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25/01/2020

Entrevistas: a dor da perda e a luta por justiça

Relatos em primeira pessoa com trechos em áudio de duas mulheres que não querem deixar suas histórias serem apagadas



Helena Taliberti, 72 anos, economista e diretora do Instituto Camila e Luiz TalibertiHelena Taliberti, 72 anos, economista e diretora do Instituto Camila e Luiz Taliberti

Eu estava em São Paulo. Era feriado, aniversário da cidade. Estava passeando na Avenida Paulista e soube da tragédia através de uma notificação de um desses portais de notícias que chegou no meu celular. Na hora, não dei muita importância. Eu sabia que meus filhos estavam em Brumadinho, mas a gente nunca acha né … Começamos a ficar preocupados mais tarde, quando começamos a mandar mensagens e eles não respondiam. 

Depois nós recebemos a informação de que tínhamos que ir para Belo Horizonte para fazer o cadastro deles como desaparecidos em Belo Horizonte. Então, nós fomos pra lá fazer esse cadastro. Após o segundo dia sem notícias, fomos para Brumadinho. Lá não havia notícia nenhuma deles. Nem da minha filha, nem do meu filho, nem da minha nora, nem do pai deles e nem da esposa do pai deles.  

Tinha um lugar onde os familiares se reuniam. Era um espaço da Vale e tinha postos de outras instituições também, como a Defesa Civil. Lá eles só divulgavam, de tempos em tempos, uma lista das pessoas que já tinham sido encontradas e das que ainda permaneciam desaparecidas. 

Eu tive que fazer 7 vezes o cadastro para que o nome deles entrassem na lista da Vale como desaparecidos. Foi um processo bastante doloroso. Eles não passavam informações para a gente. 

[clique no parágrafo abaixo e ouça o áudio]

Olha, minha vida acabou, né… Como é que uma mãe perde os dois filhos, a nora grávida do primeiro neto… Nós estávamos felicíssimos com isso, com a notícia do bebê, enfim, a Camila estava numa fase excelente, ótima da vida dela do ponto de vista profissional, estava apaixonada, enfim… Luiz estava apaixonado também, estava muito bem no trabalho da Austrália; tinha sido nomeado diretor do escritório onde trabalhava; tinha sido premiado pelo segundo ano consecutivo; o trabalho dele tinha sido premiado. Então, assim, a Fernanda estava super bem, super feliz com a gravidez… nós estávamos… não tem o que falar… tudo lindo, sabe, tudo lindo… e, de repente, acabou tudo, né… Não tem mais nada. Não tem mais nada.

[clique no parágrafo abaixo e ouça o áudio]

É difícil de processar, difícil de aceitar… Não tem como aceitar. Eu fico esperando eles entrarem pela porta da minha casa todos os dias.

(…)

Eles nunca nos procuraram para nada porque nós não somos da comunidade, eles não eram empregados da Vale, não eram terceirizados e não moravam na região.

(…)

Criamos o instituto Camila e Luiz Taliberti baseado nos ideais e nos valores dos meus filhos. A camila tinha uma preocupação muito grande com essa questão social e de empoderamento de grupos vulneráveis, especialmente mulheres. O luiz tinha uma preocupação imensa com o meio ambiente, com qualidade de vida  e nós estamos trilhando esses caminhos.

(…)

Isso não pode ser esquecido, a gente precisa falar de Minas para fora de Minas. Em Minas, as pessoas já sabem, todo mundo sabe o que aconteceu, sabem como as coisas estão se desenrolando, fora daqui  ninguém sabe. Já foi esquecido. É importante que a gente fale e não deixe ninguém interferir porque não pode ter sido em vão, a gente precisa achar uma solução para que esse setor tenha uma atuação que não seja predatória da forma que está sendo agora.

Marcela Rodrigues, 26 anos, articuladora social da Arquidiocese de Belo Horizonte, trabalha com comunidades de atingidos em Brumadinho, estudante de pedagogia, empreendedora do turismo local.
Marcela Rodrigues, 26 anos, articuladora social da Arquidiocese de Belo Horizonte, trabalha com comunidades de atingidos em Brumadinho, estudante de pedagogia, empreendedora do turismo local.

Eu tinha um hostel na cidade, agora ele está fechado. Nesse dia, no dia da tragédia, eu tinha saido com uma família de São Paulo para conduzir uma visita mediada. As 13 horas, aproximadamente, eu estava a caminho de um restaurante quando percebemos um fluxo de pessoas descendo direto para a recepção. Lá, recebemos um comunicado de que a barragem havia sido rompida e estavam evacuando todo mundo porque não sabiam quais iam ser as condições da cidade. 

(…)

Ninguém sabia a proporção que isso teria, o impacto que isso iria gerar de verdade. Por medida de segurança, a Defesa Civil pediu para todos os estabelecimentos fecharem. 

(…)

A lama não chegou a atingir a parte central da cidade que é onde eu tinha meu estabelecimento.

(…)

Eu perdi meu pai. Ele trabalhava há 17 anos na Vale, tinha 49 anos e trabalhava como inspetor na área de elétrica. Depois disso, eu me desestruturei emocionalmente e psicologicamente, assim como a maior parte das pessoas da cidade. 

Eu fechei meu negócio. As pessoas não estavam mais vindo visitar Brumadinho. O turismo aqui caiu bastante em consequência do rompimento da barragem, as pessoas têm medo das condições que a cidade se encontra hoje, de contaminação. 

Desestruturou minha família, todos estão indo embora, ninguém quer ficar revivendo essa dor diariamente. Eu continuo na cidade, trabalho com as comunidades atingidas porque eu quero que esse número de 272 pessoas se torne um marco, que seja um divisor de águas, para que haja uma mudança nesse sistema predatório da mineração.

(…)

A partir do rompimento, as pessoas começaram a ocupar um espaço aqui que se chama Espaço do Conhecimento, que é um projeto pedagógico da Vale com ações de esportes e pedagogia para crianças. Ali tinha postos de atendimento da Defesa Civil, da Vale, do Ministério Público, mas ninguém sabia instruir nada. A própria empresa naquele mesmo dia não sabia dar notícias sobre o que realmente tinha acontecido.

A gente fez mil cadastros para constar pessoas como desaparecidas, algumas vezes, no dia seguinte, o nome delas não apareciam na lista. A gente tinha que voltar, tínhamos que ir de um lugar para outro procurar informações.   

(…)

Tinha Advogados, psicólogos que a Vale oferecia. No momento, nós não sentimos confiança porque, primeiramente, eles defendiam o ponto de vista da empresa, da criminosa, e nós, muitas vezes, procuramos pelo atendimento particular. 

(…)

[clique no parágrafo abaixo e ouça o áudio]

Os agricultores, muitos, perderam suas terras e mesmo que sejam indenizados hoje o dinheiro não consegue devolver o que era a vida deles, né… Até você preparar uma terra, as condições adequadas para plantar e conseguir tirar um sustento daquilo ali… O desastre interrompeu uma forma econômica da vida deles. Além do choque mental que as pessoas estão sofrendo hoje… há contaminação. A taxa de câncer aumentou, a taxa de suicídio aumentou, pessoas estão aparecendo com doenças de pele…

(…)

[clique no parágrafo abaixo e ouça o áudio]

Ao mesmo tempo que nós, mulheres, já sofríamos essa estigmatização, esse machismo das mineradoras que “implantam” a ideia de que o homem vai trabalhar e a mulher fica em casa cuidando dos filhos, agora eu tenho percebido que existe um paralelo de mulheres que ficaram muito mal porque perderam os alicerces das suas casas, perderam as pessoas que faziam esse sustento… Infelizmente, a maioria de nós acredita nesse sistema, que nós somos as pessoas da casa, as mulheres da casa… mas eu tenho trabalhado com as lideranças das comunidades e percebo o empoderamento da mulher na frente, na resolução dos conflitos. E aí, nesse sentido, elas agora estão tendo mais voz.

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