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06/11/2014

Vozes do Peru

Ativista cobra do Estado demarcação de terras e apuração dos homicídios de indígenas

Ashaninka women in Tsiquireni, in the shores of Ene River. April 2012. Photo/Tomas Munita Ashaninka women in Tsiquireni, in the shores of Ene River. April 2012. Photo/Tomas Munita

Em algum dia de setembro, em local desconhecido e inacessível, perto da fronteira entre Peru e Brasil, quatro indígenas da etnia Asháninka foram assassinados e esquartejados. O grupo liderado por Edwin Chota, de 54 anos, denunciava a extração ilegal de madeira na região e a falta de compromisso do Estado peruano com a demarcação e proteção de seus territórios.

O crime fez emergir a longa lista de ameaças sofridas e registradas por Chota e sua família ao longo dos últimos 13 anos e uma igualmente extensa lista de dúvidas: por que as autoridades não conseguiram garantir sua segurança? Qual o envolvimento das empresas que operam na zona? Qual a responsabilidade do governo local e que tipo de relações mantém com os empresários?

Maria Esther Mogollón, ativista de direitos humanos que hoje assessora a parlamentar andina Hilaria Supa, responde algumas dessas perguntas. Mogollón, que participou de edições do Colóquio Internacional de Direitos Humanos (evento promovido pela Conectas que há 12 anos reúne defensores em São Paulo), afirma que se formou em direitos humanos “a partir de sua relação com a organização e dos cursos promovidos por ela”. 

á 25 anos, Maria Esther trabalha diretamente com as violações de direitos humanos no Peru. Encabeçou, por exemplo, o movimento contra a esterilização forçada de 320 mil mulheres pobres e indígenas durante a ditadura de Alberto Fujimori.

Ela exige do governo um compromisso efetivo com o fim da violência na região amazônica e com os direitos indígenas. Uma ordem de prisão foi expedida contra um suspeito, mas ninguém foi formalmente acusado pela morte de Edwin Chota, Leoncion Quinticima, Francisco Pinedo y Jorge Ríos até agora.

O que está por trás do assassinato?

Está, sem dúvida, a exploração ilegal de madeiras por empresas e seus capangas. Conforme apuramos, Edwin Chota escreveu às autoridades advertindo do perigo que cercava a sua família, vindo daqueles que realizavam a extração – uma luta que já durava mais de 13 anos. Há alguns dias, chegou ao nosso escritório uma das viúvas com suas filhas e acompanhada do líder Robert Guimarães, dirigente da Federação de Comunidades Nativas de Ucayali e Afluentes (Feconau). Explicaram que o primeiro que exigem é a segurança, pois se sentem muito vulneráveis pela continuidade das ameaças.

Existe relação entre a extração ilegal de madeira e os homicídios?

Sim, há uma relação direta. Várias empresas madeireiras da região cometem delitos condenáveis, entre eles a extração ilegal. Atravessam terrenos e propriedades indígenas e retiram madeira que não está prevista nos contratos. Muitas vezes, trata-se de madeira ‘preciosa’, cujo corte não é permitido. Além disso, contaminam o ambiente, são multadas pelo Estado e proibidas de seguir operando, mas não obedecem, não pagam as multas, ameaçam e assassinam pessoas como o Edwin Chota e outros líderes.

As autoridades têm a obrigação de cumprir a lei e aplicar multas e sanções. Nós lemos os detalhes do caso e as queixas do Sr. Chota e de outros líderes. Elas datam de 13 anos! Dói muito saber que um líder indígena foi assassinado junto a seus companheiros por demandar seus direitos de maneira permanente. A crueldade e o ódio são outros elementos que constituem precedente, porque desse modo seguem ameaçando e aterrorizando as populações indígenas. Em seus relatos, Edwin Chota listava nomes de onde provinham as ameaças. Por conta de tudo isso, os sinais de corrupção também devem ser investigados.

Uma das barreiras para que a comunidade Asháninka consiga a demarcação das terras é que esse território foi declarado ‘zona produção florestal permanente’. É possível que o Estado mude isso?

Sabe-se que os indígenas de zonas como Saweto estavam trabalhando para a demarcação de suas terras, que são herdadas sem escrituras. Houve pouca vontade política das autoridades da região de Ucayali: tinham esse mandato e não o cumpriram.

O governo anunciou que oferecerá apoio às comunidades indígenas para a demarcação das terras através do ministério da Cultura. O presidente Ollanta Humala sinalizou, recentemente, que colocará à disposição das comunidades indígenas advogados confiáveis, para que não sejam enganados.

O Estado implementa mecanismos para resguardar as comunidades indígenas? Em caso negativo, que tipo de mecanismos deveriam ser criados?

Há leis que defendem as populações em geral e as comunidades indígenas, em particular – e essas leis têm de ser aplicadas. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas complementam as leis peruanas. A parlamentar Hilaria Supa está exigindo que haja mais proteção.

Em que medida as empresas extrativas e os projetos de infraestrutura serão responsabilizados pela violência?

Espero que as investigações sejam rápidas. Alguns suspeitos brasileiros detidos que dizem que há culpados ainda soltos. As viúvas sinalizam que por trás de tudo isso estão as empresas madeireiras da área e essa relação deve ser escrutinada. O peso da lei deve ser aplicado, assim como as sanções e o ressarcimento às famílias. Isso vai abrir um precedente e esperamos que seja com a verdade e a justiça.

Nesse sentido, a Comissão sobre Segurança Regional e Desenvolvimento Sustentável do Peru busca observar e denunciar questões que estejam relacionadas com a mudança climática, com o tráfico de pessoas (especialmente meninas e meninos), os direitos dos povos indígenas desde a herança de tecnologias ancestrais, a segurança alimentar, a luta contra o narcotráfico e a segurança regional.

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