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Senado aprova projeto que permite audiências de custódia remotas

PL pode agravar cenário de tortura de pessoas custodiadas; relatório recente da Conectas e do IDDD já aponta como palavra das vítimas é negligenciada

Man, who was caught in the act of committing a crime, comes before the judge in a custodial hearing in São Paulo (SP)
Man, who was caught in the act of committing a crime, comes before the judge in a custodial hearing in São Paulo (SP)

O Senado aprovou nesta terça-feira (18) um projeto de lei que permite a realização de audiências de custódia por videoconferência durante a pandemia de covid-19. De autoria do senador Flávio Arns, o PL 1.473/2021 retrocede decisão recente do próprio Congresso Nacional, que rejeitou a possibilidade de audiências de custódia remotas quando derrubou vetos presidenciais ao Pacote “anticrime”. O projeto segue para a Câmara dos Deputados. 

“Trata-se de uma decisão que compromete a razão de ser de um importante mecanismo para identificar prisões ilegais e a ocorrência de violência policial”, afirma Carolina Diniz, assessora do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas. Desde 2015, após Resolução do Conselho Nacional de Justiça, as pessoas presas em flagrante devem ser apresentadas à presença de um juiz em até 24h. Com isso, o magistrado consegue verificar se a pessoa sofreu tortura ou maus-tratos durante a abordagem policial. 

O projeto aprovado é sustentado por argumentos sanitários, ou seja, de que as audiências de custódias remotas seriam necessárias para conter o avanço da covid-19. No entanto, nota técnica da Conectas e do IDDD avalia que estas justificativas não fazem sentido. Alguns Estados seguem realizando audiências de custódia de forma presencial, demonstrando que  é possível estabelecer protocolos sanitários eficientes para minimizar o contágio pelo vírus nestes ambientes.  A nota das organizações pontua ainda que não existem previsões que apontem para o fim da pandemia, tirando da lei qualquer caráter de excepcionalidade. 

“O custo financeiro para a aquisição de equipamento de ponta para realizar a videoconferência de forma adequada (isto é, simulando um ambiente que seja o mais próximo possível do presencial) é muito maior do que o custo para rearranjar as já existentes salas de audiência conforme os protocolos sanitários e implementar as medidas de biossegurança”, ressalta a nota.  Para Diniz, com o alto investimento nestes equipamentos, é possível que o uso da videoconferência não seja descartado após a crise sanitária. 

Sala de audiência de custódia no Tribunal de Justiça de Roraima. Placas de acrílico foram instaladas por conta da covid-19. Foto: Orib Ziedson/TJRR

Ainda de acordo com Diniz, as audiências de custódia por videoconferência têm sido realizadas em instalações de órgãos de segurança pública ou estabelecimentos prisionais, sendo impossível de se garantir um ambiente seguro para o despertar de relatos de tortura e maus tratos, conforme recomenda normas internacionais, já que são locais onde circulam e trabalham aqueles que possivelmente praticaram a violência. 

As audiências remotas podem agravar ainda mais o cenário de tortura contra pessoas presas em flagrante. Como aponta o recente relatório “Investigações em Labirinto”, produzido pela Conectas e pelo IDDD,  indícios e denúncias de violência policial em audiência de custódia presenciais já são ignoradas por magistrados e outras autoridades públicas graças a uma estrutura que deslegitima a palavra das vítimas para blindar os agentes de segurança. As irregularidades e as falhas em investigações de maus tratos com a  modalidade virtual dificultam ainda mais a responsabilização de agentes do estado. 


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