Voltar
-
25/09/2019

5 avanços da nova Lei de Migração

A Nova Lei de Migração foi redatada com base na Constituição e nos direitos humanos

Refugiados Venezuelanos Refugiados Venezuelanos

Ao substituir o Estatuto do Estrangeiro e instituir uma perspectiva da migração pautada nos direitos humanos com o repúdio à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação como um de seus princípios, a nova Lei de Migração estabeleceu um novo paradigma para o Brasil. Veja quais são as mudanças:

 

  1. Regularização Migratória: a promoção da entrada regular e da regularização é estabelecida como princípio. A Nova Lei também assegura a isenção de taxas para emissão de documentos para migrantes sem condições financeiras;

 

  1. Visto Humanitário: estabelece cinco tipos de visto para ingressar ou permanecer no Brasil, entre eles o temporário, concedido, por exemplo, em caso de acolhida humanitária a apátridas ou migrantes de qualquer país “em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na forma de regulamento”.

 

  1. Políticas Públicas: o acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social é um princípio da nova lei.

 

  1. Participação em protestos e organização sindical: o direito à mobilização era proibido pelo Estatuto do Estrangeiro. A nova lei estabelece como direitos a reunião de migrantes para fins pacíficos e de associação, inclusive sindical, para fins lícitos.

 

  1. Sem extradição para crime político ou de opinião: assim como a Constituição de 1988, a nova lei determina que não haverá extradição por crime político ou de opinião, da mesma forma como proíbe que refugiados ou asilados sejam extraditados.

Desfazendo mitos sobre migração

Como vimos na última reportagem desta série, chegar a esse resultado em meio a um cenário político turbulento só foi possível graças ao empenho de diferenças organizações, entre elas a Conectas, que atuaram de forma conjunta para convencer os congressistas sobre a importância da nova legislação e obter os votos necessários. 

Créditos: Thiago Dezan/ Farpa/ CIDH

Mas esse trabalho não terminou com a aprovação da lei. Pelo contrário! Em um ambiente de polarização, o primeiro passo foi fortalecer a comunicação com a sociedade, para assim desfazer mitos que cercam esse tema. Você certamente já ouviu um ou vários deles: o país será invadido por imigrantes! Vai aumentar o risco de terrorismo! Afirmações como estas carregam uma visão preconceituosa e sem qualquer evidência.

No meio do caminho, havia um decreto

Ao mesmo tempo em que esse processo de diálogo era construído em uma ponta, na outra as organizações viam com preocupação a elaboração do decreto de regulamentação da Lei de Migração ser feito a portas fechadas pelo governo Michel Temer, uma postura oposta àquela do processo de tramitação do projeto de lei, marcado pela construção coletiva. 

Para ter dimensão de como a participação social foi limitada, foram apenas três oportunidades abertas para discutir o tema:

  • Atividade do Fórum de Participação Social do CNIg (Conselho Nacional de Imigração, ligado ao Ministério do Trabalho), realizada em agosto em São Paulo e que resultou em 68 propostas para o decreto; 
  • Consulta pública online da minuta do decreto, de 1º a 13 de novembro; 
  • Audiência pública no dia 13 de novembro em Brasília.

O texto final do decreto 9199/2017 foi publicado no mesmo dia em que a Lei de Migração entrou em vigor, com 318 artigos, quase o triplo da legislação que regula, e ignorando a maioria das sugestões apresentadas, além de usar o termo “imigrante clandestino”.

“O decreto publicado hoje não passou pelo adequado crivo da sociedade. A consulta pública foi mais um monólogo do governo do que um exercício de escuta, já que as várias propostas apresentadas tanto na plataforma online quanto na audiência pública foram ignoradas”, criticou na época a coordenadora de programas da Conectas, Camila Asano.

A indignação resultou em uma carta aberta assinada pela Conectas e dezenas de organizações e especialistas pontuando as lacunas existentes no decreto e as interpretações que contrariam a lei

Arte: Bianca Baderna

Problemas do decreto de Regulamentação da Lei de Migração:

  • Mantém a confusão entre justiça criminal e migração quando condiciona o acesso ao direito de migrar à ausência de antecedentes penais e condenação penal, concretizando uma dupla penalização
  • Ao contrário da lei, que garante a não criminalização de migrantes por sua condição   migratória, prevê a prisão de migrantes devido à sua condição migratória
  • Inclui previsão de prisão para fins administrativos, prática vedada pela Constituição Federal
  • Não estabelece parâmetros sobre as condições, prazos e requisitos para a emissão do visto humanitário
  • Cria um sistema complexo e intrincado de tipologias de vistos e residências, atrelando o acesso a documentos às motivações, ocupações e condições limitadas e provisórias;

Os desafios continuam

Além de contrariar vários pontos da Lei de Migração, o decreto de regulamentação também deixou de fora pontos importantes do texto. Um exemplo é a criação da Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia, que tem como finalidade articular ações em todas as esferas de governo, facilitando o cotidiano de quem migrou para o país.

Venezuelana em Boa Vista durante visita da CNDH. Créditos: Leonardo Medeiros/Conectas

Asano destaca que, desde que decidiu trabalhar pela aprovação da Lei de Migração, a Conectas já tinha em seu planejamento que a regulamentação não se esgotaria com a entrada em vigor da legislação, assim como acontece em vários outros casos. 

Enquanto trabalha pela efetividade da lei, por meio de formações para profissionais que atendem migrantes e participação nos debates sobre o tema, a Conectas segue com ações de advocacy em Brasília para superar as lacunas deixadas pelo decreto e também pela aprovação de leis que assegurem direitos vetados na Lei de Migração, como a anistia migratória.

Como aprender com migrantes

Um dos pontos que a experiência da Conectas e de outras organizações e especialistas reforça é que a migração enriquece o país ao proporcionar um diálogo intercultural. Danças, artes, moda, música, cinema, gastronomia e tantas outras linguagens trazidas pelos migrantes possibilitam um verdadeiro intercâmbio sem precisar cruzar a fronteira.

Em São Paulo, bairros como Liberdade e Bom Retiro refletem um pouco dessa experiência, que também pode ser vivida em cursos oferecidos por migrantes, em eventos culturais realizados ao longo do ano e também em plataformas que mapeiam esses trabalhos para que mais pessoas conheçam e entendam que a migração é um grande ganho para a sociedade. 

Quer fazer parte dessa rede? Clique aqui e faça sua doação para a Conectas. Ajude a fortalecer o trabalho em prol das migrações e dos direitos humanos no Brasil. 

Informe-se

Receba por e-mail as atualizações da Conectas