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09/09/2014

A exceção virou regra

Em novo relatório, ONU critica uso abusivo da prisão no Brasil

Em novo relatório, ONU critica uso abusivo da prisão no Brasil Em novo relatório, ONU critica uso abusivo da prisão no Brasil

Amanhã, dia 10/9, o Brasil terá de explicar diante dos 47 países do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, por que suas prisões sofrem de ‘superlotação endêmica’, por que o acesso à Justiça ainda é ‘severamente deficiente’ e por que continua recorrendo ao encarceramento como regra, e não exceção, principalmente em nos casos de delitos leves e sem violência. As acusações fazem parte de relatório do Grupo de Trabalho da ONU sobre prisão arbitrária.

O documento tornou-se público em julho, mas será oficialmente apresentado durante a 27a sessão do Conselho, que teve início na segunda-feira (8/9). Os especialistas do GT estiveram no Brasil entre os dias 18 e 28 de março de 2013 e visitaram sete locais de privação de liberdade em Brasília, Campo grande, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo – inclusive a controversa Unidade Experimental de Saúde, que abrigava, sem qualquer base legal, seis jovens oriundos da Fundação Casa.

“Há uma preocupante propensão a recorrer à privação de liberdade como primeira medida, em lugar de última, ao contrário do que estipulam os padrões internacionais de direitos humanos”, atestam os especialistas. “Políticas públicas ‘duras contra o crime’ criam uma tendência severa de encarceramento em massa, enquanto a maioria dos estados não têm capacidade ou estrutura para lidar com suas consequências.”

O Brasil possui desde 2010 uma Lei de Medidas Cautelares (12.403/11), que prevê medidas alternativas para presos provisórios. Para o GT, a norma não vem sendo aplicada de maneira satisfatória.

O relatório também critica a dependência institucional e a falta de recursos das defensorias públicas, a internação compulsória indiscriminada de dependentes químicos, os recorrentes casos de tratamento cruel dos detentos e o uso excessivo da prisão provisória – condição de 41,8% dos presos do País, segundo dados de dezembro de 2012 do Ministério da Justiça.

Os especialistas fizeram críticas especialmente contundentes à Unidade Experimental de Saúde de São Paulo, que abriga seis jovens que já cumpriram medida socioeducativa na Fundação Casa. “O GT está preocupado com a falta de base legal para a prisão desses indivíduos, particularmente à luz do fato de que não há prazo claro para o fim de sua detenção. Também nos foi informado que nenhuma revisão efetiva de seus casos tem sido feita.”

Depois da apresentação do GT, a delegação do Brasil em Genebra terá de explicar o que pretende fazer para solucionar os problemas apontados no documento. Também terá de ouvir a posição de organizações de direitos humanos da sociedade civil, entre elas a Conectas, que farão pronunciamentos orais durante a audiência.

“Fica clara a opção política pelo encarceramento: em 2012, os investimentos do governo federal em construção de presídios foi 30 vezes maior do que em alternativas penais. A diferença é de R$ 361 milhões para, apenas, R$ 11 milhões”, diz trecho do discurso que será feito pela entidade em conjunto com a Rede Justiça Criminal.

Para Rafael Custódio, coordenador de Justiça da Conectas, “o mundo quer saber por que, apesar dos recentes avanços sociais e do crescente protagonismo do Brasil no cenário internacional, ainda não conseguimos superar o estado de barbárie em nosso sistema prisional”. “Aqui, por estar condicionado à divisão de poderes e à responsabilidade partilhada entre os estados, o debate sobre as prisões é fragmentado e politicamente instrumentalizado. Na ONU, teremos que responder por esse fracasso como País – o que nos obriga a pensar em soluções mais estruturais e profundas para o problema.”

Segundo dados de dezembro de 2012 do Ministério da Justiça, o Brasil possui uma população carcerária de 548 mil pessoas. É a quarta maior do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. O déficit de vagas supera as 230 mil.

A audiência será transmitida a partir das 11h (horário de Brasília) através do site da TV ONU.

Leia aqui a íntegra do documento que será apresentado pelo Grupo de Trabalho sobre prisão arbitrária.

Leia aqui o pronunciamento da Conectas e Rede Justiça Crimimal.

27a sessão

A reunião do Conselho de Direitos Humanos, que ocorre entre os dias 8/9 e 26/9, abordará outros temas importantes para o Brasil. Merece destaque um controverso Painel sobre Proteção da Família, liderado pela Rússia. Na última sessão do CDH, o país conseguiu aprovar uma resolução sobre o tema que não reconhece as mais diversas formas de família – o que contraria os mais altos padrões de proteção aos direitos humanos. O Brasil, que à época se absteve, agora terá de se posicionar.

Espera-se, por outro lado, que um texto sobre orientação sexual e identidade de gênero seja votado durante a sessão. O Brasil, ao lado da África do Sul, liderou a primeira resolução do Conselho sobre o tema em 2011.

Além de debates temáticos, a reunião contará com discussões sobre países específicos. A posição do Brasil será particularmente relevante em dois casos: do Sudão e do Egito.

Na sessão realizada em março, o País não se somou ao apelo conjunto condenando as violações cometidas pelo governo egípcio contra opositores. Nessa nova oportunidade, é urgente que o Brasil apoie iniciativas similares e uma eventual resolução, como pediram em carta entidades de direitos humanos de todo o mundo.

Com relação ao Sudão, é esperado que o Conselho, com o apoio do Brasil, tome medidas mais contundentes em relação às sistemáticas violações registradas no país. A situação também já despertou a mobilização de organizações internacionais.

Leia aqui o programa completo da 27a Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

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