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Como a sociedade civil vê a desinformação e a regulamentação das plataformas digitais

Organizações alertam para o impacto da desinformação e das novas regras de moderação em plataformas digitais, destacando riscos à segurança digital e à democracia

Foto: Manjunath KIRAN / AFP Foto: Manjunath KIRAN / AFP

O avanço da desinformação nos ambientes digitais e o crescente poder das grandes plataformas reacendem o debate sobre a necessidade de regulamentação desse setor. Especialistas e organizações da sociedade civil alertam que a proteção de direitos fundamentais e de grupos historicamente vulnerabilizados deve estar no centro dessas discussões.  

As mudanças recentes nas regras de moderação de conteúdo da Meta provocaram reação de mais de 180 entidades brasileiras, entre elas a Conectas Direitos Humanos, que divulgaram uma nota pública de repúdio. Para as organizações, a nova política da empresa representa um risco à segurança digital e aos direitos humanos.  

O tema também foi discutido em uma audiência pública organizada pela Advocacia Geral da União (AGU), que reuniu, no início do ano, diferentes perspectivas sobre os impactos dessas diretrizes, especialmente para populações mais vulneráveis. As preocupações giram em torno do enfraquecimento de mecanismos que combatem discurso de ódio e desinformação, além da falta de transparência nas decisões das plataformas.  

Impacto da desinformação para grupos marginalizados

No cenário atual, as políticas de moderação de conteúdo ou a falta delas afetam desproporcionalmente grupos já vulnerabilizados histórica e socialmente, aumentando as dificuldades enfrentadas em suas lutas diárias, especialmente nas agendas de gênero, sexualidade e raça.

Durante a audiência organizada pela AGU, representantes de várias organizações da sociedade civil expressaram suas visões sobre o tema. 

O Internetlab chamou atenção para como mulheres, pessoas negras e a comunidade LGBTQIA+ estão sujeitas a ataques e discursos de ódio online. Durante as eleições brasileiras de 2024, por exemplo, apesar de representarem 15% das candidaturas, mulheres foram alvo de ofensas em 68% das vezes.  A organização ressaltou como a opacidade das políticas de moderação pode perpetuar o silenciamento e reforçar a exclusão de grupos da esfera pública.

A Agência Pública destacou que “não[se] pode reclamar [nem] para o Procon” a respeito das falhas de moderação, sublinhando o peso desproporcional que jornalistas enfrentam para desmentir desinformação propagada nessas plataformas. 

Em suas falas, a Artigo 19 trouxe à tona a “tentativa de resistência corporativa das big techs ao controle democrático”, expressando que é “necessário enfatizar que a moderação da Meta não é suficiente, já que frequentemente bloqueia conteúdos de grupos historicamente silenciados”. A organização ainda defendeu que a discussão sobre a curadoria de conteúdo por essas empresas está muitas vezes mais ligada aos interesses econômicos do que à genuína defesa da liberdade de expressão.

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) destacou que as empresas de tecnologia “usam dados das pessoas, inclusive os sensíveis, para distribuir anúncios personalizados”, reforçando a atividade abusiva  por parte das plataformas. Esse processo alimenta campanhas de desinformação sistemática, com consequências que transcendem o ambiente digital, movendo as realidades perigosas de discursos de ódio online para ameaças físicas expressas em espaço público.

Democracia em Xeque questionou “quais os prejuízos que essa falta de moderação e  regulação provocam não apenas nos direitos individuais e coletivos, mas também para as políticas públicas”. O instituto sublinhou a existência de interesses econômicos, a partir dos quais as “as plataformas perseguem na sua adequação o lucro e ceder a pressões políticas”.

Sleeping Giants, por sua vez, ressaltou que “é apenas através de mecanismos de transparência que se pode saber o que, como, quando e onde a moderação acontece”. O grupo ainda destacou os impactos negativos das novas políticas da Meta, especialmente para a população LGBTI+, “ao autorizar discursos que associam a orientação sexual e a identidade de gênero a doenças mentais”. 

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) reconheceu que redes são essenciais para a comunicação dos povos indígenas e alertou :“com as mudanças da política da Meta, a gente entende que a violência vai crescer ainda mais e que a gente vai vivenciar ainda mais uma crescente desinformação nesses espaços”, especialmente considerando as experiências durante a pandemia da Covid-19.

O Instituto Alana sublinhou que a moderação é “não só uma necessidade, mas um dever constitucional”, lembrando que, no Brasil, já existe uma base legal para responsabilizar empresas por ações ou omissões.

Conectas e Artigo 19 levam à ONU alerta sobre desinformação 

A disseminação de desinformação, discursos de ódio e assédio online tem colocado em risco a integridade dos processos eleitorais e o direito ao voto, especialmente de grupos historicamente marginalizados. Esse foi o alerta feito pela Conectas Direitos Humanos e pela Artigo 19 em um documento enviado à Relatoria da ONU para Liberdade de Opinião e Expressão.

O informe destaca como esses fenômenos afetam a participação política e a vida pública, além de chamar atenção para a necessidade de regulamentação do modelo de negócios das grandes plataformas digitais. As organizações recomendam medidas que incentivem um ecossistema de informação mais plural e alinhado com os direitos humanos.

A iniciativa ocorre em um contexto de crescente preocupação global com o papel das redes sociais na disseminação de conteúdos enganosos e no acirramento da polarização política. No Brasil, o tema ganhou destaque após os impactos da desinformação nas eleições recentes, incluindo ataques ao sistema eleitoral e tentativas de deslegitimação de resultados.


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