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10/02/2014

A batalha pela rede

Estados, empresas e usuários disputam os sentidos da internet

Estados, empresas e usuários disputam os sentidos da internet Estados, empresas e usuários disputam os sentidos da internet

O ciberativista americano Aaron Swartz, de 26 anos, suicidou-se em janeiro de 2013. Em seus ombros pesava uma acusação do governo americano que poderia lhe render 35 anos de prisão. O suposto crime: ter invadido computadores do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusets) para liberar 4,8 milhões de artigos acadêmicos protegidos por direitos autorais.

A morte de Aaron é, para muitos, a primeira de uma guerra entre Estados, empresas e usuários pela definição dos sentidos da internet – um espaço crucial para a produção e disseminação de informações e, portanto, para a garantia de direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.

Essa intrincada disputa, que se desenvolve entre a liberdade característica da rede e a necessidade de uma governança global que regule os interesses em jogo, é tema de dois artigos do dossiê “Informações e Direitos Humanos”, publicado na edição 18 da Revista Sur.

“Não parece restar dúvidas de que um dos principais embates do século XXI se dá em torno do compartilhamento de conhecimentos e bens culturais”, afirma Sérgio Amadeu da Silveira, professor da Universidade Federal do ABC e representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet do Brasil.

Em seu artigo na Revista Sur, Amadeu defende que a morte de Swartz está diretamente ligada ao enrijecimento das legislações de propriedade intelectual e às tentativas da indústria do direito autoral de controlar as fontes de criação e do conhecimento. “O mercado principal de software se estruturou em torno de um modelo de remuneração da propriedade que se dá pela negação de acesso ao conhecimento de suas rotinas logicamente encadeadas.”

Liberdade não é suficiente

Esse contexto em que interesses econômicos se sobrepõem ao direito de acesso à informação é fortalecido pela leitura limitada que entidades públicas e privadas fazem da rede, ignorando sua importância para o desenvolvimento, a redução das desigualdades e o fortalecimento da democracia.

Um exemplo claro dessa tendência é o conceito de Internet Freedom, que prosperou no governo americano e em organizações da sociedade civil preocupadas em evitar a censura estatal, proteger a privacidade dos usuários e prevenir medidas que restrinjam a circulação de conteúdos na rede – um esforço importante, mas que joga para escanteio, por exemplo, a necessidade de submeter o copyright ao interesse público.

“Uma política de internet fundada em direitos humanos deve sustentar-se em uma visão global e pormenorizada de tais direitos, incluindo não apenas a liberdade de expressão e direito à vida privada, mas também direitos sociais, econômicos e culturais, incluindo o direito ao desenvolvimento”, defende Alberto Cerda, professor da Universidade do Chile e diretor de assuntos internacionais da ONG Direitos Digitais, em seu artigo na Sur 18.

Para ele, a ideia de Internet Freedom deliberadamente ignora a forma como a crescente proteção da propriedade intelectual afeta a concretização de direitos. “Especialmente nos países em desenvolvimento, os direitos autorais afetam a concretização do direito à educação, ao impedir o uso de conteúdos sem a autorização do e o pagamento ao titular dos direitos autorais”, afirma.

Governo da internet

É por isso, defende Cerda, que a sociedade civil deve seguir apoiando esforços para a construção de uma governança global da internet. Para eles, discursos que pedem a limitação do papel dos governos nesse âmbito omitem que “o Estado pode atuar como avalista das liberdades, em especial frente ao impacto da concentração privada de poder sobre nossas liberdades”.

“Um enfoque abrangente de direitos humanos reconhece também no Estado tal capacidade e, de fato, exige dele a intervenção necessária para proteger e promover os direitos das pessoas”, completa.

Essa é a ideia por trás do chamado Marco Civil brasileiro – uma espécie de Constituição da internet. Ele conseguiu consolidar, depois de um longo processo de consulta junto à sociedade civil, conceitos como o de neutralidade da rede, que impede que as operadoras de telefonia condicionem a qualidade do serviço ao tipo de conteúdo acessado na rede. O texto ainda precisa ser aprovado pelo Congresso, mas já é referência internacional na matéria.

Sérgio Amadeu, importante figura na construção do Marco Civil, afirma que se a internet continuar aberta, livre do controle das empresas detelecomunicações, as possibilidades de colaboração, interação e troca de arquivos digitais continuarão crescendo. “Aaron foi uma grande baixa dessa guerra. Mas milhões de jovens não vivem e nunca viveram de licenças de propriedade.”

Sur 18

Além do dossiê “Informacão e Direitos Humanos”,  a edição 18 da Revista Sur traz artigos sobre outros temas relevantes para os direitos humanos, tais como o impacto de grandes obras de infraestrutura e megaeventos no Brasil, o direito à terra como direito humano e o litígio sobre direito à saúde na cidade de São Paulo.

Acesse aqui todos os artigos da Revista Sur 18.

TEDx

Em sua apresentação no TEDxRuaMonteAlegre, Sérgio Amadeu falou sobre a relação entre informação e direitos humanos e a importância de um marco civil que regule a rede.

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