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17/09/2021

Como ativistas mexicanas conquistaram o direito ao aborto legal

Em entrevista para Conectas, Lola Guerra, co-diretora da ONG Católicas Pelo Direito de Decidir no México, afirma que decisão recente da Suprema Corte é resultado do trabalho feminista em defesa dos direitos humanos das mulheres

A ativista Lola Guerra, da ONG Católicas Pelo Direito de Decidir. Foto: Reprodução/Redes Sociais A ativista Lola Guerra, da ONG Católicas Pelo Direito de Decidir. Foto: Reprodução/Redes Sociais

Uma vitória dos movimentos e das organizações que defendem os direitos humanos das mulheres no México. Por unanimidade, a Suprema Corte do país decidiu, no início de setembro, que punir a prática do aborto é inconstitucional.

Com essa decisão, as autoridades ficam impedidas de utilizar o Código Penal para processar e prender pessoas que interromperem de forma voluntária uma gravidez. Cabe, agora, os estados mexicanos adequarem suas legislações de acordo com a decisão judicial. 

Em entrevista para a Conectas, Lola Guerra, co-diretora da ONG Católicas Pelo Direito de Decidir no México, destaca que a presença de ativistas feministas em diferentes segmentos sociais foi importante para a construção e difusão de argumentos jurídicos, éticos e de direitos humanos que permitiram o entendimento dos ministros da Suprema Corte de que a descriminalização do aborto amplia os direitos humanos das mulheres mexicanas.

Em um país com profundas raízes religiosas, o julgamento foi marcado por manifestações nas redes e nas ruas pró e anti-aborto legal. De um lado, católicos conservadores exibiam seus rosários. Como contraponto, católicas feministas, como Guerra, entoavam em diferentes protestos: “saca tu rosario de mis ovarios” (tire seu rosário dos meus ovários).

Leia a entrevista a seguir: 

Conectas – O que representa para as mulheres mexicanas a decisão da Suprema Corte em declarar inconstitucional a criminalização do aborto?

Lola Guerra – A decisão da Suprema Corte é histórica porque determina que nenhuma mulher poderá mais ser presa por abortar, em nenhum estado mexicano. Isso muda a forma como o tema é tratado no país. O que nós celebramos nesta decisão é que ela respeita o princípio de laicidade, ou seja, não se baseia em valores religiosos conservadores. A decisão, na verdade, está muito bem fundamentada nos princípios constitucionais do México. De um modo geral, fica determinado que nenhum ente da República poderá iniciar um processo penal que se distancie do entendimento do judiciário. Agora estamos discutindo o que acontece com as mulheres que foram presas antes desta decisão, de acordo com uma legislação considerada inconstitucional. Vamos trabalhar na libertação das mulheres encarceradas ou com processos policiais iniciados. Podemos afirmar com clareza que estas prisões são violações dos direitos humanos das mulheres. Enfim, é um momento histórico e que nos dá autonomia para defender os direitos das mulheres. 

Conectas – Qual o papel das ativistas feministas nesta decisão? Como o movimento feminista se organizou no país para obter esta vitória? 

Lola Guerra – O papel do movimento feminista neste decisão é  fundamental. Os próprios ministros disseram que isso é parte da luta da Maré Verde [nome dado as manifestações ocorridas em vários países em que mulheres utilizam lenços verdes com mensagens em defesa do aborto legal].  A história do movimento feminista mexicano é forte e potente e, graças a isso, temos construído argumentos jurídicos, de direitos humanos, éticos e de outras áreas que permitem o avanço da discussão dos direitos humanos das mulheres. As mulheres feministas estão levando esta discussão para as ruas, organizações populares, grupos acadêmicos, entidades da sociedade civil e para outros inúmeros lugares. Esse trabalho nos possibilitou os importantes avanços que estamos vendo neste momento. Este ano, antes mesmo da decisão da Corte, vários estados discutiram legislações para restringir os direitos das mulheres mexicanas, mas que não foram aprovadas. Isso mostra que o tema tem relevância na cidadania mexicana. Sendo assim, não é uma vitória da Suprema Corte, mas de um movimento que trabalha para que os direitos humanos das mulheres sejam respeitados. 

Conectas – Acredita que o exemplo mexicano pode inspirar outros países latino-americanos? 

Lola Guerra – Sem dúvida. Espero que outros países latino-americanos avancem no mesmo sentido. Contudo, é preciso entender a formação da Suprema Corte de cada país, porque algumas são mais variadas e outras, por sua vez, mais conservadoras. No México, temos uma Suprema Corte muito comprometida com os direitos humanos das mulheres. De qualquer modo, os direitos sexuais e reprodutivos estão avançando na região, inclusive neste momento da pandemia de Covid-19. Podemos citar a República Dominicana [movimento feminista criticou a ideia de um referendo para decidir sobre o tema], o Equador [Corte Constitucional descriminalizou o aborto em casos de estupro em abril de 2021 ], a Argentina [Senado aprovou, em dezembro de 2020, projeto de lei que legaliza o aborto] e o Chile [Deputados discutem a legalização do aborto]. 

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