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27/04/2012

Igualdade: O que muda no Brasil com o reconhecimento da constitucionalidade das cotas

Advogados da Conectas Direitos Humanos que participaram do caso no Supremo analisam o impacto desta decisão histórica e refletem sobre o futuro da agenda da diversidade no Brasil

Quando ativistas negras e negros lutam por políticas públicas antirracistas, o objetivo não é estabelecer privilégios para esta população, mas criar formas de reduzir a desigualdade entre brancos e negros. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil Quando ativistas negras e negros lutam por políticas públicas antirracistas, o objetivo não é estabelecer privilégios para esta população, mas criar formas de reduzir a desigualdade entre brancos e negros. Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem (26/04) por unanimidade que as cotas raciais nas universidades brasileiras são constitucionais. Conectas participou do caso (ADPF 186) como amicus curiae, participou da audiência pública e fez sustentação oral no julgamento (25/04).

Para entender melhor o impacto da decisão, a organização pediu a seis advogados que trabalharam no caso que analisassem o assunto e alguns de seus desdobramentos em nível não apenas jurídico, mas também social.

“Primeiramente, a decisão do STF adota uma concepção de direitos, de mérito e de igualdade que leva em consideração resultados, quebrando com paradigma estritamente liberal tradicional. Nesse sentido, o STF entende que para que grupos discriminados tenham acesso efetivo a direitos de forma igualitária, e preciso dar-lhes ferramentas para enfrentar as barreiras adicionais impostas pela discriminação. A adoção dessas ferramentas e, dessa forma, requerida pela Constituição e uma dessas ferramentas são as ações afirmativas. Segundo, uma vez adotada uma concepção de direitos voltada a resultados, nota-se a possibilidade de testar políticas publicas que levem a esses resultados. O STF quebra, dessa forma, com um outro paradigma estritamente liberal: a separação entre direitos e políticas publicas distributivas. Direitos e políticas publicas estão fortemente ligados e diferentes modelos de ações afirmativas podem e devem ser testados, analisados e comparados para que as opções que promovam maior acesso, inclusão e diversidade prevalessam.” | Daniela Ikawa, advogada da Conectas de 2003 a 2009.

“A decisão de ontem (26/04) tem uma importância fundamental para a sociedade brasileira em dois aspectos principais: o primeiro é de que é chegado o momento para adoção de medidas positivas de promoção da igualdade de grupos que têm sido historicamente discriminados, ou seja, o País tem o dever de agir para superar as desigualdades profundas que marcam a sociedade brasileira. Assim, ainda que tardiamente, já que o tema da ação afirmativa e cotas raciais está há mais de dez anos na pauta do STF, o reconhecimento da constitucionalidade das ações afirmativas e cotas raciais para ingresso na Universidade certamente permitirá que medidas de superação de desigualdades sejam implementadas e produzam seus benéficos resultados. O segundo ponto é a reafirmação do STF como um espaço de proteção de grupos minoritários, na acepção politica do termo. É inegável que o STF tem sido um espaço privilegiado de promoção de direitos humanos de grupos que não conseguem ultrapassar as barreiras de nosso legislativo, como os recentes casos de união homoafetiva e antecipação de parto de feto anencéfalo, ou que enfrentam muita resistência nos tribunais, como no caso da ação afirmativa e cotas raciais. Diante desta crescente importância do STF, a presença de organizações da sociedade civil, como a Conectas Direitos Humanos e outras tantas que se manifestaram com muita propriedade nesta ação, tem o objetivo de pluralizar o debate e dar voz às organizações que lidam cotidianamente com a promoção de direitos humanos. Um tribunal mais aberto é um tribunal mais capaz de oferecer respostas que a sociedade brasileira almeja.” | Eloísa Machado, advogada, coordenadora do Programa de Justiça da Conectas de 2003 a 2009.

“Ontem foi um dia de vitória para o movimento negro e para a sociedade como um todo. A decisão do STF finalmente apontou para a desconstrução de uma série de mitos, sendo o maior deles o de que o Brasil vive uma democracia racial. Os ministros deixaram claro que o problema da desigualdade no Brasil não é apenas econômico. Ao contrário, a segregação com recorte racial é uma marca tão forte em nossa história que a mera passagem do tempo não foi e nunca seria capaz de alterar a realidade. Ainda, o tribunal afirmou que a meritocracia não se realiza quando as pessoas partem de pontos tão distintos. E reforçou que as experiências das universidades brasileiras têm demonstrado que a convivência entre brancos, negros e índios só tem enriquecido os ambientes de ensino. A participação da sociedade evitou o risco de que o Poder Judiciário ficasse alheio à dura realidade de pessoas que, por vezes, são invisíveis aos olhos do próprio Estado. Conectas cumpriu um papel de grande relevância ao trazer a discussão para o campo dos direitos humanos, contribuindo para a construção de um país que trate as pessoas igualmente e que, ao mesmo tempo, respeite a pluralidade”. |Flavia Annenberg, advogada da Conectas desde 2011.

“De longe, a meu juízo, foi o julgamento mais importante da história do Supremo. Foi um julgamento que conferiu ao princípio constitucional da igualdade um sentido inovador, transformador e revolucionário. Foi um julgamento que reafirmou o crédito, a fé e a esperança das pessoas no sistema judiciário e inaugurou um novo momento para os que lutam pelas políticas públicas. Com isso, o movimento negro encerra um ciclo e inicia outro. O STF não aprovou cotas. Aprovou o princípio da ação afirmativa para negros e para quaisquer outros segmentos marginalizados no Brasil. Isso significa que a agenda do movimento está agora aberta. Há reivindicações a serem feitas nas áreas de cultura, saúde, educação etc. Do ponto de vista da agenda do movimento, esta decisão foi não apenas um alento, mas ela também alarga muito os horizontes das lutas que estão por vir.” | Hédio Silva, advogado. Responsável pela sustentação oral da Conectas no julgamento da ADPF 186 (26/04).

“A esperada e histórica decisão do STF, que finalmente reconheceu a constitucionalidade das cotas raciais no âmbito das universidades contribuirá enormemente para a construção de um Brasil menos desigual e mais justo. Ao reafirmar o direito à igualdade e à educação como fundamentais para a sociedade brasileira, reconhecendo a discriminação racial histórica e institucional como fator que impede milhões de brasileiros e brasileiras de terem acesso à universidade, mais uma vez o STF cumpriu seu papel de promover e proteger os direitos humanos, e a dignidade humana. É preciso também atentar para o fato de a corte ter aberto de fato suas portas para ouvir a sociedade. A audiência pública e a participação como amigo da corte (amicus curiae) , além do amplo debate público sobre o tema das cotas, permitiram que diversas organizações da sociedade civil brasileira, como a Conectas, pudessem participar do debate constitucional e contribuir para formar a opinião da corte. É uma decisão que tornará a nossa universidade mais diversa, justa e igual, contribuindo para a construção de uma nação que reconhece seus erros, e também seu legado histórico.” |Julia Mello Neiva, advogada, coordenadora do Programa de Justiça da Conectas de 2009 a 2010.

“A decisão serenamente tomada pelo STF, na quinta feira (26/04), sobre a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa no Brasil, constitui um passo extremamente relevante em direção a construção de nossa nação, no sentido de uma sociedade onde todos os seus membros sejam compreendidos como sujeitos de igual respeito e consideração. Esta decisão certamente contribuirá para a superação do profundo fosso de desigualdade que marca a história brasileira. Importante destacar, neste momento, que o triunfo das políticas de ação afirmativa, como instrumento legítimo para realização dos objetivos fundamentais de nossa República, é o coroamento de uma incansável luta do movimento negro, que se inicia muito ates da abolição, com figuras como Luis Gama. É reflexo também da própria democracia constitucional que triunfou em 1988, que não apenas estabeleceu novos valores que devem pautar nossas relações, como dos mecanismos de participação e inclusão social. Para todos que tivemos a possibilidade de participar desta última etapa da luta pela ação afirmativa no âmbito do STF, a sensação é de que ação consistente e persistente da sociedade civil é um meio indispensável para a transformação de nossas sociedades”. | Oscar Vilhena, advogado, fundador e membro do Conselho da Conectas. Responsável pela sustentação oral da Conectas no julgamento da ADI 3330 e na audiência pública da ADPF 186.

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