrária a um modelo de democracia e de princípios internacionais dos direitos humanos, esta lei é também uma política de Estado que promove o cometimento de crimes de lesa humanidade, como assassinatos, desaparecimentos forçados e tortura.

Por que o Estado decidiu usar o Exército em vez de fortalecer a polícia e as estratégias de prevenção e investigação?

Porque o Estado mexicano não tem vontade política de acabar com o ciclo de violência e impunidade. A impunidade que impera no México demonstra uma atitude passiva e tolerante por parte das autoridades mexicanas para investigar e punir graves violações de direitos humanos e crimes atrozes. Existe uma obstrução sistemática da Justiça por parte das autoridades mexicanas encarregadas de investigar os delitos, e as instituições mexicanas têm demonstrado ser incapazes de impedir o cometimento de crimes de lesa humanidade e de cumprir com suas obrigações internacionais de investigar, prevenir e punir os autores de delitos, especialmente quando há o envolvimento de funcionários públicos.

Passado o tempo, como você avalia os resultados da militarização? Quais são as principais violações de direitos registradas?

Desde 2006, milhares de soldados e marinheiros têm sido convocados para desempenhar tarefas de segurança pública e para empregar a força letal militar contra aqueles que são considerados como integrantes das organizações criminais. Esta política de Estado não foi acompanhada de um marco legal que delimitasse as funções das Forças Armadas, provocando assim uma série de abusos, incluindo crimes atrozes que, em sua esmagadora maioria, continuam impunes.A escalada de violência no país tem produzido um número indeterminado de vítimas diretas e indiretas. Além disso, centenas de milhares de pessoas foram forçadas a fugir de seus lares como resultado da violência generalizada, dos confrontos armados e das violações aos direitos humanos. Estes crimes constituem-se como crimes de lesa humanidade e que, em algumas regiões do país, há elementos suficientes para afirmar que são cometidos de maneira generalizada e sistemática contra a população civil.

Na sua opinião, quais são as medidas urgentes e a longo prazo para reduzir a força do crime organizado?

Em primeiro lugar, o México deve aceitar a crise de direitos humanos na qual se encontra imerso como um primeiro passo para tomar medidas para reivindicar os assassinatos, os atos de tortura e os desaparecimentos forçados, e aceitar a cooperação e assistência técnica, política e financeira da comunidade internacional.

É preciso revogar a LSI, estabelecer um plano de retirada gradual das Forças Armadas das tarefas de segurança pública e empreender uma reforma policial a fim de fortalecer as capacidades e a eficácia das corporações policiais no julgamento de crimes. O México deve instalar um Mecanismo Internacional Complementar para fazer frente à impunidade, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas, com especialistas em investigação penal de outros países. A implementação deste Mecanismo terá como objetivo fortalecer as capacidades de investigação das procuradorias do país em delitos como tortura, desaparecimentos forçados e homicídios dolosos, quando são cometidos em grande escala e como parte de um plano ou política de organizações criminais ou de instituições do Estado.

É preciso reconhecer o fenômeno interno de deslocamento forçado em nível nacional. Para isso, deve adotar uma legislação que contenha a definição de deslocamento interno forçado. Também deve produzir informação que quantifique a escala do problema, estabelecendo um sistema de abastecimento de informação, entender as causas estruturais do fenômeno e monitorá-lo de forma permanente.

Por fim, o México deve criar uma Procuradoria-Geral da República autônoma e independente, com pressupostos próprios para realizar investigações imparciais. A Procuradoria deve contar com capacidades técnicas para investigar violações de direitos humanos. A Procuradoria deverá ter um escritório especializado para investigar graves violações a direitos humanos.

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