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05/11/2020

Cinco anos do desastre de Mariana: confira relatos de vítimas

O rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, deixou 19 pessoas mortas e, ao menos, 1,9 milhão de atingidos



Há cinco anos ocorreu o maior crime socioambiental do Brasil envolvendo barragens da mineração: o desastre do Rio Doce, um “mar de lama” com mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério, que, além da destruição completa de áreas residenciais, como o distrito de Bento Rodrigues, causou a morte de 19 pessoas e atingiu, ao menos, 1,9 milhão de  moradores da bacia do rio Doce, desde Minas Gerais até o litoral do Espírito Santo.

O rompimento da barragem de lama tóxica, gerenciada pela mineradora Samarco, controlada, por sua vez, pela Vale e BHP, segue ainda hoje ampliando os casos de adoecimento, violações de direitos e desrespeito às vítimas. 

Confira trechos dos relatos de Mônica e Joelma, duas vítimas que até hoje lutam por justiça reparação:

Mônica dos Santos
Bento Rodrigues (distrito de Mariana – MG)

“Eu fui afetada perdendo tudo que tinha. Casa, história, sonho, projeto de futuro, bens materiais e imateriais, amigos… Ou seja, toda a minha vida. O crime não foi só no dia cinco, ele vem se renovando a cada dia, quando vivemos na incerteza do que vai acontecer, enquanto temos os nossos direitos sendo violados.  Estamos adoecendo e morrendo sem ser indenizados e sem ver as nossas moradias.  Em cinco anos, na minha vida, nada mudou, a não ser a perda do meu irmão, sem ao menos ter nos ajudado com o projeto de nossa casa, e sem ser indenizado.  Costumo falar que essa vida não é a minha. Essa vida, que estou nela hoje, foi imposta pelas empresas assassinas, onde vivo o medo, a incerteza… Sem contar as inúmeras reuniões e audiências. Essas, exaustivas, e, muitas vezes, a grande maioria, sem obter êxito. As comunidades não evoluíram muito. O prazo para a entrega dos reassentamentos é para 27 de fevereiro de 2021. As empresas até vão colocar a culpa na pandemia, o que não é verdade. Sendo que em dois anos ela conseguiu fazer duas casas no reassentamento de Bento, imagine quando ela vai terminar as outras duzentas e poucas casas. Isso, no reassentamento de Bento, fora os outros reassentamentos. A verdade é que as empresas que cometeram o assassinato é que estão colocando os preços que elas devem pagar. O que eu não acho justo. É o mesmo que eu matar alguém e eu mesmo estipular a pena que devo pagar. Claro, eu não vou estipular pena alta, ou quase nenhuma, se possível, né? É o que as empresas vêm fazendo a todo momento. O fato é que nesses cinco anos já perdemos muitos moradores, entre jovens e idosos. Às vezes acho que as empresas estão esperando que morramos todos para que elas se isentem de fazer a reparação. Os atingidos que foram indenizados só aceitaram pelo cansaço e por medo de morrer sem ver a cor do dinheiro. Sendo que esses valores foram impostos pelas empresas. Eles até tiveram a opção de entrar na justiça, o que a grande maioria não quis pelo fato da justiça ser muito lenta, da justiça ser demorada. E como a gente tem visto a cada dia um amigo, um morador, um atingido morrer, então, esse medo, ele permanece em toda a comunidade, em todos os atingidos. De morrer sem ser indenizado, de morrer sem ver a sua moradia, de morrer sem ver a sua comunidade junta de novo.  É o que mais tem acontecido. Eu não me sinto reparada. Primeiro, porque nem conseguimos fazer o desenho da nossa casa, pois a Renova não nos quer dar o nosso direito. Sendo que eu não acho que sou eu que tenho que provar o que eu tinha. Quem tem que provar é elas, as empresas assassinas. Segundo, que ainda não fomos chamados para negociação, sendo que o valor que as empresas vir a oferecer, no meu ponto de vista, elas sempre vão estar me devendo. Pois eu tinha coisas que ninguém vai me devolver, e não tem como restituir. E não há dinheiro no mundo que pague o que eu tinha, a vida que eu tinha, o futuro que eu tinha planejado pra mim.

Joelma Fernandes Teixeira
Ilha Brava (Governador Valadares – MG)

Depois de cinco anos, a situação da gente piorou. Porque a gente perdeu tudo em 2015 e, quando foi agora, na enchente de 2020, que a gente tinha colocado nossa irrigação de volta, plantado vários pés de frutas, abacate, limão…  E aí com essa enchente que teve agora, veio mais lama, deixou mais lama nas ilhas do que a de 2015, pra falar a verdade. Eu não sei onde eles tinham guardado tanta lama pra soltar agora nessa enchente que teve em 2020. E as nossas plantas de abacate, abacateiro, que já tava com quatro anos, na época de dar, morreu tudo. O muro que a gente investiu de novo, irrigação que a gente conseguiu de novo, motor… 

Não querem me reconhecer porque diz que eu não tenho documentação de ilha. Mas ilha, ou você começa a formar ela quando a enchente passa, que deixa uma ilhota, você vai formando ela, ou você compra ela de uma pessoa que já tinha há muito tempo. No meu caso, eu comprei. Não peguei documentação porque tinha o vizinho do lado, outro vizinho de cá, todo mundo conhece todo mundo. E, com isso, era o bastante. E eles querem que a gente forneça. Eu posso até fazer um compra e venda, mas aí eles vão falar que eu comprei a ilha depois. Então, eles não acertam comigo. Igual meu caso, tem muitos casos. De ribeirinhos, lavadeiras, pescadores… Então, tem muitos casos aqui de ilheiros que não foram reconhecidos.

A minha saúde é danificada por conta de quê? O meu colesterol bom tava 20%. Eu comecei a passar mal, fui fazer os exames, aí o colesterol bom tava 20%, e o mínimo do colesterol é 40%. Com isso, eu tenho que tomar uma medicação que custa 150 reais, chamada Prest, porque ela tem ômega 3. Isso é consequência da falta de peixe no meu organismo, porque eu fui criada desde pequena com peixe, que o meu pai era pescador. Não registrado, também, mas era pescador. E, consequentemente, o meu colesterol bom ter enfraquecido, veio o triglicérides junto e, automaticamente, a diabetes, também.  Então, eu sou uma pessoa hoje doente através dessa bendita lama. E eles não reconhecem, não querem reconhecer isso. O que eu acho muito injusto. Eu tô falando do meu caso. Mas igual eu tem muitas pessoas, entendeu? Tem muitas. Os meninos que tinham o serviço de colher limão, bater feijão, colher manga, fazer colheita aqui (que saía caminhão de coco daqui), acaba que foi pra cidade. O lugar de lazer que tinha aqui na comunidade… Que é comunidade pequena, zona rural. Acaba que os meninos começaram a ir pra cidade, pra Santa Rita, que é o bairro mais perto de Valadares, aqui. E lá se envolveram com droga. Tem muitos dessa juventude nossa presos. Outros até foram mortos. Você entendeu? 

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