No Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo (28), a Conectas divulga a terceira parte do relatório “Trabalho escravo no café: das fazendas às multinacionais”, que destaca violações trabalhistas na cadeia global de produção do café, com foco no Brasil. O estudo, dividido em três partes, integra o projeto Mind the Gap.
A pesquisa aponta ainda falhas estruturais, como a falta de transparência e governança, que facilitam a terceirização irregular de mão de obra e o uso de certificações que encobrem condições de trabalho precárias. Entre 2013 e 2023, o setor cafeeiro subiu da quarta para a primeira posição no ranking nacional de trabalho escravo, concentrando 11,4% das vítimas.
Parte 1 – Trabalho escravo no café: das fazendas às multinacionais
Parte 2 – Trabalho escravo no café: das fazendas às multinacionais
Mesmo com avanços na mecanização, os índices de exploração permanecem altos: em 2023, 316 trabalhadores foram resgatados, o maior número em 20 anos. O relatório também destaca falhas na fiscalização, como em 2017, quando apenas 88 operações foram realizadas em todos os setores econômicos, o menor índice desde 2005.
Como mostra o documento, em 2018, Conectas e Articulação dos Empregados e Empregadas Rurais do Estado de Minas Gerais (Adere-MG) denunciaram ao Ponto de Contato Nacional (PCN) do Brasil casos de trabalho análogo à escravidão em fazendas de café do Sul de Minas Gerais, região fornecedora pramultinacionais como Nestlé, Jacobs Douwe Egberts (JDE), McDonald’s, Dunkin’ Donuts, Starbucks e Illy. O PCN, responsável por promover as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais, aceitou parte das denúncias, mas carece de mecanismos de monitoramento efetivo.
Apenas Nestlé e Dunkin’ Donuts se dispuseram a tratar do tema e somente a primeira firmou compromissos em relação ao problema. McDonald’s e JDE recusaram as negociações, e os casos envolvendo Starbucks e Illy foram arquivados sem possibilidade de recurso.
A Nestlé apresentou medidas que incluem auditorias externas para verificar condições de trabalho nas propriedades, consultas a representantes dos trabalhadores para identificar violações e a criação de fóruns regionais voltados para empregadores e trabalhadores. Além disso, comprometeu-se a divulgar o canal de denúncias do Governo Federal, o Sistema Ypê, em materiais expostos nos locais de trabalho e nos transportes fornecidos aos trabalhadores.
De acordo com a empresa, as ações da Nestlé visam promover maior transparência e melhorar as condições de trabalho na cadeia do café, respondendo às recomendações feitas após denúncias de trabalho escravo em fazendas mineiras.
Em entrevista à Conectas, Jorge Ferreira dos Santos, liderança da Adere-MG destacou que a falta de conhecimento é um dos maiores obstáculos. Para ele, muitos trabalhadores rurais naturalizam as condições que sofrem e não sabem reconhecer as condições de trabalho escravo. “A maioria dos trabalhadores rurais do café não sabe que está submetida a trabalho escravo”, afirmou. Esse desconhecimento se estende à sociedade, que ainda teme enfrentar o problema, e aos próprios produtores de café, muitos dos quais desconhecem as leis trabalhistas e empregam sem orientação adequada.
Outro ponto crítico citado por Jorge é a estrutura limitada do Ministério do Trabalho. Ele ressalta que o número reduzido de auditores fiscais dificulta a fiscalização efetiva nas fazendas de café espalhadas pelo país. Além disso, ele critica as multas trabalhistas, consideradas baixas e incapazes de desestimular empregadores, que as tratam como meros custos operacionais. “As multas trabalhistas do trabalho escravo são baixas, e por serem baixas o empregador acredita que compensa para ele essa prática.”
Para a liderança, o Estado precisa tratar o trabalho escravo como um crime grave, incluindo prisões imediatas durante fiscalizações. Ele também defende a responsabilização de empresas que lucram na cadeia produtiva do café e a implementação de políticas públicas que combatam a vulnerabilidade social.
“O resgate dos trabalhadores por si só é insuficiente para fechar as portas do trabalho escravo. Um dos grandes desafios que nós temos é o fortalecimento e a sobrevivência das organizações de base que lidam com esses trabalhadores”, concluiu, reforçando a importância de uma estrutura de cooperação que garanta dignidade aos trabalhadores e apoio às organizações que lutam contra essa prática.