Em outubro de 2004, o governo federal deu um passo fundamental na luta pela erradicação do trabalho escravo no País ao publicar a portaria nº 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego. O documento, chamado de Lista Suja do trabalho escravo, criava um cadastro público de empregadores que tivessem mantido pessoas em condições análogas à escravidão.

O objetivo da norma era dificultar o acesso a crédito ou ao mercado de produtos e serviços para pessoas físicas ou jurídicas implicadas na exploração de trabalhadores. Também impunha multas e fiscalizações mais intensas por um período de dois anos.

Apenas um mês depois da publicação da portaria, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) ingressou no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma ação direta de inconstitucionalidade (de número 3347) afirmando que o texto violava o direito ao contraditório e à ampla defesa dos empregadores incluídos na lista. Também sustentava invasão de competência por parte do Ministério do Trabalho, que não teria prerrogativa de legislar sobre o tema.

Em sua manifestação, a AGU (Advocacia-Geral da União) afirmou que tratados, resoluções e convenções internacionais, bem como leis ordinárias e decretos, dão legitimidade jurídica para a atuação da pasta no combate às formas de escravidão.

A AGU defendeu ainda que a portaria não conferia novas atribuições ou novos direitos e obrigações ao MTE, apenas estabelecia procedimentos internos. Também rebateu o argumento de que haveria violação aos princípios da garantia do devido processo legal ou da ampla defesa, uma vez que o texto não determinava punição aos empregadores, nem outorgava ao Ministério competência para julgar.

Em sua contribuição como amicus curiae, a Conectas defendeu a constitucionalidade da portaria e sua sintonia com o ordenamento
 jurídico. Segundo a entidade, o texto ampliava os meios para alcançar os objetivos de erradicação do trabalho escravo estabelecidos pelo PNDH (Programa Nacional de Direitos Humanos), pelo Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e pelas convenções internacionais sobre o tema ratificadas pelo Brasil.

A organização afirmou que não havia qualquer violação às garantias constitucionais, posto que a própria Carta de 1988 determina que o Estado brasileiro tome medidas legais e administrativas para impedir violações à dignidade das pessoas.

“O princípio da dignidade humana, como mandato maior de otimização imposto pela nossa Constituição, determina que o Estado brasileiro tome todas as medidas, legais e administrativas, ao seu alcance, para impedir violação à dignidade das pessoas”, diz trecho do documento apresentado pela Conectas.

Ainda segundo a entidade, a Lista Suja atinge o cerne do problema ao inviabilizar economicamente, pela imposição de pesados custos, a exploração do trabalho escravo. “A portaria em questão representa uma resposta ao anseio de nossa sociedade pela resolução do vergonhoso problema que é a escravidão, sendo uma importante ferramenta para a proteção dos trabalhadores brasileiros uma vez que atinge os exploradores de forma direta ao dar subsídios para inviabilizar economicamente tal atividade.”

Finalmente, a entidade também afastou o argumento central dos peticionários ao afirmar que processos administrativos como os da Lista Suja estão amparados pela ampla defesa e que qualquer desrespeito à Constituição pode ser levado ao poder Judiciário.

Em 2011, o governo federal publicou uma nova portaria de conteúdo similar, o que fez com que, em 2012, a ADI 3347 fosse extinta pelo relator Ayres Britto sem julgamento de mérito.

Nos anos seguintes, a Lista Suja voltaria a ser questionada diversas vezes no STF e em outros órgãos do sistema de Justiça, como o Tribunal Superior do Trabalho. Em 2020, no âmbito da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), o Supremo determinou a constitucionalidade do documento.

Ficha técnica: 

Ação: ADI-3714
Instância: Supremo Tribunal Federal 
Status: Extinta pelo relator Ayres Britto sem Julgamento de mérito.
Tramitação: 

  • 15/10/04 – Edição da Portaria nº 540/2004 pelo Ministério do Trabalho que criou a Lista Suja do Trabalho Escravo
  • 16/11/04 – Petição inicial da ADI-3347
  • 12/5/11 – Edição da Portaria Interministerial nº 2/2011, com conteúdo similar, pelo Ministério do Trabalho e a Secretaria de Direitos Humanos
  • 15/1/15 – Pedido de ingresso da Conectas como amicus curiae
  • 3/4/12 – Decisão de Ayres Britto extingue a ADI-3347
  • 22/12/14 – Nova ação (ADI-5209) pede suspensão da Lista Suja
  • 27/12/14 – Ministro Ricardo Lewandowski emite decisão liminar monocrática suspendendo a divulgação da Lista Suja
  • 31/3/15 – Governo publica nova portaria interministerial (nº 2/2015) esclarecendo processo administrativo para inclusão de novos nomes na Lista Suja
  • 11/5/16 – Governo publica nova portaria interministerial (nº 4/2016) adicionando à norma a possibilidade de celebração de TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) e acordos judiciais no prazo de até dois anos antes da inclusão de novos nomes na lista
  • 20/5/16 – Em decisão monocrática, a ministra Carmen Lúcia, nova presidente do STF, determina o encerramento de todas as ações relacionadas à Lista Suja e reconhece que a Portaria nº 4/2016 é constitucional
  • 14/3/17 – Tribunal Superior do Trabalho decide pela publicação da lista Suja
  • 23/3/17 – Depois de um hiato de mais de dois anos, União volta a publicar a Lista Suja
  • 16/10/17 – Governo federal edita uma nova portaria (nº 1129/2017) afrouxando as regras para a fiscalização e esvaziando o conceito de trabalho análogo à escravodão – o documento foi apelidado de “Portaria do Trabalho Escravo”
  • 24/10/17 – STF suspende liminarmente a portaria Portaria nº 1129/2017
  • 27/12/17 – Governo federal publica a Portaria nº 1293/2017, alterando novamente o conceito de trabalho escravo. O documento estabelece os critérios que são aplicados até hoje.
  • 14/9/20 – Em julgamento de mérito da ADPF-509, o STF determina a manutenção da Lista Suja.