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07/06/2022

Txai Suruí: os povos indígenas estão na linha de frente contra o desmatamento

Ativista indígena relata sua participação na conferência Estocolmo+50 e mostra como os povos originários podem contribuir para o debate climático e ambiental a nível global

A ativista Txai Suruí (Foto: Ana Pessoa\Mídia Ninja) A ativista Txai Suruí (Foto: Ana Pessoa\Mídia Ninja)

Cinquenta anos depois de Estocolmo (Suécia) sediar a primeira conferência da ONU que colocou o Meio Ambiente no centro da discussão diplomática, a capital sueca voltou a ser palco de discussões ambientais e climáticas na primeira semana de junho de 2022, durante a conferência Estocolmo+50, que celebrou as cinco décadas da primeira.

A celebração fez um balanço do papel da conferência de 1972, quando, por exemplo, foi criado o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). Mas o presente e o futuro do planeta, incluindo o senso de urgência para enfrentar os problemas climáticos e socioambientais estiveram nas discussões de governos, sociedade civil, empresas e outros atores presentes na Estocolmo+50. 

Contribuindo para o debate, a ativista indígena Txai Suruí, uma das participantes da conferência deste ano, deixa sua mensagem, que reflete a visão de muitos povos originários: é possível viver em harmonia com a natureza e isso não significa pobreza. Coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental (Kanindé) e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, Txai Suruí conversou com a Conectas sobre a conferência diretamente de Estocolmo. Ela chama a atenção para a necessidade de incluir mais pessoas no debate sobre justiça climática e destaca o papel dos indígenas na defesa da Amazônia. Confira: 

Conectas – A conferência chama para a construção de um planeta sustentável para todos. Como, então, incluir todas as pessoas nessa pauta e tornar a justiça climática e ambiental uma realidade?

Txai Suruí – Primeiro, para incluir todas as pessoas, elas deveriam estar aqui. O que a gente está vendo, estando na conferência, é a pouca representatividade. Escutei várias histórias e escutei da conselheira jovem da ONU [Archana Soreng] sobre a dificuldade para pessoas de outros locais conseguirem visto para estarem aqui. Da África, da Índia, de vários locais. Como a gente vai ter uma discussão inclusiva, que leva em consideração todas as realidades, se essas pessoas não estão aqui? Quem sabe das suas próprias realidades é quem está passando por elas. Então, acho que para a gente começar a pensar em incluir todas as pessoas e pautar a justiça climática, essas pessoas deveriam estar aqui falando, participando dos painéis. As decisões são tomadas pelo governo, mas por que o governo não escuta quem está passando, de verdade, pelas consequências da mudança climática? Para construir um caminho que chegue na justiça climática, as pessoas precisam ser levadas em consideração, especialmente as pessoas que estão sendo mais afetadas. 

Conectas –  Este evento em Estocolmo celebra os 50 anos da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente de 1972. Para você, qual é o papel dessas conferências? É possível que essas reflexões se tornem políticas públicas? 

Txai Suruí –  O papel dessas conferências é exatamente juntar todos esses atores […]. É possível que essas reflexões se tornem políticas públicas se a gente colocar em prática. A execução é a parte mais difícil da política pública porque a gente já sabe o que precisa ser feito e onde está o erro. Por exemplo, o problema do Brasil hoje é o desmatamento e a promessa é acabar com o desmatamento no país até 2028. Qual é a dificuldade disso? É colocar isso em prática. Não só falar que vai acabar com o desmatamento, mas é preciso ter fiscalização que funcione, que, de fato, vá nas terras indígenas, nas unidades de conservação, que estão sofrendo todo esse desmatamento. 

Conectas – E essas conferências internacionais elas ajudam de que forma? Elas conseguem ajudar a segmentação ali na ponta das políticas públicas? Você que tem uma conexão entre o global e o local, como o pessoal fala? 

Txai Suruí – Sim. Dentro das terras indígenas a gente está fazendo um trabalho local que vai afetar globalmente. Aqui é ao contrário: são discussões globais que ajudam a pensar o local. Energia, transição justa, economia… a discussão é a nível de mundo para que quando a gente chegar em nosso país, seja possível implementar isso, levando em consideração o que os outros países e as outras pessoas já estão fazendo. Assim, todo mundo estará seguindo o mesmo caminho, o mesmo objetivo, que é um mundo com justiça climática e mais sustentável.

Conectas – De um modo geral, quais são os temas que a sociedade civil e movimentos sociais do Brasil levam para essa conferência? Qual é a contribuição que o Brasil oferece para o debate?

Txai Suruí – A gente sabe o contexto que o Brasil está vivendo – desmatamento, ataque aos Direitos Humanos – e não tem como falar de justiça climática, de mudanças climáticas, sem falar das pessoas em primeiro lugar. Primeiro porque as pessoas serão as primeiras afetadas e depois porque são as pessoas que estão fazendo a proteção ou a destruição desse meio ambiente. Então, as pessoas estão em todas as partes desse processo. Aqui, trazemos a nossa realidade. Na COP26, o governo brasileiro estava falando uma coisa que não era realidade, que esse negócio de destruir a Amazônia é mentira, que não é bem assim. A gente foi para lá falar a realidade, dizer a verdade, e a gente está aqui mais uma vez para trazer isso. As mineradoras, as hidroelétricas e todos esses grandes empreendimentos estão sendo colocados no Brasil com incentivo do governo brasileiro, com incentivo de quem deu o progresso somente como destruição, mas essas empresas são de fora, são empresas estrangeiras. Então a gente está aqui para dizer, por exemplo, que o minério é o produto que a Suécia mais exporta. E quais são os maiores problemas hoje no Brasil quando a gente vai falar em terras indígenas? É o garimpo. Então, falar por exemplo para os suecos: parem de financiar o genocídio indígena. 

Conectas – Como os povos indígenas, especialmente do Brasil, estão contribuindo para a construção desse planeta sustentável que o evento faz referência? Por que é importante considerar esses povos, especialmente a juventude indígena, nesse diálogo sobre meio ambiente e clima? 

Txai Suruí –  Os povos indígenas são 5% da população e protegem 80% de toda a biodiversidade no planeta. Além disso, hoje no Brasil, as terras indígenas protegem mais do que as unidades de conservação. É possível perceber a importância de se ter uma população lá para proteger aquele meio ambiente. Somos nós os povos indígenas que estamos na linha de frente contra a destruição da floresta. Quando o invasor chega para desmatar, ele tem que passar primeiro pela gente. E quando ele desmata, ele queima, as pessoas às vezes pensam “ah, queimada, desmatamento é uma coisa [que está] longe”, ou pensam “ah, tão [só] cortando as árvores”, mas na verdade eles não estão só cortando as árvores. Quando eles vão lá, invadem e cortam as árvores, eles estão destruindo a nossa casa. Muitos líderes tiveram suas casas queimadas. Eu já perdi amigos nessa luta. A gente está, literalmente, lutando com os nossos corpos para manter a Amazônia em pé. Para manter a floresta em pé. Nenhuma outra sociedade faz isso.

E mais do que isso, nossa contribuição é de visão de mundo mesmo: viver em harmonia com a nossa floresta não significa ser pobre. Muitas vezes os povos indígenas são vinculados à pobreza, à burrice, à miséria, mas, na verdade, a gente está mostrando que é lá que existe qualidade de vida, porque quando a gente está protegendo, tem água limpa, tem comida para todo mundo e de graça. A floresta dá tudo de graça. Aqui  na cidade, tudo é comprado, não tem nada de graça. E lá, eu nunca vi ninguém passar fome. É também uma visão de coletivo que entende todos como parte do mundo, que a gente não só vive na floresta, mas que nós somos a floresta.

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