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12/11/2020

Cinco temas que devem impactar o Brasil após eleições nos EUA

A vitória do democrata Joe Biden põe em cheque alinhamento automático aos EUA e impacta política externa do governo Bolsonaro em temas sensíveis à direita radical



A vitória do candidato democrata, Joe Biden, à corrida presidencial dos Estados Unidos colocou uma pedra no sapato da diplomacia brasileira. Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil assumiu uma postura de alinhamento automático e incondicional às políticas de Donald Trump, contrariando a tradição do Itamaraty de estabelecer amplas alianças e de se posicionar contra matérias que representem um prejuízo à soberania nacional e contra a população brasileira vivendo no exterior.

Para além do risco de isolamento político internacional, a derrota de Donald Trump deixa o Brasil sem um dos principais fiadores de pautas radicais do governo Bolsonaro e deve exigir uma mudança significativa nas negociações internacionais.

Conectas avaliou cinco pautas relacionadas a direitos humanos que deverão ser revistas na relação Brasil-Estados Unidos com a administração Biden. Confira a seguir:

1. Acordo de Alcântara

O governo Bolsonaro promulgou em fevereiro um acordo de 20 anos que permite aos EUA utilizar a base militar de Alcântara (MA) para lançamento de foguetes e satélites. Por um custo de US$ 10 bilhões anuais pagos pelos Estados Unidos, o Brasil se compromete a realizar melhorias de infraestrutura na região da base e criar áreas em que somente pessoas autorizadas pelos EUA podem entrar — o que pode representar a expulsão de cerca de 350 comunidades quilombolas. Pelo acordo, o Brasil está impedido de fechar acordos de lançamentos com nações classificadas pelos EUA como financiadores de organizações terroristas e países que não assinaram o acordo de não proliferação de foguetes, como a China, um dos principais parceiros comerciais do Brasil. Se espera uma revogação do acordo ou ao menos uma mudança nos termos que garanta a permanência das comunidades quilombolas do entorno. Em outubro, parlamentares democratas, entre eles o senador Bernie Sanders,  se posicionaram contra os deslocamentos forçados de Alcântara. “Sob nenhuma circunstância os dólares dos contribuintes norteamericanos deveriam ser utilizados para realocar à força comunidades centenárias de indígenas e quilombolas”, disseram em sua manifestação.

2. Deportações em massa de brasileiros

Um velho princípio da diplomacia brasileira, o da reciprocidade, foi abandonado pela gestão Bolsonaro em razão da política de alinhamento automático aos EUA. Enquanto cidadãos estadunidenses foram dispensados de tirar vistos para entrar no Brasil, os brasileiros sem documentos nos Estados Unidos passaram a ser deportados sumariamente com aval e facilitação do governo brasileiro, que emite atestado de nacionalidade à revelia do migrante. Este documento permite que os migrantes embarquem à força em direção ao Brasil. Em janeiro, um avião com 50 brasileiros deportados dos EUA chegou em Belo Horizonte. Em outubro de 2019, outro voo trouxe mais 70 pessoas de volta. Embora o governo Obama tenha tenha registrado recordes de deportações — cerca de 2,5 milhões de pessoas foram deportadas entre 2009 e 2015 — Biden prometeu uma moratória de cem dias nas deportações além de derrubar medidas migratórias de Trump, como as prisões migratórias com fins lucrativos, as restrições a migrantes muçulmanos e a ideia do muro na fronteira com o México. Biden também defendeu uma reforma na política de asilo, incluindo um status de proteção temporária para migrantes  oriundos de países violentos e acometidos por desastres. A própria escolha da vice-presidente Kamala Harris, primeira mulher, negra e filha de migrantes a ocupar o cargo, traz esperança de uma inflexão na política migratória estadunidense. Espera-se que a gestão Biden represente menor perseguição aos migrantes nos Estados Unidos. Resta saber se o governo Bolsonaro mudará sua postura colaborativa com os EUA contra os brasileiros sem regularização migratória.

3. Ofensiva antigênero

Em outubro, os governos do Brasil e dos EUA lideraram uma iniciativa internacional que pretendia unir diversos países contra o direito ao aborto seguro. Chamada “Declaração do Consenso de Genebra”, o documento diz querer proteger a família e a saúde das mulheres, mas considera apenas o modelo heteronormativo, de união entre homens e mulheres, e reforça a proteção da vida desde a concepção, descartando o acesso ao aborto legal e seguro. A iniciativa é co-patrocinada por seis países e recebeu adesão de outros 26. Apesar de não possuir força de tratado internacional, a postura indica a condução da política externa brasileira em matéria de gênero e pode intensificar a atuação do Brasil na quebra de consensos internacionais já existentes. A expectativa é que o governo Biden retire os EUA da “Declaração do Consenso de Genebra”, e deixe o Brasil ainda mais isolado em seu posicionamento internacional sobre o tema junto a países como Arábia Saudita, Belarus e Sudão do Sul, contrários aos direitos das mulheres.

4. Ingresso na OCDE

O governo Bolsonaro conseguiu em janeiro passado o apoio formal dos EUA à candidatura brasileira para o ingresso na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Considerado um “clube de países ricos”, a OCDE traz vantagens a seus membros em negociações e empréstimos internacionais, enquanto exige a implementação de uma série de medidas fiscais e ambientais, além de políticas públicas em diversas áreas. Ainda é cedo para dizer se Biden manterá o apoio à candidatura brasileira, mas com a saída de Trump da Casa Branca, o governo Bolsonaro perde um padrinho conivente com suas violações socioambientais e de direitos humanos. Agora, terá de mostrar um mínimo de compromisso nas questões ambientais e respeito ao Estado de Direito e a democracia para manter seu pleito.

5. Venezuela

A crise política na Venezuela e a migração de refugiados venezuelanos para outros países da região, incluindo o Brasil, foi pauta das eleições presidenciais brasileiras de 2018 e unem a direita de todo o continente americano contra o presidente Nicolás Maduro. Apesar de Bolsonaro não ter alterado significativamente a Operação Acolhida, manteve as fronteiras fechadas durante a pandemia, reconheceu o opositor Juan Guaidó como presidente e sempre foi muito ambíguo em relação a uma eventual intervenção militar no país vizinho. Em setembro, o chanceler brasileiro Ernesto Araújo recebeu em Roraima, estado que faz fronteira com a Venezuela, o secretário de Estado estadunidense Mike Pompeo. Ambas as autoridades criticaram duramente o governo Maduro, mas internamente muitos políticos consideraram a visita uma plataforma eleitoral do governo Trump e uma violação da soberania nacional brasileira. Se espera que na gestão Biden os Estados Unidos se engajem em esforços multilaterais e diplomáticos para o restabelecimento da democracia na Venezuela — dificilmente o Brasil de Bolsonaro fará parte destes esforços. Internamente, o democrata também deve estender a proteção aos cerca de 200 mil venezuelanos que vivem nos EUA e correm risco de deportação, uma medida aprovada pela Câmara, mas rejeitada pelo Senado de maioria republicana.

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