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10/05/2012

Impasse: Conectas apresenta 5 perguntas chave sobre a Síria ao brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, da ONU

Com comunidade internacional dividida sobre saída a adotar, diplomatas, ONGs e governos refletem sobre o dilema do uso da força e suas consequências na crise síria. Para Pinheiro, 'não há solução com intervenção militar externa'



Passado mais de um ano do início da repressão do regime de Bashar Al-Asad contra os manifestantes na Síria, a comunidade internacional ainda patina, dividida entre insistir em medidas de pressão ou apostar no uso da força. Depois de ver frustrados os esforços no Conselho de Segurança para barrar os ataques das tropas do governo contra opositores e grupos armados no interior do país, o sistema da ONU tenta, por outros meios, conter a violência e proteger os civis sem avalizar o envio de tropas e sem endossar o envio de armas aos rebeldes.
Mas qual o sucesso efetivo dos movimentos diplomáticos até agora? E como a comunidade internacional deve se posicionar diante de impasses num Conselho de Segurança viciado em antigas estruturas, sem apelar para um uso de força militar que provoque ainda mais mortes entre a população síria.
Em busca de peças que ajudem a compor o complexo quadro com o qual ONGs de direitos humanos e representantes de governos se deparam, a Conectas apresentou 5 perguntas ao brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, que junto com a americana Karen AbuZayd, preside a Comissão Independente Internacional de Investigação da ONU para a República Árabe da Síria.
Conectas – A Comissão de Inquérito para a Síria já apresentou dois relatórios fortes sobre a atual crise dos direitos humanos na Síria e o Conselho de Direitos Humanos se debruçou sobre a questão em sessões especiais e ordinárias, com aprovação de cinco resoluções. Há algo mais que o sistema de direitos humanos da ONU possa fazer?
Paulo Sérgio Pinheiro – O sistema de direitos humanos tem feito o que é preciso ser feito diante de uma crise que continua. O mandato da Comissão de Inquérito foi estendido até setembro com a solicitação de relatórios periódicos, além daqueles nas sessões de junho e setembro. Gostaria de dizer que a continuidade do trabalho implica uma enorme responsabilidade do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (OHCHR, na sigla em inglês) em manter uma equipe de 17 pessoas – ainda que os dois comissionados trabalhem pro bono – ocupando um andar inteiro do Palais Wilson e é um sinal da seriedade desse engajamento. Um banco de dados confidencial sobre as violações de direitos humanos na Síria está sendo regularmente alimentado. Enquanto não nos autorizarem a visita à Síria, uma equipe regular de investigadores da Comissão está permanentemente localizada nos países da região, além das missões regulares da Comissão. Além disso, foi criado um mandato de Relator Especial para a Síria – para o qual eu fui nomeado – a partir do final da Comissão, com o requisito de apresentar relatórios em todas as  três sessões do Conselho de Direitos Humanos (CDH) e para a sessão da Assembleia Geral da ONU. Mais atenção do que isso, é impossível.
A ONU e a Liga Árabe designaram Kofi Annan como enviado especial para a Síria, e o Conselho de Segurança aprovou duas resoluções sobre o país, além de despachar observadores internacionais com base no “plano de seis pontos” de Annan. Apesar disso, a situação in loco não apresentou melhoras, por quê? Há algo mais que deveria ser contemplado nas resoluções e na proposta de Annan? Qual é o caráter de direitos humanos do plano?
A Comissão apoia integralmente a missão de Kofi Annan, com a qual mantemos consultas regulares, claro que mantidas as especificidades dos dois mandatos. As duas declarações presidenciais do Conselho de Segurança[1] (CS)  tomadas por unanimidade, as primeiras depois de agosto de 2011, foram um avanço extraordinário. A posição da Comissão sobre o tratamento mais adequado para a defesa dos direitos humanos na Síria compreende: recusa da militarização do conflito, levando em conta que a escalada para uma guerra civil será catastrófica; contra o armamento externo dos grupos armados; e apoio a uma solução negociada com um dialogo inclusivo entre todas as partes.
Brasileiro não acredita que envio de força militar estrangeira resolva o impasse de direitos humanos na Síria. Crédito: UN Photo / Mark GartenEsses pontos, publicados em 22 de fevereiro e discutidos em 23 de março no CDH, correspondem ipsis litteris ao Road Map proposto pela missão de Annan e aos pontos apresentados na  declaração presidencial do CS de 21 de março. A Comissão acredita que os estados membros, especialmente os “P5”[2] do CS apoiem integralmente a missão Annan e cremos que expressões de ceticismo tendem a enfraquecer essa missão e a negociação em curso. Não há solução mágica numa das crises internacionais mais complexas da atualidade, que não poderá ser resolvida por intervenção militar externa. Não tenho nada a acrescentar ao plano apresentado e desenvolvido pela missão Annan e tenho consciência de que na missão dos observadores terá um componente de direitos humanos.
Agora que há observadores na Síria, houve alguma sinalização por parte do governo sobre a possibilidade dos membros da Comissão de Inquérito visitarem o país? Ainda há esperança que a Comissão entre no país para a produção de seu próximo relatório?
Temos mantido um contato fluído com os representantes da Republica Árabe da Síria e continuamos o diálogo com vistas ao país. Desde o começo desse ano, o governo tem fornecido a Comissão informações e documentação relevante que integramos no segundo relatório[3] apresentado em fevereiro de 2012.

O caso da Síria expõe fragilidades e limites do sistema e da “comunidade” internacional. Quais são os principais limites que o sr. vê nesse caso? Como o sr. vê o dilema entre intervencionismo e Responsabilidade de Proteger?  Qual sua opinião sobre o conceito de “Responsabilidade ao Proteger” que vem sendo propagado pelo governo brasileiro?
Levando em conta que tenho um mandato do CDH, não creio adequado desenvolver essa análise do “sistema Onusiano” como um todo ou sobre a comunidade internacional. A Responsabilidade de Proteger não deve ser reduzida ao intervencionismo militar , especialmente no caso da presente situação na Síria. A formulação brasileira, na minha opinião pessoal e não como membro da Comissão sobre a Síria, oferece justamente importantes salvaguardas para as veleidades intervencionistas muita vezes presentes no conceito de Responsabilidade de Proteger. Creio que a contribuição brasileira pode ajudar na melhor definição do conceito.
Qual pode ser o papel de ONGs como a Conectas nesse contexto?
As políticas de direitos humanos, seja dentro dos estados membros como na comunidade internacional ou nos organismos “Onusianos” ou regionais não devem ser o monopólio dos Estados. Creio que as organizações da sociedade civil têm ótimas condições de expressar os interesses e defender o que se chamava os “direitos das gentes”.
Diante de situações críticas, como a da Síria, a visão das ONGs internacionais, assim como da Conectas é indispensável. Creio que a Conectas tem tido um papel extraordinário para contribuir para a sociedade civil brasileira assumir suas obrigações de solidariedade com a luta pelos direitos humanos no mundo. Nos anos durante a ditadura nos beneficiamos enormemente da solidariedade internacional. Agora que somos uma democracia, um dos poucos países no continente que podem se beneficiar da continuidade de uma política de estado de direitos humanos durante mais de 18 anos, através de três governos, e de uma rede formidável de ONGs de direitos humanos. É nossa vez de assegurarmos essa solidariedade aos que lutam pelos direitos humanos, pelo estado de direito e pela paz.

[1] Declaração Presidencial de 21 de março de 2012 e Declaração Presidencial de 05 de abril de 2012.

[2] Os “P5” são os cinco países permanentes do Conselho de Segurança (CS): China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia. Estes países podem vetar decisões do CS.

[3] “Report of the independent international commission of inquiry on the Syrian Arab Republic”, A/HRC/19/69:  http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/RegularSession/Session19/A-HRC-19-69_en.pdf

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