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O que significa a nova resolução da ONU que considera o meio ambiente saudável como um direito humano

Às vésperas da Conferência do Clima, de Glasgow, medida reforça a ideia de que grupos vulneráveis são os que mais sofrem com a destruição do planeta

Povo Huni Kuĩ (Kaxinawa), em área de floresta queimada, no Acre. Para ONU, indígenas fazem parte do grupo de pessoas que mais sofrem com a crise ambiental. Foto: Denisa Sterbova/Cimi Povo Huni Kuĩ (Kaxinawa), em área de floresta queimada, no Acre. Para ONU, indígenas fazem parte do grupo de pessoas que mais sofrem com a crise ambiental. Foto: Denisa Sterbova/Cimi

Atualizado em agosto de 2022

Em outubro de 2021, o Conselho de Direitos Humanos da ONU reconheceu, pela primeira vez, que o meio ambiente limpo, saudável e sustentável é um direito humano. A resolução histórica, considerada um marco para a justiça ambiental, foi proposta por Costa Rica, Maldivas, Marrocos, Eslovênia e Suíça, e passou com 43 votos a favor. Apenas quatro países se abstiveram: Rússia, Índia, China e Japão. Já em julho de 2022, foi a vez da Assembleia Geral das Nações Unidas aprovar uma resolução declarando que todas as pessoas no planeta têm direito a um meio ambiente limpo e saudável.

O órgão conclamou os 193 Estados-membros da ONU a intensificarem os esforços para garantir que todos tenham acesso a um “meio ambiente limpo, saudável e sustentável”.

A ideia é que os países agora trabalhem em parceria para que o novo direito reconhecido seja implementado. Além disso, uma segunda resolução também estabeleceu a criação de um posto de relator especial dedicado a observar o impacto das mudanças climáticas nos direitos humanos. 

O texto da resolução diz que o impacto das alterações climáticas e outros problemas, como a utilização insustentável dos recursos naturais, a poluição do ar, da terra e da água interferem no gozo de um meio ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável, e que os danos ambientais têm implicações negativas, tanto diretas como indiretas, para o gozo efetivo de todos os direitos humanos”.

“A ação decisiva do Conselho de Direitos Humanos em reconhecer o direito humano a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável tem a ver com a proteção das pessoas e do planeta — o ar que respiramos, a água que bebemos, os alimentos que comemos. É também sobre a proteção dos sistemas naturais que são pré-condições básicas para a vida e meios de subsistência de todas as pessoas, onde quer que vivam”, afirmou a alta-comissária de Direitos Humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet, em um comunicado. “Por estar há muito tempo clamando por esta medida, me sinto satisfeita pelo Conselho reconhecer claramente a degradação ambiental e a mudança climática como crises de direitos humanos interconectadas.”

Segmentos sociais vulneráveis 

A coordenadora do programa de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas, Julia Neiva, reforça a importância da intersecção entre as pautas e lembra que a resolução também é uma vitória da sociedade civil. “Temos, agora, mais um instrumento que nos ajuda cada vez mais a mostrar que grupos socialmente vulneráveis sofrem mais com a destruição ambiental. O desmatamento, a contaminação dos rios e a falta de saneamento básico impactam mais as pessoas negras, indígenas e pobres”, declara, reforçando o conceito de “racismo ambiental”. Para a resolução, povos indígenas, idosos, pessoas com deficiência e mulheres e meninas são os segmentos sociais que mais sofrem com os danos ambientais. 

Ainda que tenha votado a favor da resolução, o Brasil também votou a favor ou se absteve em propostas que foram apresentadas pela Rússia com o intuito de enfraquecer a decisão do Conselho. Além disso, o Itamaraty também apresentou emendas para garantir a soberania nacional sobre a Amazônia, mas as retirou por conta da alta probabilidade de derrota. No final, apesar de apoiar a resolução, lamentou a exclusão da referência à soberania, e alertou para eventuais “ambiguidades” em trechos da medida. 

Discussões na COP26

A resolução chega nas vésperas da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP26, que ocorre em Glasgow, na Escócia, na primeira quinzena de novembro. Defensores ambientais e líderes globais acreditam que a reunião poderá ser um “ponto de virada” para o futuro do planeta, já que deve envolver 200 países que discutirão sobre metas ambientais e novos modelos de negócios mais adequados à realidade atual. 

E a resolução do Conselho de Direitos Humanos não deve ficar de fora. Neiva, da Conectas, lembra que a nova norma vai fortalecer a comunidade global a adotar, internamente, novas leis e marcos regulatórios destinados a proteção socioambiental, além de pressionar países a se unirem às mais de cem nações que já reconhecem, internamente, o direito a um meio ambiente saudável, ainda que não se trate de um tratado internacional. 

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Michelle Bachelet reforça que a resolução é um impulso necessário para nos ajudar a ir além da falsa separação entre ação ambiental e proteção dos direitos humanos. “É muito claro que um objetivo não pode ser alcançado sem o outro e, para tanto, deve ser assegurada uma abordagem equilibrada e baseada nos direitos humanos para o desenvolvimento sustentável”, assegurou. “Durante a preparação para a reunião da COP26, em Glasgow, e as negociações da Estrutura Global de Biodiversidade pós-2020, as resoluções do Conselho de Direitos Humanos irão, esperançosamente, estimular uma aceitação mais ampla de tal abordagem.”


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