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27/11/2014

Vozes do México: O que vem a seguir?

Para ativista, desaparecimento de estudantes pode gerar mais repressão e mudou país



Um terremoto cujos tremores ainda se sentem, de várias intensidades. A crise no México, iniciada há exatos dois meses com o desaparecimento dos 43 estudantes da escola normal rural de Ayotzinapa, parece estar ainda longe do fim. As diversas manifestações no México com queima e depredação de edifícios governamentais refletem o nível de tensão da população que exige respostas.

Vivos se los llevaron. Vivos los queremos”, “todos somos Ayotzinapa” e “ya me canse del miedo” são os principais gritos das multidões que continuam a ocupar diariamente o Zócalo, principal praça da Cidade do México. Nem mesmo a prisão de dezenas de manifestantes de forma arbitrária e violenta, segundo relatos de organizações locais, tem arrefecido os ânimos.

E a situação ainda pode piorar, segundo opinião de Miguel Pulido, diretor da Fundar, organização mexicana de direitos humanos. Para ele, o governo usará ainda mais violência para reprimir os protestos crescentes. Por outro lado, ele levanta a possibilidade de esta indignação ser sinal de que a sociedade mexicana não aceita mais certas violações, antes costumeiras, dos direitos humanos. Leia abaixo:

Conectas – O desaparecimento dos estudantes fez com que o debate sobre os direitos humanos sofresse alguma mudança no México?  

Miguel Pulido – O que mudou com o desaparecimento dos estudantes foi que a sociedade passou a se recusar a aceitar as violações dos direitos humanos como uma consequência inevitável da luta contra o crime organizado. Começaram a acontecer discussões nas famílias, nas organizações, em vários lugares, sobre os altos índices de violência, de sequestros e mortes e seu custo social. Não apenas parece haver uma mudança na forma como nos relacionamos com essas tragédias, mas também uma rejeição às explicações fáceis e às tentativas das autoridades de não assumir responsabilidade.

A sociedade parece ter parado de repetir frases como “os direitos humanos são para humanos direitos e não para bandidos” e passou a entender que os problemas sociais devem ser resolvidos não com bala, mas por meio de instituições. O problema é que se constatou que as instituições não são apenas fracas, mas estão corrompidas por ligações com o crime organizado e portanto é necessária uma mudança radical.

C – Que tipo de respostas a sociedade espera do Estado neste momento?

MP – O Governo Federal e a classe política em geral têm sido perversos em sua análise sobre os fatos. Os esforços têm sido em conter o custo que as manifestações têm em termos de imagem, principalmente internacional. Também vão tentar controlar midiaticamente qual será o foco da discussão pública com um conjunto de acusações frívolas e pouco sérias entre partidos políticos e funcionários de diversos níveis.

Também é previsível um período de promessas para reformar o governo, mas com pouco compromisso real. Qualquer saída que ponha no centro das discussões a agenda dos direitos humanos inevitavelmente deverá ter um novo foco que ponha fim ao arranjo institucional de corrupção e impunidade. A crise que vivemos em termos de direitos humanos deriva de um pacto político que reproduz e assegura a impunidade das violações. É importante então evitar que as novas reformas sejam novos esquemas de simulação.

C – Acredita que o sentimento de indignação da sociedade está crescendo ou que mesmo tenha chegado a seu ápice?

MP – A incapacidade e a extrema fragilidade política e institucional para lidar com a crise tem funcionado como um motivo adicional para a mobilização social. O que parece estar em um futuro imediato é que o Estado mostrará sua cara mais repressiva e autoritária. A forma de manejar a crise será distrair a atenção sobre certas formas de protestar, como se este fosse o ponto principal do debate. A impunidade é tão escandalosa que a polícia e outras forças da ordem cometerão novas violações de direitos humanos. Estas são medidas para desmobilizar a população. O desafio da sociedade mexicana será organizar-se, para evitar que as medidas de repressão surtam efeito desmobilizador, enquanto mantém a indignação expressa nas ruas.

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