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28/11/2023

“Não há lugar seguro na Faixa de Gaza”, afirma diretora-executiva do MSF no Brasil

Em entrevista à Conectas, Renata Reis detalha situação humanitária em Gaza e fala sobre o papel da pressão internacional no conflito

Renata Reis diretora-executiva do MSF no Brasil. Foto: Luiza Trindade/MSF Renata Reis diretora-executiva do MSF no Brasil. Foto: Luiza Trindade/MSF

A nova fase do conflito entre Hamas e Israel levou a situação humanitária na Faixa de Gaza a níveis catastróficos, afirma Renata Reis, diretora-executiva do Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Brasil. Ela tem acompanhado os desdobramentos do conflito por meio de colegas que atuam na Palestina.

Em entrevista à Conectas, Reis, que também é conselheira da Conectas, descreve a realidade devastadora que a população de Gaza enfrenta, caracterizando-a como uma crise aguda e brutal sobre uma crise crônica. O MSF atua na região desde 1989, focando em responder às necessidades decorrentes da violência, cirurgias de trauma, queimaduras e saúde mental, em um contexto marcado pelo embargo que perdura há 15 anos. 

Reis, que comanda a organização humanitária no Brasil desde 2022, aponta a violação do Direito Internacional Humanitário durante o conflito, destacando o desrespeito às instalações de saúde, profissionais, pacientes e ambulâncias. O preço dessa guerra recai sobre a população civil, evidenciando a necessidade urgente de um cessar-fogo imediato. Após uma negociação entre diferentes países e mais de 14 mil mortos, a previsão é que comece, finalmente, um cessar-fogo na região a partir da sexta-feira (24), com a libertação de pessoas dos dois lados. 

Confira a entrevista completa com Renata Reis, do MSF: 

Conectas – Como você define a situação humanitária na Faixa de Gaza neste momento do conflito? 

Renata Reis – A situação humanitária na Faixa de Gaza neste momento é catastrófica. É uma situação inaceitável, dramática que as nossas equipes têm acompanhado diariamente desde o dia 7 [de outubro]. Preciso dizer que o Médicos Sem Fronteiras atua nesse contexto há muito tempo, então nós avaliamos que essa crise é uma crise aguda e brutal sobre uma crise crônica. O Médicos Sem Fronteiras atua em Gaza desde 1989, nossos esforços nessa região sempre passaram pelo tema da violência, sempre pelas cirurgias de trauma, por queimaduras, resposta em saúde mental, tendo em vista o sofrimento que essa população está submetida a muitos anos, uma região sob embargo há 15 anos, que tem uma situação de saúde bastante frágil, tendo em vista exatamente essa dificuldade de ter equipamento, de ter medicamentos, de viver sem a ajuda humanitária. É uma região completamente dependente da ajuda humanitária e que se vê, agora, massivamente atacada, diariamente desde o dia 7, com muitas mortes de civis, civis em sua maioria mulheres e crianças. Com hospitais sendo constantemente, cotidianamente atacados com profissionais de saúde sendo mortos e sofrendo todo tipo de violência, sem condições próprias de trabalho, com explosões de ambulâncias, enfim… Então do ponto de vista da ajuda humanitária é dramático para a saúde, mas é dramático para todas as outras áreas, né. É uma região que tem um problema de água, de acesso à água potável muito grande, com a falta dos combustíveis não é possível dessalinizar a água. Mais de 90% da população vive hoje numa condição de miséria absoluta, sem acesso ao básico da sobrevivência, com o deslocamento forçado massivo do norte para o sul de Gaza. O que também aumenta, exponencialmente, o risco de outros agravos em saúde que têm a ver com as péssimas condições de higiene, de nutrição e de cuidados pessoais que essas pessoas estão submetidas neste momento. Isso falando de Gaza e a gente também pode pensar que a situação não é fácil e é bastante complexa, bastante violenta na Cisjordânia também.

Conectas – Quais os desafios enfrentados para a ajuda humanitária num contexto de guerra?

Renata Reis – Os desafios humanitários num contexto como esse são múltiplos, especialmente tendo em vista essa região onde a gente está falando de um espaço territorial minúsculo para 2,2 milhões de pessoas em sofrimento, não há lugar seguro nesse espaço, nesse momento não há lugar de saída, não há garantia de retorno, não há pausas, nem cessar-fogo, apesar dos inúmeros pedidos e clamores do Médicos Sem Fronteiras e de outras inúmeras organizações nessa direção. O contexto é desesperador porque não há para onde fugir, não há como essas pessoas se manterem… Não há como… A população está desguarnecida de ajuda humanitária, num contexto onde a ajuda humanitária era crucial. Um contexto onde 500 caminhões, em média, ingressavam em Gaza por dia, para tratar de uma situação crônica, fora desse momento agudo desesperador. Então, a entrada de caminhões e de ajuda humanitária que conseguem hoje entrar em Gaza não é nada em comparação com as desesperadas necessidades dessa população. É preciso levar em consideração que o Direito Internacional Humanitário vem sendo desrespeitado nessa guerra, não é a primeira guerra, mas essa guerra em particular não há nenhum respeito às instalações de saúde, aos profissionais de saúde, aos pacientes e às ambulâncias. Essa população está nesse momento pagando coletivamente, com população civil, o preço dessa guerra. Então, o que o MSF reitera é o nosso pedido urgente e imediato para um cessar-fogo em Gaza e que a ajuda humanitária possa entrar desesperadamente porque a situação é muito grave. A situação dos hospitais é algo inimaginável, os relatos que chegam dos nossos colegas são de pacientes sendo atingidos dentro dos hospitais, máquinas necessárias para a manutenção da vida estão desligadas por falta de combustível, operações e cirurgias acontecendo no chão dos hospitais sem anestésicos, em crianças. Então, o que nós estamos testemunhando em Gaza neste momento é algo inimaginável e que não deveria acontecer mesmo nas situações extremas, até as guerras têm regras! Essa guerra em especial não vem respeitando, as partes não vêm respeitando nenhuma das regras, né, especialmente Israel em relação a Gaza com o ataque indiscriminado à população civil, crianças, mulheres e instalações de saúde.

Conectas – Para além da ajuda humanitária, como a sociedade civil de outros países, inclusive a do Brasil, podem contribuir para amenizar a crise humanitária? A pressão internacional pode auxiliar?

Renata Reis – Bem, Médicos Sem Fronteiras é uma organização que nasce da conjunção entre a medicina e o jornalismo. São médicos e jornalistas que se uniram para criar essa organização e nós temos como um dos nossos princípios denunciar, falar abertamente e amplamente sobre o que vimos e o que testemunhamos nos contextos onde atuamos. Então, Médicos Sem Fronteiras é uma organização que faz isso. Acreditamos que a pressão internacional é relevante, é importante. Acreditamos que a voz de organizações como a nossa tanto da sociedade civil, dos países, como organizações internacionais são absolutamente necessárias nesse momento. Não se pode assistir a um massacre de população civil sem levantar a voz. Eu acho que esse é um chamado histórico, não só para MSF, mas para todas as organizações que militam no campo dos direitos humanos e da ajuda humanitária. Nós acreditamos que sem pressão esse massacre vai continuar por muito mais tempo. Então, o que podemos fazer nesse momento, além de enviar nossas equipes, manter os nossos colegas em risco, é essa a realidade que nós temos hoje, não há condições seguras, não há espaço seguro em Gaza. Estamos com nossos colegas em risco. Essa é a realidade. A única outra forma de ajudar é fazendo pressão, sem sombra de dúvidas por um cessar-fogo imediato e pelo fim da escalada da morte de civis, pelo massivo ataque da população civil.

Conectas – Quais medidas concretas são necessárias para que a ajuda humanitária possa chegar às pessoas neste conflito?

Renata Reis – Em relação às medidas concretas, é imprescindível um cessar-fogo imediato. É necessário abrir as fronteiras para a passagem de ajuda humanitária, sendo essas as duas ações mais urgentes e necessárias. É imperativo interromper o massacre, a escalada de mortes de civis e os ataques aos hospitais. Além disso, é crucial permitir de imediato a entrada massiva de ajuda humanitária para a população de Gaza, que enfrenta um sofrimento agudo, sendo bombardeada diariamente e privada de acesso à comida, água potável e itens de primeira necessidade. Não é viável ingressar com diversos medicamentos e insumos de saúde essenciais para a realização de cirurgias. Recentemente, o MSF enviou 26 toneladas, o que seria suficiente para cobrir 800 intervenções cirúrgicas, contudo, essa quantidade é insuficiente para atender às necessidades em Gaza neste momento. É crucial que uma quantidade muito maior de ajuda humanitária seja permitida. A média diária de feridos é de 800 a 1000, daqueles que conseguem chegar aos hospitais. É relevante ressaltar que não há combustível em casa e falta luz elétrica. As pessoas que conseguem chegar aos hospitais chegam em condições muito graves, e os hospitais encontram-se completamente desabastecidos. Portanto, a situação em Gaza é uma tragédia humanitária, e é vital que ocorra imediatamente um cessar-fogo e a permissão para a entrada massiva de ajuda humanitária.

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