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13/10/2015

Nota pública: A passos lentos

Dois meses após a chacina na Grande São Paulo, autoridades ainda não convencem de que estão dedicadas a solucionar o caso

Dois meses após a chacina na Grande São Paulo, autoridades ainda não convencem de que estão dedicadas a solucionar o caso Dois meses após a chacina na Grande São Paulo, autoridades ainda não convencem de que estão dedicadas a solucionar o caso

Após 60 dias da execução a sangue frio de 19 pessoas nas cidades de Osasco e Barueri, as autoridades paulistas só conseguiram provar uma coisa: a falta de preparo técnico e vontade política para esclarecer os fatos e apontar os responsáveis pela chacina.

A investigação evidenciou a disputa de atribuições entre a DHPP (Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil) e a Corregedoria da Polícia Militar. Mesmo que supostamente coordenadas em uma força tarefa, os órgãos relutaram em trocar informações, disputando protagonismos e possivelmente atrapalhando a produção de um conjunto de provas robusto e completo.

Para a Conectas, acusações mútuas entre membros da Justiça comum e militar, denúncias de atropelos processuais e falta de transparência nas investigações colocam em xeque o real interesse do Estado em apresentar respostas convincentes às famílias das vítimas e à sociedade. A situação ilustra, ainda, a improvisação e a falta de preparo estrutural das polícias para elucidar mortes decorrentes da ação policial – que, justamente por isso, passam impunes na maior parte das vezes.

A chacina e suas circunstâncias, por si só, já demandariam uma investigação célere, acurada e responsável, mas os indícios da participação de policiais nos assassinatos exigem ainda maior grau de interesse e precisão na apuração dos fatos.

Segundo informações divulgadas na imprensa, as mortes teriam sido praticadas por policiais militares em retaliação à morte de um colega dias antes, e que o grupo responsável por essas mortes seria, na verdade, culpado por outras 13 execuções na mesma região.

Esse caso faz parte de um quadro de violência sistemática. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, os seis primeiros meses de 2015 registraram recorde de pessoas mortas em suposto confronto com policiais civis e militares em horário de serviço. Foram 358 pessoas (o maior número desde 2003), 9,8% a mais do que o registrado no mesmo período de 2014 – ano mais violento também desde 2003, com um total de 708 mortes por policiais em horário de serviço.

Mudanças estruturais

Diante desse cenário de brutalidade, violência e descontrole, é fundamental que o Ministério Público paulista exerça seu papel constitucional no controle da atividade policial e apure, com rigor e precisão, todas as circunstâncias das mortes, apontando os responsáveis. Além de maior interesse do MP, a Polícia Civil, órgão subordinado ao governador do estado e legitimado para investigações, deve apurar os fatos sem amarras ou constrangimentos, independente das consequências que isso possa gerar, a quem quer que seja.

A ligação de policiais a chacinas na Grande São Paulo, bem como a semelhança com tantas outras não elucidadas por falta de vontade política, demonstra que grupos de extermínio existem e não são fenômenos episódicos como alguns discursos oficiais levariam a crer. A alta letalidade e a atuação vingativa pessoal só é possível dentro da lógica militar – de resultados e contra inimigos – pela qual são formadas nossas forças de segurança.

Nesse sentido, a chacina de Osasco e Barueri impõe também uma obrigação ao poder público e à sociedade: a urgente e inadiável reforma do modelo militarizado de polícia, que continua reproduzindo a visão do cidadão como potencial inimigo a ser combatido. Essa reforma do modelo de polícia deve partir de ao menos quatro pressupostos: ciclo completo; carreira única, não militarizada e ouvidorias e corregedorias externas.

Sem um real compromisso com essa mudança estrutural – recomendada no relatório final da Comissão Nacional da Verdade – as polícias brasileiras e, em particular, do estado de São Paulo, continuarão a figurar entre as mais violentas do mundo.

Ademais, é urgente que os órgãos da perícia científica sejam desvinculados das secretarias de segurança pública, o que ocorre no estado de São Paulo. As perícias médico legais devem ser autônomas e independentes das forças de segurança, garantindo imparcialidade e que haja ambiente livre de pressões, principalmente nos casos que envolvam outros agentes públicos.

Outra mudança importante é que o governo de São Paulo aprimore a coleta e sistematização de dados envolvendo chacinas no estado. Hoje há pouca transparência, ou mesmo uniformização, sobre os critérios oficiais utilizados que definem uma situação envolvendo mortes como sendo uma chacina. O levantamento desse tipo de dado auxilia políticas públicas no sentido de preveni-las e responsabilizar seus agentes.

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