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Notícia
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30/09/2020

Garimpo em terras indígenas: as ameaças do avanço desenfreado

Dados mostram dezenas de normas publicadas nos últimos dois anos para enfraquecer legislações de proteção ambiental



Esta não é a primeira vez que Dário Kopenawa, filho do líder Davi Kopenawa, assiste a homens brancos construírem estradas e cavar o chão de suas terras em busca de pedras preciosas. Entre as ameaças trazidas pelo garimpo ilegal, uma das preocupações é a liberação das xawara, doenças enterradas no solo por Omama, o criador de todos os seres na cultura Yanomami.  

 

“Meus antepassados morreram pelo mesmo que eu ‘tô’ enfrentando: o garimpo ilegal e a epidemia”, disse Dário, em entrevista ao jornal El País, relembrando o sarampo, trazido pela construção da rodovia Perimetral Norte (BR-210), no período da ditadura militar. “Os Yanomami estão sendo infectados pelos garimpeiros. As pessoas estão adoecendo. A gente está muito preocupado e muito triste. Onde tem garimpo tem sintomas de Covid-19.″

 

Apesar das ações ilegais em terras indígenas não serem novidade, o problema ganhou novos contornos com a pandemia e o descaso do governo. Um levantamento feito pela Folha de S.Paulo com o Instituto Talanoa mostrou que, entre março e maio de 2020, foram publicadas 195 normas relacionadas ao meio ambiente, no Diário Oficial ― em 2019, no mesmo período, foram 16. De acordo com a análise, o objetivo de parte das medidas infralegais foi o de mudar o entendimento da legislação

 

As ações estão alinhadas com a declaração feita pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, na reunião ministerial de 22 de abril: “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”. Antes disso, em fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro já havia enviado ao Congresso um projeto de lei que regulamenta a mineração e a geração de energia elétrica em terras indígenas.

 

O garimpo em terras indígenas e o desmatamento

De acordo com alertas do sistema Deter, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), 72% de todo o garimpo realizado na Amazônia, entre janeiro e abril de 2020, ocorreu dentro de áreas protegidas. Só as Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, no Pará, totalizam 60% dos alertas de desmatamento para garimpo em áreas do tipo na Amazônia. Ainda de acordo com o Inpe, o desmatamento na região cresceu 34% de agosto de 2019 a julho de 2020, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em junho, o bioma atingiu a marca de 14 meses seguidos de aumento de destruição, também em relação ao mesmo período do ano anterior. 

 

“Desde o início desta pandemia, os povos vêm exigindo que o Estado brasileiro garanta a proteção de suas terras, retirando imediatamente os invasores. Mas nada avançou neste sentido. Esta é uma das medidas mais efetivas e necessárias para evitar que um novo genocídio aconteça neste país em pleno século 21 ― o que seria totalmente inaceitável e imoral!”, lamentou Carol Marçal, da campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, no site da ONG.

 

Até o fim de agosto, segundo a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), havia 28.815 casos confirmados de infecção por Covid-19 entre os indígenas, com um total de 757 mortes e 156 povos atingidos. 

 

Antes que a xawara avance, iniciativas tomadas pelos próprios indígenas e instituições não governamentais estão sendo articuladas. Em junho, Dário Kopenawa foi dos articuladores da campanha “Fora Garimpo, Fora Covid!”, que já denunciou a presença de mais de 20 mil garimpeiros ilegais nas TIs, e conta com o apoio da Conectas, entre outras organizações. “Eu tô lutando pelo direito de viver em paz, sem perturbação. Pelo direito de morar, tomar água limpa, pela vida do povo Yanomami.”

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