Em maio de 2021, o Ministério da Justiça e Segurança Pública lançou uma licitação para a contratação de um serviço de espionagem. A princípio, como revelou reportagem do portal UOL, a pasta estava interessada em contratar o software de vigilantismo Pegasus, considerado por especialistas uma verdadeira arma digital de guerra. Desenvolvido pela empresa israelense NSO Group, o serviço já foi utilizado por dezenas de governos em diferentes países para invadir celulares de opositores, jornalistas e defensores de direitos humanos. A empresa, no entanto, deixou as negociações com o governo após repercussão na mídia.

O processo licitatório prosseguiu e em julho a empresa Harpia Tech venceu o Pregão Eletrônico 3/2021 da pasta. Desde o início, o certame chama a atenção porque foi divulgado sem a participação dos órgãos responsáveis por operações secretas, como o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e a Abin (Agência Nacional de Inteligência).

Por se tratar de um processo sem transparência envolvendo recursos públicos e com potenciais riscos à democracia, cinco entidades da sociedade civil apresentaram, já em maio de 2021, uma denúncia no TCU (Tribunal de Contas da União) apontando os problemas no pregão.

Conectas, Instituto Igarapé, Instituto Sou da Paz, Rede Liberdade e Transparência internacional Brasil pediram ao TCU a suspensão imediata do pregão e a revogação da contratação por conta de diversas irregularidades da licitação do governo federal: inadequação da modalidade de licitação escolhida; usurpação de competência e violação do princípio da legalidade; e ilicitude do objeto com evidências de desvio de finalidade, já que o sistema será usado para vigilantismo e perfilamento de pessoas sem qualquer controle jurisdicional, o que é incompatível com Estado Democrático de Direito.

Em agosto de 2021, após conhecida a vencedora da licitação e após as manifestações dos órgãos públicos envolvidos, as organizações manifestaram-se mais uma vez diante do TCU. Para elas, embora a empresa NSO Group tenha deixado o processo, o problema principal é a falta de informação presente na condução deste processo licitatório, impedindo “a população de saber os limites do que exatamente está sendo contratado com dinheiro público”. Nesse sentido, ainda de acordo com a petição, “vê-se que a solução contratada, oferecida pela empresa Harpia Tech, é também potencialmente lesiva ao interesse público, o que torna o investimento de recursos públicos na sua contratação empreitada altamente questionável.”

Ainda de acordo com as entidades, a ferramenta Harpia é bastante perigosa porque “pode fazer uso de dados fruto de invasões, vazamentos e exploits, bem como de crimes virtuais” e não estão previstos mecanismos de controle para coibir eventuais abusos. Outro ponto levantado é que a possibilidade de disponibilizar o serviço para mais de 200 órgãos públicos, incluindo forças de segurança, torna os possíveis danos ainda maiores.

Em novembro de 2021, o TCU determinou de forma unânime nesta quarta-feira (10) a suspensão da aquisição do sistema de espionagem Harpia, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. A decisão cautelar vale até o momento em que o tribunal decidir sobre o mérito da questão, que deve ocorrer apenas depois de ouvir a empresa envolvida.


Ficha técnica

  • Ação: Representação nº 014.760/2021-5
  • Instância: TCU (Tribunal de Contas da União)
  • Status: Em tramitação 
  • Tramitação:
    • 19/05 – Protocolada a denúncia  do Sen. Randolfe Rodrigues
    • 27/05 – Protocolo de denúncia das organizações da sociedade civil
    • 06/08 – Novas informações prestadas pelas organizações da sociedade civil
    • 10/11 – Concessão da cautelar