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30/05/2014

#BringBackOurGirls

Sequestro de 276 meninas se soma a mutilação genital e casamento aos 9 anos. ONGs pedem ação mais ampla na ONU

A little girl skips along through a construction site  which has sat uncompleted for a couple years. Concrete blocks are still a very integral material for building houses in Nigeria. Houses can take years to complete based on the current financial situation of their owners. A little girl skips along through a construction site which has sat uncompleted for a couple years. Concrete blocks are still a very integral material for building houses in Nigeria. Houses can take years to complete based on the current financial situation of their owners.

A brutal história do sequestro de 276 meninas numa escola secundária na vila de Chibok, nordeste da Nigéria, no dia 14 de abril, por membros do grupo armado Boko Haram é apenas parte de um problema maior. Na Nigéria, 39% dos casamentos envolvem meninas com menos de 18 anos – muitas delas com idade entre 9 e 16 anos. Todo um sistema legal, cultural, religioso e político coloca em risco não apenas as meninas sequestradas, mas milhares de outras jovens no maior e mais populoso país da África.

Esta realidade tem feito com que organizações locais da sociedade civil se empenhem em mostrar que a questão não começa nem termina com o sequestro – por mais grave que ele seja. Hoje, 51 dias depois do episódio, 57 meninas conseguiram escapar. As restantes permanecem incomunicáveis, enquanto o governo promete uma ação militar de consequências imprevisíveis para recuperá-las.


Leia aqui a entrevista com Osai Ojigho, vice-diretora executiva da Alliances for Africa, sobre a campanha #BringBackOurGirls.


Conectas e as ONGs parceiras Alliances for Africa e Partnership for Justice alertaram o governo brasileiro para seu papel neste contexto. Em carta, as três organizações pediram que o Itamaraty aproveite a segunda passagem da Nigéria pelo mecanismo chamado de Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em outubro de 2013, para enviar recomendações claras ao governo nigeriano. “Violência contra mulheres e meninas, incluindo estupro, agressão sexual e violência doméstica, continua sendo alvo de grande preocupação na Nigéria. Em virtude de seu contínuo agravamento, é urgente a necessidade de que o Parlamento aprove leis para combatê-las”, diz o texto da carta.

“A Seção 55 (1) do Código Penal aplicável no norte da Nigéria prevê castigo para a mulher, aplicado pelo seu marido. Diz que isso não é um crime, desde que o a lei local e os costumes permitam, e desde que não cause ferimentos graves”, diz a advogada Osai Ojigho, defensora de direitos humanos e vice-diretora executiva da Alliances for Africa. Ela explica ainda que “certas práticas culturais e religiosas toleram o casamento infantil , a Mutilação Genital Feminina, e submissão das mulheres”. Por fim, Ojigho menciona a Lei Sharia no norte da Nigéria e relembra que ela “permite o casamento de uma menina que tenha atingido a puberdade (geralmente entre 9-16 anos de idade)”.

O sequestro de Boko Haram está relacionado com as dificuldades terríveis enfrentadas pelas mulheres e meninas e com “a vulnerabilidade de mulheres e meninas em conflitos armados”, diz, antes de concluir que, apesar da ratificação pelo governo nigeriano de numerosos tratados regionais e internacionais que visam à promoção e proteção dos direitos das mulheres e crianças, ainda há muito que precisa ser feito para melhorar a situação referente os direitos das mulheres direitos das meninas.

Importância estratégica

A Nigéria é conhecida como “o gigante da África”. O país é o maior produtor de petróleo do continente e país mais populoso também. Com uma vibrante e diversificada população de 168 milhões, o país é composto por mais de 250 grupos étnicos diferentes e desempenha papel de líder na Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), além de ter sediado o Fórum Econômico Mundial sobre a África no mês passado. Sua economia ultrapassou recentemente a da África do Sul para se tornar a maior da África, levando a economista Jim O’Neal a incluir a Nigéria na sigla MINT (México, Indonésia, Nigéria e Turquia).

A Nigéria não é o único país afetado pela insurgência de Boko Haram. O grupo assume dimensões regionais e expandiu suas bases para os vizinhos Camarões e Níger. Na recém-concluída Cúpula de Paris, organizada pelo presidente francês François Hollande com a participação da Nigéria, seus vizinhos, Benin, Camarões, Chade, junto com ex-potências coloniais França e Reino Unido, a UE e os EUA, os líderes africanos decidiram travar guerra contra o Boko Haram. O presidente nigeriano, Goodluck Jonathan, que comparou o grupo ao equivalente Africano da Al- Qaeda, afirmou que mais de 12.000 pessoas foram mortas desde o início da revolta, em 2009, para não mencionar os inúmeros feridos. Há relatos locais e internacionais de que os militares nigerianos também podem ter sido responsáveis por perpetrar atos que podem constituir crimes contra a humanidade em sua resposta à insurgência e são alvo de “alegações de execuções extra-judiciais, tortura, detenção incomunicável indeterminado […] de estupro, vários atentados contra as comunidades locais e um padrão de uso desproporcional da força”. O conflito em curso levou o TPI (Tribunal Penal Internacional) a abrir uma investigação preliminar sobre a situação.

Em 22 de maio, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que tem sido relutante em abordar a questão de forma mais ampla, aprovou a adição da organização à sua lista de entidades sujeitas a um embargo de armas e sanções financeiras específicas. A Nigéria caracterizou a sua solicitação para que Boko Haram seja adicionado à lista da Al- Qaeda Comitê de Sanções do Conselho de Segurança como “necessária em virtude de uma recente onda” nas atividades do grupo.

Boko Haram estende ação

O objetivo declarado do Boko Haram é o de impor a Lei Sharia e transformar Nigéria, que é cerca de 50% muçulmano, em um Estado islâmico. Em 2009, o Boko Haram pegou em armas e lançou operações militares em uma tentativa de derrubar o governo nigeriano. O seu líder fundador, clérigo islâmico Mohamed Yusuf, foi morto sob custódia da polícia, naquele mesmo ano, levando as forças de segurança nigerianas à alegação de que eles tinham acabado com sucesso com Boko Haram. Desde então, o grupo tem intensificado seus ataques, e os numerosos incidentes amplamente relatados a custar mais de 1.500 vidas só nos primeiros quatro meses de 2014 fazem parte da revolta e conflito em curso no norte da Nigéria, que levou o governo nigeriano a declarar estado de emergência em três estados do Nordeste em maio do ano passado.

O episódio trágico do sequestro das meninas provocou uma avalanche de reações notáveis e sem precedentes das comunidades locais, regionais e internacionais e debates sobre uma série de questões desde ameaças à segurança regional e internacional até a situação enfrentadas por mulheres e meninas. Além das campanhas que têm criado frenesi na twittersfera, as pessoas têm levado às outras plataformas para expressar sua indignação com o rapto e de solidariedade com as meninas, suas famílias, e Nigéria.

Leia a íntegra da entrevista com Osai Ojigho, que oferece uma visão privilegiada da crise, da situação das mulheres e dos direitos das meninas na Nigéria, além de comentar as iniciativas empreendidas por atores locais e internacionais, incluindo Alliances for Africa, para aumentar a conscientização sobre a situação das meninas sequestradas.

Leia também artigos da Revista SUR sobre o tema:

Direito à educação e educação para direitos humanos

Richard Pierre Claude

Criminalização da sexualidade: Leis de Zina como violência contra as mulheres em contextos muçulmanos

Ziba Mir-Hosseini

A resposta ineficaz das organizações internacionais em relação à militarização da vida das mulheres

Cristina Radoi

Disputando a aplicação das leis: A constitucionalidade da lei Maria da Penha nos tribunais brasileiros

Marta Rodriguez de Assis Machado, José Rodrigo Rodriguez, Flavio Marques Prol, Gabriela Justino da Silva, Marina Zanata Ganzarolli, Renata do Vale Elias

O acesso à justiça e a proteção aos direitos humanos na Nigéria: Problemas e perspectivas

Nlerum S. Okogbule

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