Voltar
-
01/08/2022

Conclusões da comitiva brasileira em Washington em defesa da democracia no Brasil

Comitiva brasileira de 19 entidades sociedade civil foi recebida no Departamento de Estado e no Congresso americano

Comitiva brasileira, nos Estados Unidos, se reúne com o Senador Bernie Sanders para discutir ameaças à democracia no Brasil - Foto: Maria Magdalena Arréllaga Comitiva brasileira, nos Estados Unidos, se reúne com o Senador Bernie Sanders para discutir ameaças à democracia no Brasil - Foto: Maria Magdalena Arréllaga

Deputados e senadores americanos que, no sistema de governo dos EUA, exercem formalmente um papel importante na definição da Política Externa do próprio país e nas relações com o Brasil, reafirmaram o interesse na integridade do processo eleitoral e no respeito ao resultado da eleição presidencial brasileira, em outubro, seja quem for o vencedor.

As falas foram uma resposta à comitiva formada por 19 representantes de organizações da sociedade civil brasileira que, entre 24 e 29 de julho, foram recebidos no Capitólio, no Departamento de Estado americano e nas sedes de diversas organizações da sociedade civil local, em Washington, com dois pedidos:

  1. Que os interlocutores americanos se informem sobre a situação no Brasil, onde o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, coloca em questão o sistema eleitoral e o resultado das urnas, atacando a independência dos Poderes, por meio de ações dirigidas contra a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal; e
  2. Que esses mesmos interlocutores americanos se manifestem, dentro de suas áreas de ação e de influência, reconhecendo a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e a validade do resultado da eleição, seja quem for o vencedor, em outubro de 2022

A resposta positiva uníssona dos interlocutores americanos – expressa publicamente, como no caso do senador Bernie Sanders e do deputado Jami Raskin, e de forma reservada, em outros casos – foi de que a estabilidade democrática do Brasil é um assunto de relevância internacional e será tratado como tal.

As manifestações colhidas pela comitiva brasileira somam-se a declarações anteriores de autoridades do governo americano, cujo exemplo mais recente é do secretário de Defesa dos EUA, Lloyd J. Austin III, que, na quinta-feira (27), na Conferência dos Ministros da Defesa das Américas, em Brasília, já havia defendido o “controle civil firme dos militares” e o “papel adequado da função do Exército na sociedade democrática”, contrastando com a insistência de Bolsonaro em envolver as Forças Armadas brasileiras em suas acusações infundadas contra o sistema eleitoral.

Antes disso, em 18 de julho, a Embaixada dos EUA em Brasília já havia divulgado um comunicado no qual afirmava que as eleições no Brasil são “modelo” para o mundo. A manifestação foi feita um dia depois de Bolsonaro ter reunido membros do corpo diplomático estrangeiro em Brasília para apresentar críticas infundadas às urnas eletrônicas e à Justiça Eleitoral do país.

Em Washington, as organizações brasileiras foram recebidas por autoridades que proferiram mensagens semelhantes e ouviram de volta o pedido de que mantenham esse posicionamento e considerem redobrar a atenção na eventualidade que os ataques ao sistema eleitoral se mantenham ou se agudizem à medida que se aproxima a data da eleição no Brasil.

Esta ação da comitiva brasileira nos EUA é parte de esforços mais abrangentes que estão sendo feitos em várias partes do mundo para dar a conhecer os ataques que a democracia no Brasil vem sofrendo e as ações das organizações locais, da imprensa e do Poder Judiciário para conter essas ações antidemocráticas.

A presença de observadores eleitorais internacionais no Brasil, em outubro, é um exemplo dessa contenção aos ataques infundados. A interlocução com atores relevantes da politica americana é outro exemplo, que leva em conta o papel influente que os EUA têm no mundo todo e particularmente em relação ao Brasil. Além disso, os interlocutores americanos mostraram-se especialmente sensíveis ao tema, dada a memória recente dos ataques à democracia perpetrados pelo agora ex-presidente Donald Trump, quando ele pôs em questão o sistema eleitoral dos EUA e agiu para impedir a diplomação do vencedor, o atual presidente, Joe Biden, em 2020/2021, instigando a invasão violenta do Capitólio, sede do Congresso americano. 

“O que eu ouvi [da comitiva], infelizmente, soa muito familiar para mim, por causa dos esforços de [Donald] Trump e de seus amigos para minar a democracia americana. Não estou surpreso que Bolsonaro esteja tentando fazer o mesmo no Brasil. Esperamos muito que o resultado das eleições [brasileiras] seja reconhecido e respeitado, e que a democracia prevaleça, de fato, no Brasil”, disse à comitiva, no Capitólio, Bernie Sanders, senador democrata pelo estado de Vermont.

Entre 24 e 29 de julho, a comitiva brasileira foi recebida pelo Departamento de Estado americano, numa reunião de mais de uma hora, de caráter privado; por assessores dos deputados da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, no Capitólio; pelos deputados Jamie Raskin (Maryland, membro da comissão que investiga o 6/1), Hank Johnson (Geórgia), Mark Takano (Califórnia) e Sheila Cherfilus McCormick (Flórida), por assessores dos senadores Patrick Leahy (Vermont, presidente do Senado) e Ben Cardin (Maryland); e pessoalmente pelo senador Bernie Sanders, além de embaixadores de países-membros da OEA (Organização dos Estados Americanos), pela CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) e por organizações da sociedade civil local. 

Muitos dos encontros foram em caráter privado, off the record, a pedido dos anfitriões, como nos casos das reuniões no Departamento de Estado americano e com embaixadores de países-membros da OEA. Outros, no entanto, foram marcados por declarações espontâneas, como no caso de Sanders, do deputado Jamie Raskin e da deputada democrata pelo estado da Pensilvânia, Susan Wild, que disse: “Esta delegação reflete as lutas convergentes que acontecem no Brasil hoje: lutas por justiça ambiental, econômica, social e racial travadas por ativistas sob constante ataque de Jair Bolsonaro. Dado o papel único da Amazônia em nosso ecossistema global, o que acontece no Brasil terá um impacto desproporcional em todo o mundo. Os representantes comprometidos com a proteção do meio ambiente e com o avanço dos direitos humanos – especialmente aqueles que vêm de bairros como o meu, que têm uma rica história de organização trabalhista – têm a responsabilidade de se solidarizar com os movimentos de trabalhadores brasileiros e outros movimentos sociais que lutam para preservar a democracia do país e assegurar um futuro de direitos, dignidade e respeito para todos.”

Raskin, deputado que tem papel proeminente na comissão parlamentar que investiga a invasão ao Capitólio americano, em 6 de janeiro de 2021, disse após encontro com a comissão: “Eu aconselhei a comitiva a seguir falando a respeito do que acontece e a seguir educando as pessoas a respeito do que acontece no mundo, com a intenção de criar uma coalização que seja o mais ampla possível para defender as instituições democráticas no Brasil. Para mim, esta reunião foi muito educativa e deixou claro que as forças democráticas do Brasil temem que algo similar ao que aconteceu em 6 de janeiro de 2021 nos EUA se repita em seu próprio país. Por isso estão em contato com partidos políticos, movimentos e cidadãos do mundo todo para que se unam a eles em defesa da democracia constitucional e das eleições.” 

Diálogos com a CIDH e a sociedade civil

Além das reuniões com o Departamento de Estado, com a CIDH-OEA e com parlamentares, a comitiva também foi recebida por 15 organizações acadêmicas e da sociedade civil, baseadas nos EUA, como a maior central sindical dos EUA, a AFL-CIO (Federação Americana do Trabalho – Congresso das Organizações Industriais).

Cathy Feingold, diretora do Departamento Internacional da AFL-CIO, disse: “É muito importante que tenhamos nos reunidos com as organizações da sociedade civil para ter certeza de que estaremos juntos, ombro a ombro, para lutar por nossas democracias – democracia em nossos locais de trabalho, democracia em nossos países, que são coisas interligadas. Estou orgulhosa de nossa aliança com o movimento sindical brasileiro e com as organizações da sociedade civil porque nós sabemos que esses movimentos estão na linha de frente, construindo a democracia e protegendo a democracia no Brasil, nos EUA e no mundo todo”, disse ela.

O encontro na CIDH teve caráter reservado. Poucas horas após o encontro, a Comissão publicou um comunicado de imprensa instando o Brasil a “prevenir a violência, garantindo medidas de proteção e segurança no contexto eleitoral, bem como a realização das investigações pertinentes a esses fatos”. A nota cita fatos que foram relatados à CIDH pela comitiva brasileira, como o assassinato do petista Marcelo Aloízio de Arruda pelo militante bolsonarista José da Rocha Garanho, em Foz do Iguaçu, em 9 de julho, além de ataques com drones e bombas caseiras em atos políticos do PT.  

O documento diz ainda que “embora a Comissão Interamericana destaque a força das instituições democráticas e do Estado de Direito no Brasil, ela urge às altas autoridades do país e a todas as lideranças políticas não fazer declarações que possam promover intolerância, discriminação, desinformação deliberada ou ódio”.

A viagem da comitiva brasileira foi organizada pelo WBO (Washington Brazil Office), em parceria com , a WOLA (Washington Office On Latin America), o Atlantic Council, o CEPR (Center for Economic and Policy Research), a Amazon Watch e Action for Democracy.

O WBO é um think tank independente e apartidário que se dedica de maneira especializada a promover cooperação e conhecimento sobre a realidade brasileira e a oferecer apoio ao trabalho internacional da sociedade civil, movimentos sociais e demais setores do Brasil em Washington, em defesa da democracia, dos direitos humanos, do meio ambiente e das liberdades.

Declaração final da comitiva

“Nós, da comitiva de representantes de 19 organizações da sociedade civil brasileira, que estivemos em Washington, entre 24 e 29 de julho de 2022, para discutir nos EUA os ataques à democracia no Brasil, consideramos que a viagem atingiu o objetivo de informar alguns dos atores mais proeminentes e influentes da política americana sobre o momento delicado que a democracia brasileira atravessa.

Nos mais 20 encontros realizados ao longo destes cinco dias, fomos recebidos com deferência e ouvidos com uma genuína atenção por parte de todos os atores relevantes que procuramos encontrar. Pudemos constatar que existe hoje, nos EUA – como estamos certos de que há em outras partes do mundo também – uma atenção especial com o momento político que o Brasil atravessa.

Pudemos entender que os rumos de um país de dimensões continentais, com uma população de mais de 212 milhões de habitantes, reserva de um patrimônio ambiental  e cultural de importância global, que ocupa lugar proeminente na economia mundial, é um assunto que tem implicações que transbordam nossas fronteiras. A eleição brasileira é, sem dúvida, antes de tudo, um assunto brasileiro – e essa mensagem foi reforçada pela comitiva e corroborada pelos próprios interlocutores americanos, em Washington –; mas a solidez da democracia brasileira, o respeito aos direitos humanos e às liberdades individuais, ao Estado de direito e ao meio ambiente, aos indígenas e à população negra, são assuntos que dizem respeito à própria ideia de humanidade e, como tal, atraem legítima atenção e preocupação num mundo de relações interligadas e interdependentes. Bem informar esses interlocutores a respeito da realidade brasileira foi, portanto, uma das prioridades da comitiva.       

Do Capitólio ao Departamento de Estado, da CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) aos estúdios de televisão em Washington, passando pelas sedes das organizações sociais e sindicais locais, a comitiva encontrou sempre uma acolhida interessada e um olhar solidário em relação ao momento que o Brasil atravessa. Em todos esses encontros, a comitiva repetiu exaustivamente duas mensagens: informem-se sobre os ataques em curso contra o sistema eleitoral brasileiro e reconheçam com celeridade o resultado que sair das urnas, em outubro, seja quem for o vencedor, para reforçar a voz da comunidade internacional e, com isso, impossibilitar a concretização das ameaças golpistas que vêm sendo feitas publicamente ao longo dos últimos anos.

Em todos os momentos, encontramos uma escuta atenta e preocupada. Em vários momentos, recebemos de volta, imediatamente, manifestações públicas de respaldo à democracia brasileira, como nos casos das declarações do senador Bernie Sanders e do deputado Jamie Raskin, cujas palavras alcançaram grande repercussão pública no Brasil.

Voltamos ao Brasil com a certeza de que nossos esforços ajudaram a bem informar a comunidade internacional – neste caso específico, os EUA, cujo governo, por meio de vários de seus órgãos já vêm se posicionando publicamente em defesa da democracia no Brasil –, e acreditamos que a existência desta comitiva brasileira, diversa e unida, cumpriu um papel fundamental no desafio de preservar, proteger e aperfeiçoar a democracia brasileira.”

Organizações que compõem a comitiva: 

  • ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos)
  • APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)
  • Artigo 19
  • Comissão Arns
  • CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas)
  • Conectas Direitos Humanos
  • Geledés – Instituto da Mulher Negra
  • Greenpeace Brasil
  • Grupo Prerrogativas
  • Instituto Clima e Sociedade
  • Instituto Marielle Franco
  • Instituto de Referência Negra Peregum
  • Instituto Vladimir Herzog
  • Pacto pela Democracia
  • Transparência Internacional Brasil
  • Uneafro
  • Voz das Comunidades
  • 342 Artes/342 Amazonia
  • NAVE
  • Washington Brazil Office

Informe-se

Receba por e-mail as atualizações da Conectas