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16/02/2021

A necropolítica por trás do armamento da população no Brasil

Às vésperas do carnaval, Jair Bolsonaro edita quatro decretos que facilitam o aumento da circulação de armas e munições



“Estou armando o povo porque não quero uma ditadura, não dá para segurar mais. Quem não aceitar minhas bandeiras, família, Brasil, armamento, liberdade de expressão, livre mercado, quem não aceita isso está no governo errado”. 

A frase acima, pronunciada pelo presidente Jair Bolsonaro em controversa reunião ministerial de abril de 2020 ⎯ e que veio à público por decisão do STF ⎯, deixa evidente as perigosas e pouco democráticas pretensões do governo ao esvaziar o Estatuto do Desarmamento. 

Desde que assumiu a presidência, em 2019, o projeto armamentista de Bolsonaro avança cada vez mais no Brasil. A última ação aconteceu na noite do dia 12 de fevereiro, véspera de carnaval, quando o governo publicou quatro decretos federais que facilitam o acesso a armas de fogo e munições em edição extra do Diário Oficial da União.

Só nos dois primeiros anos de governo, foram dez decretos, 14 portarias de órgãos do governo, dois projetos de lei e uma resolução sobre o tema. Entre dezembro de 2018 e dezembro de 2020, o Brasil teve um aumento de 65% no número de posse de armas, de acordo com um levantamento do jornal O Globo em parceria com os institutos Igarapé e Sou da Paz. 

Desta vez, entre as medidas estão a atualização da lista de produtos controlados pelo Exército. Deixam de fazer parte desta categoria, projéteis, máquinas, prensas para recarga de munições, carregadores e miras telescópicas. Além disso, o limite de compras de armas pelos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) sem autorização expressa do Exército passa a ser de 60 para atiradores, 30 para caçadores, e 10 para colecionadores. Cidadãos sem registro também podem adquirir até seis armas, ou oito para membros da magistratura, do Ministério Público e integrantes das polícias federal, estadual ou distrital, e os agentes e guardas prisionais, entre outras medidas. 

Como lembra o advogado Gabriel Sampaio, coordenador do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas Direitos Humanos, a flexibilização do controle de armas está relacionada ao aumento do número de mortes violentas no país. De acordo com o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ocorreram 25.712 mortes violentas de janeiro a junho de 2020 – um aumento de 7%, em relação ao ano anterior.

“Temos essa dimensão, a partir dos dados, de que os maiores afetados pelo aumento da circulação de armas são pessoas negras, sobretudo jovens”, afirma Sampaio. Segundo a última edição do Atlas da Violência (2020), pessoas negras representaram 75,7% das vítimas de todos os homicídios ocorridos no país em 2018. Além disso, segundo Sampaio, o acesso às armas também é identificado com determinados grupos. “Nós sabemos a quem essas armas vão ser destinadas: além dos CACs, estamos falando de pessoas que dispõe de um poder aquisitivo maior”, afirma.  

Para o advogado, a pressão da sociedade civil é imprescindível para impedir as políticas armamentistas. “São decretos abusivos que estão fora da competência do poder executivo. Isso precisa ser amplamente debatido com a sociedade e o Legislativo é um espaço para que esse debate seja feito”, acredita ele. “Flexibilizar o controle de armas no momento em que o Brasil passa pela maior pandemia da história recente é sinal da necropolítica que tem orientado as ações do governo, um total descompromisso com a vida. Essa é a marca mais chocante da edição desses decretos.”

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