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16/10/2012

Discussão sobre o ‘uso da força’ marca Colóquio de 2012

Gareth Evans, 'pai' do conceito de 'responsabilidade de proteger' participa de mesa com representante do Itamaraty

Gareth Evans, 'pai' do conceito de 'responsabilidade de proteger' participa de mesa com representante do Itamaraty Gareth Evans, 'pai' do conceito de 'responsabilidade de proteger' participa de mesa com representante do Itamaraty

O dilema do uso da força como último recurso para impedir graves violações dos direitos humanos em Estados incapazes de proteger sua própria população foi o tema do segundo dia de debates do XII Colóquio Internacional de Direitos Humanos, que a Conectas realiza em São Paulo, com participação de mais de 60 ativistas de direitos humanos de 39 países – entre os quais muitos que já foram palco de “intervenções humanitárias” ou estão com seus casos sobre a mesa do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O ex-chanceler australiano Gareth Evans, ‘pai’ do conceito de “responsabilidade de proteger” foi um dos expositores. Ele lembrou que “os Estados são os responsáveis por proteger sua própria população contra genocídios e outras violações graves e massivas. Mas, quando eles falham, a comunidade internacional está obrigada a agir. Primeiro, por persuasão, mas também por coalizão e uso da força, se necessário”.

“Se voltamos no tempo, e olharmos como o mundo era antes do conceito da responsabilidade de proteger, veremos um cenário pior do que o que temos hoje. Atrocidades enormes são cometidas, apesar da existência dos direitos humanos e do direito internacional humanitário, seja por motivos ideológicos, religiosos ou qualquer outro. Se pensamos em Camboja, Uganda ou Ruanda, não havia padrões definidos de como a comunidade deveria reagir. As opões eram enviar Marines (militares americanos) ou simplesmente não fazer nada. Mas é claro que os países do sul do mundo estava naturalmente descrentes desta ideia, estavam muito desconfiados deste tipo de missão civilizatória. Essa tensão de percepções entre os países do norte e do sul foi em parte responsável pela inação nos anos 90”, disse Evans.
Segundo ele, o conceito de “Responsabilidade de Proteger” causa muito menos problemas que o termo “intervenção humanitária”. “Intervenção é muito unidirecional, é apenas sobre uso de força militar. Responsabilidade de Proteger é um conceito muito mais abrangente e contém uma série de ferramentas, contemplando até mesmo a reconstrução e a adoção de medidas que previnam que estes eventos violentos ocorram voltem a ocorrer no futuro.”
Evans disse que o conceito de Responsabilidade de Proteger deve ser “suplementado” pela ideia lançada pelo Brasil de “Responsabilidade ao Proteger”, mas “não podemos jogar fora a água do banho com o bebê dentro da banheira”.
A coordenadora do Programa de Política Externa da Conectas, Camila Asano, coordenadora da mesa, lembrou que “o uso da força militar tem sido debatido em muitas esferas como se fosse a primeira ou a única opção e isso é muito preocupante. Em casos como o da Síria, o Conselho de Segurança não foi capaz de sequer adotar medidas como embargo de venda de armas e congelamento de bens de líderes do regime.”
A embaixadora Glivânia Maria de Oliveira, do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, lembrou que “dos 193 Estados membros da ONU, apenas 5 têm assento permanentes do Conselho de Segurança, que é responsável por definir onde deve ser usada a força”. “Isso me parece muito precário. Devemos ter isso muito presente na imprensa e na academia. Faremos (no Itamaraty) um trabalho mais empenhado e consistente junto à opinião pública, aos meios de comunicação e à academia, porque isso não pode ser tratado de maneira dissociada”, disse Glivânia.

A embaixadora também falou do conceito cunhado pelo Brasil de “Responsabilidade ao Proteger”. “Quando nós lançamos o conceito, dissemos que não queríamos estar presos a nenhum caso particular”, afirmou, em relação ao debate sobre a Líbia. “O chanceler Antônio Patriota já dizia que nosso debate é conceitual, não é sobre um caso, mesmo que esse caso tenha deixado suas marcas”, ressaltou.
Ela advertiu ainda que a Responsabilidade de Proteger “não é uma carta branca (para o uso da força), precisa de critério, de análise criteriosa, é a ação mais grave, mais séria, o último recurso”.

‘Responsabilidade de reparar’
Participantes de Ruanda, Palestina, Angola, Haiti, Bolívia, entre outros, apresentaram opiniões e questionamentos diretamente aos debatedores. Abaixo, alguns trechos:
Ruanda – “A quem cabe a responsabilidade de reparar ou de lamentar os estragos e as mortes provocadas por uma intervenção militar como a da Otan na Líbia? É à ONU, ou aos governos dos Estados que participaram da ação militar?”
Palestina – “Existem inúmeras resoluções da ONU sobre a Palestina e nada é feito. Então, as decisões são políticas e dependem de interesses imediatos. O problema está nas estruturas de poder que tomam a decisão sobre quando é necessário ou não usar a força”
Haiti – “E o que acontece quando uma força da ONU é suspeita de levar a cólera para um país como o Haiti? Como fica a responsabilidade de proteger num caso como este?”
Angola – “Quem julga a Otan ou quem pode julgar os EUA por crimes cometidos em intervenções militares? Por serem potências, eles não podem ser julgados?”

Destaques da exposição feita pelo jornalista sírio
Massoud Akko:
”Queremos qualquer tipo de intervenção na Síria, principalmente militar, para parar as mortes. Na nossa opinião, a intervenção militar é a melhor opção para acabar com as mortes na Síria”.

”Não há disposição de solução política por parte do regime devido aos seus envolvimentos com países vizinhos e potências, como a Rússia. Nós gostaríamos de uma solução pacífica, mas não enxergamos ela como possível”.
”Gostaríamos que a comunidade internacional soubesse o que acontece na Síria. Muitos países, principalmente membros do Conselho de Segurança da ONU, preocupam-se com o futuro do país pós-Assad. Temos 11 grupos étnicos e eles temem que aconteça uma guerra civil”.
”Na nossa opinião, como oposição, não há diálogo enquanto continuar o ataque a mulheres e crianças. Os 6 pontos do acordo apresentado por Kofi Annan não foram cumpridos”.
”Como oposição, temos certeza que devemos proteger os civis de qualquer maneira. Sabemos que intervenções militares são perigosas, mas muitas pessoas já morreram até agora. Há cidades vazias, abandonadas. Se ninguém parar Al Assad ele continuará matando”.
”Nós não temos um governo na Síria, mas terroristas armados”.
”Eu acredito que o norte da Síria, território sob controle do Exército Livre da Síria, deveria ser uma zona de exclusão aérea”.
”Não há possibilidade de golpe de Estado, como na Tunísia ou Egito, porque dentro do regime ninguém pode questionar Bashar Al Assad”.
”Nós precisaremos de mais de US$ 60 bilhões para reconstruir a Síria. Não somos um país pobre, mas também não somos ricos e esta será uma tarefa muito difícil”.
Veja o vídeo apresentado por Massoud Akko durante o colóquio:


Trechos da intervenção da Open Society Foundations, dos EUA, com

Jerry Fowler:

”Em termos normativos, a linguagem do Documento dos Resultados da Cúpula Mundial de 2005 é uma regressão da responsabilidade internacional sugerida pela Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal. Nesse sentido, é o que poderia se chamar de uma “forma fraca de responsabilidade de proteger”.

Entretanto, eu acho que nós estamos melhor vivendo em um mundo com uma “forma fraca de responsabilidade de proteger” do que sem nenhuma forma de responsabilidade de proteger. Mas o objetivo subjacente da mudança na discussão, de “intervenção versus soberania” para a questão de cumprimento de responsabilidade, fica seriamente comprometido porque a única responsabilidade real envolvida é a do estado.

 

A forma fraca de responsabilidade de proteger não se equivale a uma regra nova e clara de resposta a crimes atrozes. Em vez disso, ela basicamente adapta uma exceção em potencial à regra, há muito existente, de não intervenção. Portanto, em qualquer situação específica, devemos esperar ver alguns estados agindo de acordo com uma lógica de consequências baseadas em avaliações dos seus próprios interesses, alguns estados agindo de acordo com uma lógica de adequação baseada em uma norma de não intervenção e alguns estados agindo de acordo com uma lógica de adequação baseada na exceção a não intervenção incorporada a uma forma fraca de responsabilidade de proteger.

 

Após a Líbia, os países que geralmente preferem a norma de não intervenção começaram a achar que ela foi abandonada muito facilmente no caso líbio – ou, de qualquer modo, não ficaram contentes com o modo com que a exceção à norma incorporada à responsabilidade de proteger foi implantada. E a Líbia levantou um fato político bastante complicado sobre a responsabilidade de proteger: Os mesmos países que têm a capacidade de aplicar a norma internacional de responsabilidade de proteger são, de longe, aqueles que eram mais propensos a violar a norma de não intervenção antes de essa exceção ser articulada. Sua disposição histórica para violar a norma de não intervenção quando fosse adequado aos seus propósitos resultou em grandes suspeitas sobre suas motivações, que foram reforçadas pelo descontentamento com a conduta da intervenção na Líbia.

 

A Rússia e a China também começaram a ficar preocupadas com o fato de que o precedente da Líbia poderia, de forma geral, prejudicar os seus interesses. E, é claro, no caso específico da Síria, a Rússia tem interesses muito fortes, a tal ponto que suas decisões seriam, de algum modo, determinadas por uma lógica de consequências com ou sem a experiência recente da Líbia. E, no que diz respeito à China, devemos ressaltar que ela sempre deu muita ênfase à norma de não intervenção, então, de algum modo, onde ela tiver algum interesse em jogo, tanto uma lógica de consequências como uma lógica de adequação fará com que ela seja hostil à intervenção.

 

Concluindo, será muito difícil, no atual sistema internacional, persuadir os estados poderosos a não seguir uma lógica de consequências quando eles tiverem interesse em jogo. Mas algum progresso pode ser feito, principalmente na tentativa de reduzir o conflito e esclarecer a relação entre a norma de não intervenção e a exceção à norma articulada no Documento dos Resultados da Cúpula Mundial de 2005. Nesse aspecto, a proposta brasileira de “Responsabilidade ao Proteger” apresenta uma oportunidade muito importante”.

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