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30/06/2015

BdONU: Abordagem inconsistente da África do Sul na defesa dos direitos humanos na ONU

Análise de Mlamli Maphasa, do Human Rights Institute of South Africa

Análise de Mlamli Maphasa, do Human Rights Institute of South Africa
Análise de Mlamli Maphasa, do Human Rights Institute of South Africa

 

 

 

 

 

 

Por Mlamli Maphasa, Human Rights Institute of South Africa

O ingresso da África do Sul no Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas em 2007, como um país que emergiu de um sistema injusto, tinha a possibilidade de representar uma influência sem concessões para alinhar os princípios de direitos humanos do país com vistas a influenciar debates e resoluções globais de direitos humanos.

No entanto, a África do Sul não foi capaz de manter de forma consistente seus princípios de direitos humanos na defesa dos direitos humanos ao redor do mundo.  Por volta de 2008, o país começou a contradizer seus próprios princípios domésticos de direitos humanos quando rejeitou ações favoráveis à defesa da responsabilização por violações de direitos humanos. O país impediu a aprovação de uma série resoluções sobre as condições de direitos humanos em países, por exemplo, Sudão, Síria e Zimbábue, entre outros. A África do Sul constantemente justificou a sua posição inconsistente, insistindo na ideia de negociação inclusiva e consensual. Em outras ocasiões, em troca da manutenção de alianças com os países que se uniram contra o sistema do apartheid, estratégias de diplomacia silenciosa foram usadas. Em 2010, a África do Sul estava entre os países que derrogaram os direitos dos gays lésbicas e bissexuais e de identidade de gênero. Isso ocorreu após o país ter sido sede, em 2001, da Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata.

Em 2011, as circunstâncias melhoraram, quando a África do Sul desempenhou um papel de liderança ao patrocinar a primeira resolução aprovada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre a promoção e proteção dos direitos de Orientação Sexual e Identidade de Gênero (SOGI, na sigla em inglês). Esta foi uma conquista extraordinária e admirável, pois a África do Sul não permitiu que qualquer país usasse seus preconceitos e estereótipos para violar a dignidade humana e o direito à vida de outras pessoas. Ela refletia os valores domésticos sul africanos que incluem a justiça, igualdade, liberdade, paz, justiça e direitos humanos consagrados no progressivo ordenamento de direitos humanos do país. Esta conquista também foi altamente estimada como uma iniciativa resoluta da comunidade internacional à preservação da orientação sexual e identidade de gênero como tema da agenda do Conselho de Direitos Humanos. O que enviou uma mensagem clara ao plano interno de que o silêncio não seria tolerado em detrimento das pessoas que continuavam sofrendo o flagelo da violência e discriminação devido à suas orientações sexual e identidades de gênero.

Foi lamentável que a África do Sul não estava mais disposta a manter o ritmo estabelecido em 2011 e, durante a sessão de março 2014 do CDH, não fez o suficiente para defender a resolução, quando Estados contrários à resolução SOGI, fizeram graves alterações a mesma.

Após toda encenação executada por Estados contrários à resolução no Conselho de Direitos Humanos, a África do Sul só presenciou e observou de boca fechada. Ficou evidente que a África do Sul estava se sentindo sobrecarregada por ter que manter a mesma intensidade da agenda SOGI e estava relutante em assumir papel de liderança na promoção de temas SOGI no CDH. Na verdade, a África do Sul reconheceu que outro país poderia assumir este papel de liderança. Isto foi justamente feito por quatro países Latino Americanos (LAC, na sigla em inglês), que incluem o Brasil, Chile, Colômbia e Uruguai.

O Human Rights Institute of South Africa e outras organizações da sociedade civil (OSC) enviaram cartas ao Ministério de Relações Exteriores solicitando a defesa dos direitos dos sul-africanos, inclusive dos direitos SOGI, no Conselho de Direitos Humanos. Este foi o último esforço realizado, já que era em vão tratar do tema com um Estado africano por conta das percepções e estereótipos que os Estados africanos possuem sobre os direitos SOGI ao alegar que eles são uma concepção eurocêntrica que esvazia o africanismo.

Os contínuos esforços das organizações de direitos humanos ao redor do mundo obtiveram resultados, já que a África do Sul restaurou a sua posição interna de direitos humanos, ao votar a favor da manutenção dos direitos SOGI como um item da agenda do CDH. O temor era que a África do Sul abandonasse a resolução e que, desta forma, os crescentes crimes contra a humanidade contra as pessoas LGBT, deixariam de constar na agenda do CDH, e poderiam até mesmo ser impedidos de ser debatidos nos corredores da ONU.

Esta posição inconsistente se manteve até uma resolução sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias ser apresentada – também durante a 25ª  sessão de março de 2014 – com posições favoráveis a incorporar os direitos SOGI com vistas a garantir a proteção do direito à vida. A África do Sul rapidamente tomou a atitude correta ao seguir os demais países que de maneira notável asseguraram a incorporação e proteção dos direitos SOGI nesta resolução.

No entanto, a incoerência da África do Sul voltou à tona por meio da adoção de uma  abordagem que não condiz com o quadro constitucional do país durante um debate realizado para promover uma resolução que defende as manifestações. Este comportamento inconstante deixou muitas pessoas perplexas, porque, desde os dias sombrios do apartheid, o direito a protestar ou se manifestar pacificamente possui um significado histórico na África do Sul. Antes do novo regime democrático, o Estado sempre considerou qualquer forma de manifestação de seus cidadãos como uma ameaça à segurança nacional e, assim, suprimia tais atividades. As manifestações se defrontavam com o uso descomensurado de força letal por parte do Estado, em um esforço para dissuadir os manifestantes de se organizar e participar de manifestações novamente.

Com o advento do novo regime democrático na África do Sul, o direito de protestar  livremente, sem que as manifestações fossem categorizadas ou consideradas uma ameaça ao Estado, está consagrado na Constituição. A seção 17 da Constituição, garante a todos o direito, de associação, de maneira pacífica e sem armas, para se manifestar, fazer piquetes e apresentar petições. Esta disposição está em conformidade com normas de direitos humanos internacionalmente reconhecidas e tratados de direitos humanos.

Desta forma, foi uma surpresa que a África do Sul propusesse e apoiasse cinco emendas ao projeto de resolução “promoção e proteção dos direitos humanos no contexto das manifestações pacíficas” durante a 25ª sessão do Conselho de Direitos Humanos.

Foi neste contexto, que as organizações South Africa Forum on International Solidarity e HURISA apresentaram grandes objeções que defendiam a rejeição das cinco emendas propostas pela África do Sul. Dado que as cinco emendas propostas não apenas violavam a constituição e os direitos de reunião e manifestação pacífica garantidos no país, como também pretendiam ainda eximir o Estado de sua responsabilidade de proteger os cidadãos contra violações de direitos humanos. A HURISA constatou que as cinco emendas propostas não estavam em consonância com os princípios de direitos humanos, na medida em que a primeira simplesmente repudiava o desenvolvimento de diretrizes para auxiliar os Estados Partes a garantir a proteção de manifestações pacíficas em suas jurisdições, enquanto a segunda propunha solicitar que a Assembleia Geral da ONU aumentasse a cooperação e as relações estatais amistosas. Isso se dava desconsiderando o pluralismo e multiplicidade de normas existentes no âmbito das políticas municipais na maioria dos Estados. A terceira emenda se referia a uma consideração apresentada para proteger a segurança estatal, que a HURISA constatou como reminiscente de períodos arbitrários do apartheid onde reuniões e manifestações foram brutalmente proibidas com impunidade. A quarta visava acabar com o papel primordial do Estado de proteger nos contextos de manifestações os cidadãos que convocassem as mesmas. A quinta ignorava o dever decorrente de imperativos domésticos internos de fortalecer o direito internacional dos direitos humanos.

Até o momento, ainda não está claro por que um Estado progressista como a África do Sul optou por relegar uma concepção de orientação popular para apoiar continuamente no Conselho de Direitos Humanos iniciativas que deixavam de promover direitos humanos e caminhavam progressivamente à gestão pública das manifestações. Essa conduta mereceu um pedido sem reservas as nossas autoridades para que elas retirassem as cinco emendas, que incluía uma solicitação para que os demais Estados rejeitassem as incongruentes emendas da África do Sul. Foi sob muita pressão que todos os Estados que estavam buscando apoio às propostas de emendas da África do Sul fracassaram rotundamente e a resolução foi aprovada predominantemente sem modificações.

Também vale a pena mencionar que a África do Sul estava atuando conjuntamente com a Índia, que também estava apoiando as emendas, mas não contou com o apoio do Brasil, que foi o único país do grupo IBAS que permaneceu defendendo os princípios de direitos humanos da resolução e afirmou seu compromisso com os direitos humanos na promoção e proteção dos protestos no contexto de manifestações  pacíficas.

Os defensores e organizações de direitos humanos esperam que a África do Sul esteja alinhada justamente a esses princípios, em todos os momentos, na condução de seus assuntos nos foros internacionais de direitos humanos, como o Conselho de Direitos Humanos.

Isso significa que todas resoluções que a África do Sul propõe, apoia ou rejeita devem enfatizar a essência e teor do direito interno e os princípios internacionais de direitos humanos.

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